Ecos Da Galeria #09 — A Parábola Dos Dois Lobos (Da Escrita)

Janayna Bianchi Pin
Galeria Creta
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5 min readJun 1, 2018

Há muito tempo, na época em que as correntes motivacionais e mensagens de bom dia vinham por email e não pelos grupos de família do WhatsApp, recebi uma daquelas apresentações cafonas de Power Point — uma daquelas que já abria direto no modo apresentação — que contava a intitulada Parábola dos Dois Lobos. Não lembro se li na época ou se acabei esbarrando com a história depois, em outro canto da internet, mas de qualquer forma a depositei em uma das gavetas mais empoeiradas da mente e a coitada ficou anos sem ver a luz do sol. Até que, recentemente, fiz uma limpa no meu email que começou com um filtro de mensagens mais pesadas. A dita apresentação, que era um dos pesos-pesados e estava lá no topo do filtro, acabou me chamando atenção pelo “lobo” no nome e a lembrança voltou de uma vez, toda cheirando a naftalina.

A apresentação brega e boa parte dos links que encontrei na internet atribuem a história a um dos povos nativos da América do Norte e narra o diálogo entre um ancião e seu neto. O velho começa dizendo que tem dois lobos dentro de si — o Lobo Mau que representa todos os sentimentos ruins e o Lobo Bom que representa (tcharam) todos os sentimentos bons — , e que esses dois lobos vivem em eterna batalha. O neto pergunta qual dos lobos irá vencer e o avô, então, responde que o lobo vencedor será “aquele que eu alimentar”.

Foto que tirei em 20015 lá no Santuário do Caraça, em MG. Coloquei a foto aqui porque a história é sobre dois lobos — não disse de que tipo.

Esse mês tive papos muito proveitosos sobre escrita (como se desse pra separar essa categoria dos Papos Sobre a Vida e Tudo Mais™, né, mas enfim). Com o querido do André Caniato eu conversei bastante sobre como é importante colocar nossos textos no mundo, mesmo sabendo que é bom e difícil, ao mesmo tempo, olhar pra trás e ver que nossa escrita melhorou — é bom porque ela melhorou, afinal, mas é difícil porque uma obra nossa publicada no passado, mesmo que seja despublicada, não pode ser deslida pelos leitores, e essa simples ideia de exposição irreversível é bem assustadora. Já com o Eric Novello eu andei conversando muito sobre Síndrome do Impostor, essa grande desgraça paralisante que parece que vem no starter pack de qualquer artista.

Deletei o arquivo da Parábola dos Dois Lobos pra liberar o valioso espaço do meu email, mas devo admitir que apaguei o bicho da lixeira com certa dorzinha no coração — foi essa apresentação cafona que me salvou e entregou o tema da newsletter, que eu ainda não tinha até ontem quando, tomando banho, misturei todos os pensamentos acima com a fábula e cheguei à seguinte teoria: escritores têm um Lobo da Autocrítica e um Lobo do Autoelogio. Ao contrário da lenda original, nós precisamos alimentar os dois, sem distinção. O estado ideal é aquele em que os lobos estão em equilíbrio, sem subjugar um ao outro. Nenhum Lobo da Escrita pode ganhar.

Lobos do Autoelogio dominadores contribuem para o desfile de escritores arrogantes e sem noção de como se comportar no mercado que saltam na tela toda vez que abro minhas redes sociais. Sei que é parte ignorância, principalmente no caso do escritores iniciantes, mas acredito que há também uma parcela de autoconfiança natural.

Falando assim, pode até parecer ruim ter autoconfiança. É só matar esse Lobo que tá tudo bem, né? Vivemos em uma sociedade em que acreditar em si mesmo não é muito bem visto no geral, e definitivamente esse não é um direito permitido aos artistas. Parece inclusive que, dessa classe, se espera sempre uma certa dose de autocomiseração, esse discurso de que “é muito difícil e tudo o que eu faço é uma grande porcaria”. Mas não, ser autoconfiante não é ruim nesse nosso meio. O que é ruim é o excesso; é quando o Lobo do Autoelogio dá uma surra no outro e a gente encontra autores vendendo (literalmente) a fórmula do sucesso, da escrita do best-seller, da decodificação do complexo mercado literário.

Spoiler via GIF de dog: tudo é uma questão de equilíbrio

O outro extremo da escala não chama tanta atenção. Na verdade, não chama atenção alguma — e esse é o problema. Quando o Lobo da Autocrítica manda o outro correndo com o rabinho entre as penas, o que acontece é que… nada acontece. O escritor não publica, não aparece, não se bota à prova. A princípio parece menos pior: já ouvi um monte de escritor falando que nunca publicou nada porque é seguro manter os próprios escritos na gaveta, longe dos olhares reprovadores dos leitores. Vai ficar tudo bem, né? Na pior das hipóteses, a carreira termina antes de começar — e ninguém fica sabendo.

Bom, na verdade eu já fui desse time. Eu já estivesse nesse lugar, antes de começar a estudar e conhecer o mercado literário. Eu achava que a melhor estratégia seria escrever um livro inteiro sem falar nada pra ninguém, sem chamar a atenção ou criar expectativas, e depois simplesmente tentar a sorte no mercado. O problema desse raciocínio é que, ao ficar longe dos olhares reprovadores, ficamos também longe dos olhares aprovadores. E hoje — pelo menos aqui no meio da fantasia e da ficção científica — ser visto e existir é muito importante. Não é tão simples, não basta matar o Lobo do Autoelogio e achar que tudo vai acabar bem.

A questão é que cada um nasce com um dos Lobos mais fortinho e não tem problema nenhum com nenhuma das duas tendências. De novo, ao contrário da lenda original, não existe o Lobo Bom e o Lobo Mau. Como já antecipou o GIF fofo, o equilíbrio é essencial. O importante é ser capaz de perceber qual é o seu Lobo naturalmente avantajado e trabalhar pra que o outro seja alimentado com mais frequência até que não haja diferença entre os irmãos.

Se você também escreve (ou pratica alguma outra arte), me responde esse email me contando se você já descobriu qual é o seu Lobo alfa. Se sim, o que pretende fazer pra acabar com essa história de filho preferido?

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Janayna Bianchi Pin
Galeria Creta

Escritora, engenheira, viajante e passeadora de lobisomens. Autora de Lobo de Rua (bit.ly/lobojana).