Água da minha sede
Já diria o poeta: não há turbulência que resista a momentos assim
Sem técnico, sem perspectiva, sem moral, sem orgulho e sem esperança. Em bom português: xoxa, capenga, manca, anêmica, frágil e inconsistente. Essa é a torcida do Tottenham neste exato momento. E todo o mundo sabe que se existe alguma luz no fim do túnel, ela passará indiscutivelmente pelos pés, cabeça e coração de Kane.
Quando o nosso (sim, nosso!) camisa 10 colocou pra dentro a bola que carimbou a classificação da Inglaterra para as quartas-de-final, ele chutou para fora do estádio vários fantasmas, medos e traumas de toda uma geração de torcedores ingleses. No mesmo Wembley que Southgate (ô técnico burrinho) viu nascer seu próprio calvário.
Se não há qualquer laço afetivo com a Inglaterra, todo amor do mundo nasceu ao Grealish receber a bola e bater para o meio da área. Quando Kane pulou de joelhos para ter a certeza de que esperou a linha de impedimento até o último segundo e mesmo desconcertado cabeceou a bola pra baixo e tirou de Neuer qualquer possibilidade dele ser o goleiro fantástico que é, eu sei que você gritou.
Eu sei que você mandou umas mensagens desaforadas no celular pra quem perguntava onde Kane estava. Eu sei que você respondeu que ele está bem aqui, no coração de quem o viu crescer e deseja toda felicidade do mundo a quem já nos deu tanto. E que bom que, mais uma vez, ele nos deu um motivo para ser feliz.
Se os últimos 30 anos nos privaram de glórias eternas, aprendemos a aproveitar os pequenos momentos -nossos e dos nossos-, como se assim fossem. Isso é trágico, cômico e lindo ao mesmo tempo. Como é bom o deleite dos pequenos momentos. Melhor de tudo é que dessa vez ainda teve narração de Galvão Bueno!!!!
Por alguns instantes, esqueça os 70 dias sem técnico, os 13 anos sem título, a espiral de merda e a curva descendente de um projeto que estava em franco crescimento durante meia década. Esqueça. Hoje, mais uma vez, Harry Kane nos deu um motivo para sorrir, abstrair, curtir um momento de felicidade. O nosso Kane. Água da minha sede, bebo da sua fonte. One of Our Own.
