Fantástica, pero no mucho: dissecando a janela de transferências do Tottenham

Eu vou falar bem baixinho: ela não foi tão boa assim

Pedro Reinert
Galo de Kalsa
7 min readAug 9, 2019

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Uma coisa é certa: Sessegnon pelo menos eleva o coeficiente de beleza da equipe

45 do segundo tempo

O alvoroço que você deve ter presenciado ontem foi o desenrolar de mais um deadline day — o dia de fechamento da janela de transferências da Premier League. E de certo, pelo menos no top six, o pandemônio nem foi tão grande assim dessa vez, principalmente porque City e Arsenal acertaram suas principais negociações com antecedência, o Chelsea está de castigo, o Liverpool encontrou conforto e equilíbrio e o United morreu em 2013.

O protagonismo do fim da feira na Inglaterra ficou, então, para o Tottenham, que não decepcionou (muito). Paulo Dybala, no fim das contas, não veio, mas o #LevyTime funcionou: Giovani Lo Celso e Ryan Sessegnon foram anunciados logo depois que o relógio estourou, selando uma janela que não pode ser definida de um jeito melhor que: fantástica, pero no mucho.

Copo meio cheio

A brochada colossal com a novela Dybala talvez tenha ofuscado quão incrível foi a movimentação do clube no mercado. Conversando com um amigo que sugeriu, “ele [Dybala] era pra subir o time de patamar!”, retruquei: “Sim, concordo. Mas é o que diriam se qualquer outro time do mundo comprasse o Kane, o Son, o Dele ou o Eriksen, né?”. Às vezes a gente esquece da cor da nossa grama.

Ndombele e Lo Celso são dois dos jovens meio-campistas mais admirados do planeta. Enquanto o francês é um oásis de controle, inteligência e habilidade, o argentino é sinônimo de criatividade, leveza e tenacidade. Já Sessegnon é, há pelo menos dois anos, uma das promessas mais cobiçadas do continente. Por ter sido projetado para proteger os flancos, é quem melhor sabe destruí-los.

O melhor de tudo é que, apesar do tempo arrastando as negociações de Gio e Sess, parece que não houve grande disputa com concorrentes ou turbulência com termos pessoais. Quem veio realmente queria vir, sem titubear e sem olhar pro lado (esse é o reflexo de chegar numa final de Champions League, então?!). Além disso, até as saídas foram acertadas. Trippier não saiu pela porta dos fundos mesmo depois de uma temporada medonha e Llorente sumiu como uma miraculosa miragem no deserto (e, pasmem, é capaz de voltar). Sobre Onomah, Carter-Vickers e Janssen, fica até difícil fingir se importar nessa altura da narrativa.

Os novos recrutas são um doce alívio para quem tanto sofria com a falta de possibilidades, com o espaço limitado quando se precisava esticar. Crescem as alternativas, fogem as dúvidas, surgem as expectativas — afinal, com exceção de Jack Clarke, que chegou e já foi embora (para voltar daqui a pouco), o Tottenham não investiu em apostas, mas em soluções e respostas. Em resumo, fez uma janela sólida e de respeito que mostra ao continente em que pé o time está.

Gio chega para ser o quarto argentino do elenco principal dos Spurs, e provavelmente já é o melhor colocado na hierarquia da titularidade entre eles

Nem tudo são flores

Foi a primeira vez em vinte e quatro anos de vida que vi um grande negócio melar por conta de direitos de imagem. Quando estamos aos poucos deixando de ser spursy em campo, levamos o conceito aos bastidores.

Pra quem não acompanhou a fundo, de acordo com apuração de Miguel Delaney e Luke Brown, do The Independent, o desenrolar foi o seguinte: depois da recusa para o United, o Tottenham foi com força pra cima de Paulo Dybala. A Juventus, para equilibrar as contas, precisava vendê-lo. Uma proposta de aproximadamente £70m foi aceita a pouco menos de duas semanas pro fim da janela. O acordo com o jogador e seu empresário levou alguns dias, mas aconteceu; ‘La Joya’ queria vir, e receberia o maior salário da equipe junto com Harry Kane (cerca de £200 mil/semana).

Tudo quase certo, mas ainda faltava a aquisição dos direitos de imagem do argentino — um modelo de divulgação que sequer existe na Premier League. Ou seja, um valor extra de pouco menos de £40m precisaria ser pago e dissolvido para que o atacante pudesse atuar pela equipe. Detentora dos direitos, a Star Image Company (presidida pelo ex-empresário de Paulo, Pierpaolo Triulzi) não fez questão de facilitar o negócio. O imbróglio durou dois dias e a Juve não quis rachar a conta, já que precisaria desembolsar mais dinheiro para correr atrás de outro atacante (Lukaku, seu principal alvo, havia acabado de fechar com a rival Internazionale). Sem acordo e sem tempo para articular mais esforços, as quatro partes envolvidas desistiram de concretizar a transferência.

