Dois desenhos, dois motivos
Quais motivos e processos produzem inspiração para a criação de um trabalho artístico?
Outro dia estava conversando com uma amiga sobre os motivos que me fazem escrever um desenho e outro. Então disse que existem dois canais diferentes. Às vezes uma ideia surge de fora pra dentro e noutras de dentro pra fora. Ou a ideia vem de algo que estou observando, que está acontecendo com outras pessoas, que leio; ou então é algo pelo que estou passando que me faz ter uma ideia. Quase sempre o segundo caminho me gera mais satisfação. Porém nem sempre é o que alcança melhores resultados em termos de métricas e de curtidas, comentários e compartilhamentos. Se eu ligo pra isso? Não muito. O efeito de dopamina que me interessa não está unicamente no sucesso de algo que faço mas na realização dessa coisa.
Vou dar um exemplo.
Há um tempinho atrás publiquei esse desenho onde hoje em dia se publica desenhos (ou qualquer coisa). Seu alcance ou sucesso (medido pelo número de likes) foi apenas 5% deste outro desenho. Entretanto, me deu muito mais prazer fazer o primeiro, e o acho muito mais interessante do que o segundo. O segundo foi criado a partir de uma leitura que fiz de um texto, o primeiro veio de uma questão pessoal. Mas mais do que isso: geralmente os que fazem mais sucesso são mensagens simples e diretas, fáceis de serem entendidas em dez segundos e servem pra enviar pra outra pessoa. Foi justamente o oposto disso que me deixou contente na criação do desenho que não teve tanto alcance. Ele está em aberto. Ele não entrega uma mensagem e pronto. Além disso, fico orgulhoso de ter conseguido algo que fica entre o triste, o humor, o singelo, o melancólico. Era assim que me sentia antes de fazê-lo e é isso que me lembro quando vejo novamente. A poeta Wislawa Szymborska lindamente define a coisa assim: “No poema tento conseguir o efeito que na pintura se chama ‘chiaroscuro’. Gostaria que o poema contivesse o sublime e o trivial, as coisas tristes e cômicas — lado a lado, misturadas”.
Fazer a newsletter e roteirizar e gravar o podcast me dão muito mais trabalho do que fazer um desenho no Instagram. Nenhuma das duas coisas têm o mesmo alcance que os desenhos. Mas não é pelo alcance que eu faço o que faço. Por isso, quando alguém me diz “adoro receber seus e-mails, neles descobri que…” ou que um episódio do podcast lhe fez pensar coisas ou lhe emocionou, bom, eu recebo isso de forma diferente. Não sei explicar por quê. Ou talvez saiba, mas fico constrangido em assumir. Pois tem a ver com o fato de que eu poderia simplesmente parar de fazer todas essas coisas, principalmente essas duas que me dão mais trabalho e tomam mais o meu tempo. Mas eu não paro. E me sentir unido a alguém pelos motivos que me fazem fazer essas coisas é das maiores satisfações que poderia ter.