Gafanhotos não me mordam
De todas as profecias e estórias bíblicas, aquela a muito tempo sem comentar em círculos de conversa vem a tona de modo a aflorar a criatividade brasileira em fazer gozação de sua própria desgraça. Matuto é aquele que percebe a ponta de tragédia cômica na qual tal evento nos trás, matuto não é aquele que compara nosso cenário atual de tragédia com a tragédia bíblica, o tirano aqui é outro.
Durante o isolamento social imposto a mim (e espero que imposto a você também), rotina se tornou algo, digamos, peculiar. Peculiar no modo como consigo adaptar a vida ao meu passo, não a necessidade da sociedade em impor que todos sigam no seu passo. Enfim, nessa rotina não perdi o hábito de passar raiva pelo menos uma vez ao dia ao ler, ouvir, assistir, consumir notícias. Fiz suco de laranja com a prisão do Queiroz, sofri e chorei acompanhando os protestos que se desenvolveram com o assassinato de George Floyd, me preocupei com os números previstos pelo Átila quanto ao vírus que me lembra daquela cerveja ruim.
A sociedade passa por um período de adaptação na qual toda espécie é constantemente imposta a enfrentar pela natureza, isso se explica pela teoria da evolução das espécies escrita por C. Darwin, e nós humanos temos a vantagem de ser a espécie dominante nesse ecossistema. E assim como um vivente abastado em sua posição social pode tomar atitudes para não se prejudicar, nós como espécie fazemos a mesma coisa, deixamos o problema com aqueles diretamente afetados por ele.
Quer um exemplo?
A pessoa matuta da qual me dirigi no empeço desse testículo deve ter percebido aonde quero chegar, parabéns, pois eu ainda não sei.
O que sei, é que Nós como espécie, somente evoluímos quando a água bate na bunda e somos forçados a nadar. Nós como espécie nunca iremos tratar o aquecimento global até ele começar a acabar com nossos destinos turísticos e destruir nossas casas de praia. Nós como espécie não desenvolveremos um sistema para acabar com asteroides em rota de colisão, até que um (grande) se dirija até nós. Nós como espécie, ignoramos o fato de que esse vírus é de culpa global, e que o cara que culpa a china é o mesmo que não usa máscara no mercado. Nós como espécie somos considerados inteligentes (por nós mesmos), racionas, evolutivos e adaptativos, se isso fosse um artigo eu com toda certeza estaria apresentando fontes cientificas confiáveis para corroborar esses fatos, afinal, Nós como espécie inventamos ele (o método científico dã), e ele é perfeito.
Porém, nós como espécie, dotados de toda racionalidade e inteligência tomamos uma atitude que não pertence as outras espécies, nós ignoramos.
Os gafanhotos são peculiares, como espécie e como símbolo, eles nos acompanham por nossa evolução sempre sendo culpados por trazer destruição. Portanto, eu como um Ser Humano responsável, fui tirar satisfação com tal criatura, não foi difícil encontrar um e ainda me rendeu uma viagem ao quintal. Segue então minha entrevista com tal criatura;
Começo nossa entrevista com o gafanhoto, estendo minha mão, recebo uma mordida, socialmente aprendo que eles cumprimentam mordendo. Em seguida peço a ele para que se apresente como espécie, o mesmo salta pela janela e foge. Curioso com o abrupto fim de minha entrevista percebo que estava tentando falar com um Gafanhoto, e que talvez o isolamento social esteja me afetando de alguma forma. Mais tarde encontro o gafanhoto comendo minha roseira.
Confesso estar decepcionado com minha entrevista, mas creio que ela fora construtiva a ponto de nos mostrar o quão babaca um gafanhoto pode ser. Mas Gafanhotos não ignoram, eles comem todo mato que lhes for apresentado sem ignorar. Criaturinha odiável, li que são capazes de machucar mortalmente tarantulas e outros animais maiores que ele.
Nossa amizade se construiu, empática, de uma espécie de babacas para a outra.
Para encerrar, intitulo meu amigo gafanhoto como: O Grande dilacerador de dedos, derrubador de faraós, devorador de roseiras e de mitos. Meu amigo, Dentuço, lhe concedo também o direito de terminar de comer minha roseira.
Meu matuto amigo leitor está decepcionado, ele achou que ia falar de outra coisa, o matuto não entende metáforas.