Ecos Da Galeria #10 — Das Pontas Que Se Amarram

Janayna Bianchi Pin
Galeria Creta
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8 min readJun 1, 2018

Até os meus quinze ou dezesseis anos, meu plano profissional era fazer faculdade de biologia ou biologia marinha, me formar, me especializar e trabalhar com tartarugas marinhas no Projeto Tamar (sempre muito específica, eu). Eu tinha até uma assinatura da National Geographic e outra de uma revista de mergulho, que eu lia nas pausas das leituras dos livros de fantasia enquanto sonhava com a ideia de passar o dia de roupa de neoprene, cuidando das tartarugas nos viveiros ou mergulhando no mar atrás dos espécimes liberados de volta pra natureza.

Acontece que com meus quinze ou dezesseis anos eu já estava na metade do curso técnico em Alimentos no COTUCA, o Colégio Técnico da Unicamp. Eu comecei o curso sem saber muito bem o que esperar, mas acabei gostando demais da escola e das matérias e logo tomei gosto pelo assunto. Lembro que tomei a decisão de prestar Engenharia de Alimentos poucos dias antes de fazer inscrição no vestibular, com dezessete anos, logo depois de visitar o evento “Unicamp de Portas Abertas”, em que as faculdades organizam programações especiais pra mostrar opções de carreira aos vestibulandos. Acabei ficando mais fascinada com o que experimentei na Faculdade de Engenharia de Alimentos — congelar batata com nitrogênio líquido e conversar sobre a relevância da engenharia de alimentos no panorama social do país — do que com as atividades de observar fósseis e lâminas pelo microscópio no Instituto de Biologia. E foi assim que, me iludindo com um inocente “a parte de Exatas da faculdade não pode ser tão ruim, né?”, eu escolhi minha profissão.

É claro que meu amor pelo mar não acabou. Eu não fui batizada com um dos nomes de Iemanjá por acaso, não é mesmo? Aos dezoito anos, no fim do primeiro ano da faculdade, fiz minha primeira tatuagem — uma tartaruga marinha, que meu pai (mergulhador amador e outro amante do mar) também tatuou. Em toda e qualquer oportunidade no litoral, lá estava eu fazendo snorkeling, sonhando com o dia em que eu teria dinheiro pra fazer um curso de mergulho autônomo — o que aconteceu alguns anos depois.

À esquerda, eu em 2008 fazendo snorkeling em Ilhabela (com camiseta da Comissão der Trote do COTUCA, veja só). À direita e acima, a tatuagem de tartaruga que eu eu tenho com papai. À direita, embaixo, eu mergulhando na Ilha Grande em 2015.

Em 2013, eu já era uma engenheira formada com três anos de experiência na Unilever (dois anos de estágio e um como contratada) quando fui convidada por um ex-professor e amigo — que eu sei que lê essa newsletter! Oi, Pedro! =o) — , pra dar uma palestra sobre opções de carreira para os alunos do COTUCA.

Enquanto eu montava a apresentaçãozinha pra tal palestra, me peguei pensando muito sobre essa época em que escolhi qual seria minha formação. Sobre como é ridículo ter que tomar uma decisão dessa magnitude com dezessete ou dezoito anos. Sobre como minha faculdade foi escolhida quase que por um acaso, por uma programação aleatória que alguém fez num evento pra conquistar futuros alunos pra uma ou outra área. Sobre o que seria de mim se eu tivesse escolhido biologia — estaria eu trabalhando com as tartarugas? Ou teria eu me apaixonado por algum complexo mecanismo do metabolismo humano, que estudaria por anos enfiada em um laboratório?

Mas a oportunidade de refletir sobre essa época também me fez pensar bastante em onde eu estava naquele momento em que daria a palestra, especialmente no que eu tinha conquistado por conta daquela escolha. E eu estava bem feliz. Eu tinha reconhecimento, a oportunidade de viajar a trabalho e também um ótimo salário pra alguém da minha idade, o que me permitia passear pelo mundo com a frequência que eu sempre havia sonhado.

Foi essa reflexão que me fez definir o tema da minha fala. Contadora de histórias que sou, cuidei pra que houvesse um gancho que eu ia abrir no começo pra fechar só no fim. Assim, comecei me apresentando e disse que queria “ser bióloga pra, um dia, ver as tartarugas marinhas”. Falei pra guardarem a informação e continuei com a palestra, apresentando as possibilidades de carreira pra um recém-formado em engenharia de alimentos e contando um pouco da minha experiência na Unilever. No fim da apresentação, revelei que estava com uma viagem profissional pra Indonésia marcada e também que tinha comprado, com o suado dinheirinho do meu tal-ótimo-salário, uma passagem de avião pra passar as férias do fim daquele ano na Nova Zelândia…

…onde eu pretendia mergulhar, possivelmente pra ver as tartarugas marinhas.

Os alunos aplaudiram, o professor ficou super feliz com o aspecto performático da palestra e minha vida seguiu — por caminhos um tanto doidos, é claro, já que depois de quatro anos trabalhando como engenheira, eu acabei saindo pra um ano sabático em setembro do ano passado. E eu peço que você guarde essa historinha em mente enquanto eu explico o porquê dessa newsletter estar quinze dias atrasada.

Bom, basicamente essa newsletter está quinze dias atrasada porque durante esse tempo eu estava a) escrevendo as últimas palavras do rascunho do meu primeiro romance como se não houvesse amanhã ou b) desatolando as coisas que ficaram pendentes porque larguei tudo pra trás enquanto escrevia as últimas palavras do rascunho do meu primeiro romance como se não houvesse amanhã.