Tomar consciência de que um dos melhores jovens talentos do planeta quis se juntar ao clube depois de recusar o Manchester United e não conseguiu por detalhes de licença pode ser tão gostoso quanto doloroso. O Tottenham curte BDSM. Mas entre todas as coisas que essa novela poderia ser, vamos acordar em defini-la apenas como passado e nada mais. Não fará muita diferença ao fim da temporada, eu espero. Até porque, sabe o que com certeza vai fazer muito mais diferença? A porra da lateral direita.

Se do meio pra frente a coisa nunca esteve tão cintilante, lá atrás ainda há uma nuvem de preocupação. Ninguém chegou para suprir a saída de Trippier, que ainda deve ser sentida quantitativamente, não qualitativamente. Aí, se Foyth se tornar lateral para compensar (você sentiu esse frio na espinha?), surge uma lacuna no miolo da zaga. Tanganga vai aguentar o tranco? Davies vira beque? Será que Rose segura as pontas na esquerda como tutor de Sessegnon?

Não temos mais aquela intensidade dos sonhos nas laterais como tínhamos em 2017 e logo logo deixaremos de contar com a base da solidez defensiva que confiamos desde 2015. Por isso, faltou reforçar a retaguarda. O setor defensivo já era uma urgência gritante e foi um erro deixá-la progredir temporada adentro.

Harry Kane também não tem mais um suplente direto. O mirrado Troy Parrott foi dono da posição na pré-temporada, mas não há certeza sobre sua ascensão ao banco de reservas. Como eu disse, ainda se ouvem conversas sobre um possível retorno de Fernando Llorente, mas fica cada vez mais claro que o leão dará vez ao papagaio.

E, tudo bem, há quem diga que isso tudo não é o fim do mundo. Aurier está voltando, Foyth teve uma boa Copa América na beirada, Toby e Jan ainda estão aí, Parrott é bom de bola, Dele pode virar centroavante, Lo Celso já jogou ali, eu sei, eu sei. Eu sei. É aquela coisa, quem não tem cão caça com gato, mas, porra, deve ser uma bosta caçar com um gato.

Seria incrível, foi amargo, mas tudo bem, já passou

Ainda há de sofrer

A janela, meus caros, só fechou na Inglaterra. No país do Real Madrid, no país do Bayern, no país da Juventus e no país do PSG, o feirão se estende até o dia 2 de setembro. Significa que não podemos mais contratar, mas ainda podemos vender.

O discurso sobre Danny Rose mudou; de peça dispensável, hoje mesmo virou “parte muito importante do plano”. O passo de Christian Eriksen também se inverteu; de novo galático, hoje mesmo virou rejeitado pela Espanha. Também trocou de panorama a situação de Toby Alderweireld; de carta fora do baralho, voltou a ser pilar pra temporada. Mesmo assim, ainda é incerto se os três estarão em Londres daqui a um mês.

O mais propenso a sair ainda é o dinamarquês — e justamente sua saída é que seria a mais pesarosa para o clube de modo geral. Sem o meia, além de sobrecarregar jogadores não tão experientes ou ainda não acostumados com a Premier League, o Tottenham fica com um total de zero especialistas em bolas paradas. Eriksen também é quem mais corre na equipe e o jogador mais criativo do campeonato desde que chegou em 2013. Além disso, seu estilo flutua exatamente entre a alçada de Ndombele, Winks e Lo Celso — por isso, seria impossível replicar sua função com a correspondência esperada.

Sobre o resto, o que você pode fazer é cruzar os dedos e acreditar que Daniel Levy não vai cometer a cagada de diminuir um elenco já enxuto.

Moral da história

Nota 7,5, com potencial de virar um 5 caso Eriksen vá embora.

Sessegnon é uma joia semi-lapidada que só precisa de um bom entorno para explodir, Lo Celso mostrou no Benito Villamarín que tem tudo o que um meia-atacante criativo e talentoso precisa para superar expectativas e, bem, eu tenho certeza absoluta de que Ndombele estará entre os melhores centrocampistas do mundo até o fim da temporada.

Poucos times — na Inglaterra e no mundo — possuem a qualidade em material humano que o Tottenham pode ostentar agora. Lloris, Toby, Jan, Sess, Sánchez, Tanguy, Winksy, Sissoko, Eriksen, Gio, Dele, Lucas, Sonny e Kane. £110 milhões para aperfeiçoar o que já era incrível. É uma equipe para desfilar, para exibir, para alardear.

De qualquer forma, faltou coisa importante, e o desmoronamento da narrativa homérica envolvendo Dybala fez com a gente se sentir como quando o churrasco tá cheio de Itaipava sendo que o mercado do lado tem Eisenbahn pelo mesmo preço. Não vamos deixar de nos divertir e sequer vamos reclamar, mas quando o gole desce um pouco menos gelado, bate uma pontinha de decepção; poderia, sim, ser um pouco melhor.

Vai começar!

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