Oliver Sacks: Escrever como forma de pensar

O processo de criação do neuroscientista Oliver Sacks revela a importância da escrita na organização do pensamento

Gabriel Pardal
FVM : Faça você mesmo
3 min readMay 18, 2023

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Sou fascinado por uma fotografia do Oliver Sacks parado na frente de uma estação de trem, escrevendo em seu caderno. Abaixo dele estão seu guarda-chuva e sua bolsa aberta. É como se ele tivesse acabado de ter uma ideia, largado tudo no chão e anotado algo que não poderia esquecer. O que estaria escrevendo? Quem tirou a foto? Será que riram da situação? Será que a pessoa que tirou a foto lhe apressou para que não perdessem o trem? Por que ele não esperou entrar no trem para escrever?

Outra foto tão impressionante ou mais é a dele escrevendo no capô do seu carro parado no acostamento de uma estrada. O que teria acontecido? Ele estaria dirigindo e tido uma ideia que não poderia esperar para ser anotada? Minha mente consegue imaginar ele parando para fazer xixi e antes mesmo de terminar sua necessidade fisiológica tendo um insight, uma epifania, uma ideia para um artigo que precisava ser registrada urgentemente.

Essas duas imagens são flagrantes do processo com que o neurocientista escrevia.

“O ato de escrever é parte integrante da minha vida mental; as ideias surgem, são moldadas no ato de escrever… é uma forma especial e indispensável de falar comigo mesmo”, escreveu Oliver Sacks no livro “O rio da consciência”.

Para além da urgência em anotar antes que a ideia desapareça da cabeça, escrever era uma forma ativa de pensar.

Escrevo, logo penso

Não há melhor maneira de aperfeiçoar a forma com que nos comunicamos do que pegar os pensamentos, formulá-los em frases, trabalhando a forma como escrevemos.

Usando qualquer papel e instrumento de escrita que tivesse à mão, Oliver Sacks anotava ideias à medida que lhe ocorriam. Arquivados na Oliver Sacks Foundation, entre diversos cadernos e blocos, encontra-se manuscritos em papéis timbrados de hotel, guardanapos e até num cardápio de restaurante.

Ele parava o que estivesse fazendo para escrever. Havia algo rondando em sua cabeça que precisava ser liberado. Através da escrita os pensamentos evoluíam e tomavam forma. Essas anotações eram registradas antes ou durante um voo, numa noite insone no hotel, durante um jantar. Em seguida eram reescritas e revisadas, chegando à forma final dos seus textos.

Nestes papéis encontramos reflexões sobre os mistérios da consciência. Em um envelope de carta ele rabiscou ideias sobre o que significa estar vivo. Na papelaria do hotel ele contrastou fantasia com imaginação. Em duas folhas soltas grampeadas, ele distinguiu dois modos de criatividade. Como um cientista que analisa um objeto de estudo, ele extraía o pensamento do labirinto infinito que é a mente, para que pudesse ser visualizado, estudado, manipulado, e assim retornar para a cabeça numa forma mais concreta. Acredito que também lhe dava um prazer imenso poder se livrar dessas vozes na cabeça. Vozes se sobrepunham durante uma viagem de carro, bastava estacionar, escrever, e assim conseguia seguir a viagem mais vazio, livre para a próxima ideia.

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Gabriel Pardal
FVM : Faça você mesmo

Artista. Escreve sobre processos criativos, inspiração e criatividade nos dias de hoje. https://www.gabrielpardal.com/