E sabe, na minha cabeça o fim não seria tão difícil quanto foi. Afinal, a história principal já estava mais ou menos desenhada há algum tempo, meus personagens já estavam relativamente bem construídos depois de tantas mil palavras e eu estava vindo de um ritmo bom de produção diária. Eu ~só~ precisava colocar as cenas no papel (mais uma questão de vencer a procrastinação do que qualquer coisa) e… amarrar as pontas.

Amarrar as pontas, essa tarefa que parece tão simples e é, no fundo, no fundo, uma das partes mais importantes da conclusão de uma história. Conectar as ideias plantadas com as consequências finais, dar um fim pra todos os mini-conflitos abertos, fechar os arcos de cada um dos personagens, dar a relevância devida pra cada subtrama no final conforme a relevância da mesma ao longo da história toda. Nossa, como foi difícil! Mas, mesmo aos trancos e barrancos, no dia 7 de maio (ou melhor, 8 de maio, porque já tinha passado da meia noite) eu coloquei um ponto final no meu primeiro rascunhão.

Aleluia, irmãos!

Não sei dizer se de fato consegui fechar tudo o que precisava, se a trama tem o nível de amarração que vai deixar o leitor satisfeito e com gostinho de história bem contada. Quer dizer, eu desconfio que não, pelo menos não nessa versão — o romance ainda precisa de muito trabalho de lapidação e reescrita pra chegar em alguma coisa aceitável. Eu não tenho dúvida nenhuma disso, mas isso é parte do trabalho. É um fato que eu conheço desde que coloquei a primeira letra no arquivo.

Mas o que eu sinto é que ter escrito a última palavra de um manuscrito de romance em pleno ano sabático foi um marco, um fim pro arco profissional que começou lá no dia em que eu optei prestar Engenharia de Alimentos ao invés de Biologia. Não que tenha sido o final do meu arco como escritora — pelo contrário, esse é no mínimo um primeiro volume de uma série com dezenas de outros (ou assim espero). Mas foi uma conclusão, um círculo que eu precisava fechar de um jeito ou de outro, nem que fosse pra descobrir que eu sou capaz de fazê-lo.

Eu achei que eu ia chorar, ou ficar muito extasiada, ou sentir a mesma coisa que senti quando vi o resultado do vestibular e descobri que tinha passado. Mas a sensação que ficou quando eu acabei, além do alívio (RISOS), foi… tá, OK. Legal. Acabei, viva! Mas… e as pontas soltas? Quando vão se amarrar?

Pois bem. Acontece que a viagem pra Nova Zelândia que eu mencionei lá em cima deu ruim porque o dólar teve uma subida muito brusca e, pra não falir, eu acabei cancelando a passagem e fui curtir as férias em Minas Gerais — acabei conhecendo os lobos guará do Caraça da edição passada da newsletter, o que foi incrível, mas OBVIAMENTE não mergulhei (não podia ter escolhido um destino menos relacionado ao mar, aliás). Pra Indonésia eu fui mesmo, e de fato mergulhei — como também mergulhei em mais alguns cantos aqui pelo Brasil. Mas acabou que por conjunções malucas do universo, eu nunca — nunquinha — vi uma tartaruga. Vi cavalo marinho, vi polvo, vi tubarãozinho, vi uma pancada de coisa, mas nem uma mísera tartaruguinha.

Acontece também que o Victor Almeida, um dos organizadores da Semana Internacional de Quadrinhos da UFRJ, me convidou há algumas semanas pra participar de uma mesa sobre editoração. A UFRJ pagou a minha passagem pro Rio de Janeiro e foi a primeira vez que eu saí do meu estado pra falar sobre escrita. Foi minha primeira “viagem profissional” nessa carreira como escritora, por assim dizer.

E aí, nos últimos minutos de Cidade Maravilhosa, estou eu sentadinha na mureta que tem do lado do Aeroporto Santos Dumont, tirando fotos da vista linda enquanto esperava dar o tempo pra embarcar no meu voo, quando vejo o quê nadando em plenas águas da Baía de Guanabara (!!!)?

Isso mesmo. Não uma, não duas… mas TRÊS tartarugas marinhas.

Print do vídeo das bichinhas…

E aí? Quer jeito mais apropriado de fechar as pontas que eu abri lá naquela palestra pros alunos do COTUCA ou tá bom? Não sei dizer se foi coincidência, uma mensagem do universo ou uma amarrada de pontas federal de algum roteirista místico muito poético. Mas o que eu sei é que um ciclo antigo de fato se fechou e, imediatamente, um novo se abriu — porque é assim que acontece na vida, por mais que não seja necessariamente assim na ficção.

Agora, cá estou eu enviando a newsletter atrasada, terminando de desatolar as últimas pendências enquanto o manuscrito descansa em sua gaveta (metafórica) e eu me preparo pra o novo ciclo. Um de reescrita, opinião dos leitores beta, mais reescrita, conversas com pessoas dispostas a darem uma chance pro meu livro e algumas repetidas nessa iteração até que eu tenha uma história pronta pra ser publicada em algum lugar. E aí… bom, e aí vou ter que esperar mais alguns capítulos pra começar a ter uma certa noção dos possíveis desfechos do próximo volume. :)

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Janayna Bianchi Pin
Galeria Creta

Escritora, engenheira, viajante e passeadora de lobisomens. Autora de Lobo de Rua (bit.ly/lobojana).