Ecos da Galeria #07: Perseverança

Janayna Bianchi Pin
Galeria Creta
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5 min readMar 3, 2018

E então eu comecei a fazer aula de trapézio (sim, trapézio de circo). Fiz quatro aulas e, em cada uma delas, quase desisti de continuar.

Como já era de se esperar, a primeira aula foi TERRÍVEL. Não tem outra palavra pra descrever, foi terrível do início ao fim. Eu fiquei quase dois anos totalmente sedentária, já tenho uma dificuldade natural com flexibilidade e ainda estou bem acima do peso — que, em termos meramente práticos, é um problemão quando a atividade consiste em se erguer só com os braços e o abdômen e se pendurar só pelas pernas em uma barrinha (ah, pra piorar eu ainda tenho a mão pequenininha).

A segunda aula foi igualmente terrível, e a terceira e quarta aulas foram ligeiramente menos terríveis, mas BEM terríveis mesmo assim. Eu estou permanentemente consciente de dores em músculos que eu nem sabia que tinha, minha mão está ficando calejada e estropiada e eu tenho vários hematomas pelo corpo. E além de tudo isso, eu pareço um saco de batatas tentando subir e depois tentando não cair de cima do trapézio (no caso já caí, duas vezes, uma delas em cima do meu cunhado — mas trapézio, cunhado e eu passamos bem).

A minha impressão (e provavelmente a de qualquer leigo assistindo meu treino) é que eu nunca vou conseguir, que a evolução é lenta demais pra caber dentro do espaço de uma vida. Parece que existe um abismo insuperável entre a minha performance e a performance da minha irmã, que aos meus olhos é praticamente uma bailarina do Cirque du Soleil.

Uma foto da minha irmã e do meu cunhado se apresentando enquanto qualquer registro das minhas aventuras circenses ainda é impublicável

É fácil demais acreditar que isso é verdade. Eu não sou a pessoa mais perseverante do mundo, mas também não sou de desistir tão fácil. Ainda assim, em cada uma das quatro quintas-feiras em que treinei até hoje, bateu essa vontadinha de desistir. Três coisas me fizeram seguir em frente: a diversão (a atmosfera da companhia é muito legal e, à despeito da dor e da vergonha, estou me divertindo DEMAIS com a aula), o desafio (não parece, mas eu sou bem competitiva, especialmente quando a competição é comigo mesmo) e minhas experiências passadas que provam que mesmo uma evolução lenta, se carregada por tempo suficiente, pode trazer resultados notáveis. Como vejo acontecer com a minha insipiente carreira literária, por exemplo, desde que em 2014 resolvi levar a escrita mais a sério.

Não é a primeira vez que associo o esporte à literatura: já escrevi esse texto sobre comoescrever é como nadar. Mas é que eu realmente acho que os processos de evolução nos esportes e nas artes são muito similares: ambos são lentos, doloridos e sem atalhos, mas a mudança a longo prazo é tão drástica que você vai olhar pra pessoa que está à sua frente e vai ter certeza absoluta de que você nunca vai chegar onde ela está.

É uma questão de se afastar do micro e tentar enxergar o macro. É onde a perseverança entra, acho eu. Não vou dar uma de guru da auto-ajuda aqui — até porque eu estou exatamente nessa posição de ver autores publicados e bem sucedidos e, eventualmente, nas piores crises de síndrome do impostor, duvidar que um dia vou ser eu ali. Mas acho que vale dizer que já experimentei esse fenômeno na prática. Muitas coisas boas aconteceram porque eu me conformei de que o processo é lento, demorado e trabalhoso e continuei insistindo. Coisas tão boas que estou convencida de que, se continuar trilhando esse mesmo caminho, só ajustando um pouquinho a rota aqui e ali, um dia vou alcançar meus objetivos de carreira um a um.

Às vezes acho que falta fazer uma análise mais fria. Parar pra pensar, pra avaliar objetivamente a evolução entre dois pontos no tempo. Mudanças que acontecem aos poucos passam despercebidas — tipo o cabelo que cresce super rápido, mas a gente só vai perceber como está diferente quando vê uma foto dele meses atrás, quando ele estava bem curtinho.

Estamos no começo de um novo ano e o que mais vemos por aí é a promessa de que tudo será diferente. Vemos muita disposição de adotar novos hábitos, de mudar drasticamente os comportamentos, de tentar outras estratégias pra chegar em algum lugar. Acho isso totalmente válido, mas também acho que, antes, vale uma análise: você já está progredindo fazendo as coisas do seu jeito? A progressão é a mais rápida possível (ou algo perto disso) dentro das suas capacidades, especialmente considerando as dificuldades inerentes ao processo?

Se sim, não tem escapatória. Sou da opinião que em time que está QUASE ganhando (mesmo que seja de pouquinho em pouquinho) não se mexe. Não precisa mudar, a menos que isso torne sua vida melhor ou você fique mais feliz. Caso contrário é seguir em frente e se apoiar em outros processos lentos pelos quais você já passou pra garantir pra você mesmo que, um dia, você vai chegar onde quer. Tenho certeza que você tem alguma experiência de começar a fazer algo, ser horrível naquilo, e hoje ser capaz de olhar pra trás e admirar quão grande foi sua evolução.

Esse é meu plano pra 2018: continuar tocando minha carreira literária na mesma toada. Escrevendo ou revisando quase todo dia, ouvindo críticas, indo a eventos, conhecendo pessoas, compartilhando os êxitos dos amigos, me aliando a pessoas que querem o mesmo que eu, esquivando das tretas do mercado tipo o Neo do Matrix.

Também vou perseverar na ideia do trapézio (pelo menos enquanto minha sobrevivência não estiver em extremo risco). Que tal se, daqui um ano, eu voltar pra dizer como está a minha performance? Tá, fica aqui a promessa de que em janeiro de 2019 vou publicar um relatório sobre como foi meu processo de aprendizado no circo (mesmo que por ventura eu não curta mais a ideia e desista pelo caminho — um dos meus outros planos pra 2018 é só fazer o que me torna mais feliz).

E você? Em qual processo de formiguinha você tá engajado? Tá estudando alguma arte? Praticando algum esporte novo, estudando outro idioma? Tá aprendendo a dirigir, cozinhar ou tocar algum instrumento?

Se quiser, responde esse e-mail contando qual é sua situação atual e onde você pretende chegar aqui um ano. Daqui doze newsletters, você me conta de novo o que alcançou e a gente comemora juntos nossa evolução, ou mesmo nossa maturidade em assumir que o objetivo não era pra gente, e tudo bem. Tenho certeza que você vai se admirar com a análise, seja ela qual for.

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Nana Ferreira ainda não me deu notícias. Se alguém souber o paradeiro dela ou o que houve com Ecos, por favor entre em contato.

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Janayna Bianchi Pin
Galeria Creta

Escritora, engenheira, viajante e passeadora de lobisomens. Autora de Lobo de Rua (bit.ly/lobojana).