Heung-Min Son: a pátria, a medalha e o devido lugar na história de um clube

Lucas Colenghi
Galo de Kalsa
Published in
6 min readJun 19, 2019

Aviso: Antes de iniciar sua leitura, entenda que este texto apresentará não só fatos como também minha opinião acerca do quanto Heung-Min Son representa para o Tottenham.

Em época de muita especulação e pouca informação de fato, este ser irresponsável que aqui escreve gosta de relembrar marcos de uma temporada recente: Heung-Min Son foi gigante no 2018/19 que se passou.

Para aqueles que só se importam com bola na rede, já deixo disponível o vídeo com todos os gols dele na edição da English Premier League que se passou. A mídia foi disponibilizada pelo próprio clube em seu canal oficial no Youtube.

Pronto! Agora posso me ater a questões tão importantes quanto os gols que ele marcou na liga nacional mais difícil do planeta.

Sonny chegou a ser alvo de questionamentos, mesmo que não da maioria dos que acompanharam a temporada do clube, na reta final, principalmente a partir do duelo contra o Ajax, válido pelas semifinais da UEFA Champions League.

Há quem ache que jogadores do setor ofensivo precisam fazer gol todo jogo, caso contrário não estão fazendo direito o seu trabalho. Eu mesmo, no auge da raiva que vem logo após um resultado ou um desempenho decepcionante, já utilizei de críticas manjadas, ouvidas e proferidas em todos os cantos do mundo.

“Esses jogadores são muito bem pagos. Deveriam jogar mais do que estão jogando.”

“Se eu erro esse tanto no meu trabalho, me mandam embora. Jogador parece ser perdoado mais facilmente.”

“Eu não perderia o gol que esse imbecil perdeu.”

Todo mundo já se sentiu mais competente do que aqueles que estão em campo. Daí, saem essas pérolas e muitos outros absurdos que só um torcedor furioso é capaz de produzir. Tanto faz se você é um estudioso do jogo, se o seu negócio é ver jogos esporadicamente em bares. Você pode ser mais casual ou mais fanático. Na hora que a emoção que bate é a de frustração, raciocinar se torna algo dificílimo.

Entretanto, depois de duas boas semanas e meia, com a cabeça tranquila, penso que Heung-Min Son foi muito importante ao clube. Não só a equipe. Claro que você, leitor, pode me rebater dizendo que “qualquer um é capaz de chegar a esta conclusão” e eu vou concordar com isso. Qualquer pessoa consegue vir aqui ao Medium, no Twitter ou mesmo na casa do amigo e dizer que Heung-Min Son é fera.

Eu poderia encerrar o texto aqui, mas aí perderia a chance de continuar sendo prolixo para mostrar aquilo que eu quero dizer a partir do título que escolhi. Juro que não foi inspirado em nenhuma obra do C. S. Lewis.

Sem mais enrolação, cito o episódio que comoveu muitos no início da temporada: Heung-Min Son poderia nunca mais jogar futebol em campeonatos de alto nível. A lei do Serviço Militar obrigatório da Coreia do Sul aponta que os indivíduos do sexo masculino, de 18 a 28 anos, precisam cumprir 2 anos de alistamento.

No entanto, há uma brecha que indica que atletas que conquistarem um “grande feito” em suas categorias serão dispensados. Mas o que seria esse grande feito? A polêmica quanto a isso sempre foi grande, mas convencionou-se, após 2002, que o feito seria uma medalha olímpica ou de jogos regionais. Posteriormente, começou-se a aceitar, apenas, o Ouro obtido em jogos regionais.

2002 é marcante, pois foi o ano em que a Coreia do Sul sediou a Copa do Mundo (de futebol masculino) juntamente ao Japão e o governo sul-coreano promoveu um incentivo aos jogadores convocados por Guus Hiddink: chegar ao mata-mata seria suficiente para a dispensa da serviço militar. A Coreia foi além, chegou às semifinais. Mesmo que tenha sido de forma polêmica e com extremo favorecimento de arbitragem, o feito foi enorme.

Não vou entrar em detalhes diversos, até porque isto foi discutido por canais esportivos na época e retomado no começo da temporada que se passou, mas a questão é que atletas de outras modalidades questionaram a “mãozinha” dada aos futebolistas e foi a partir de então que o governo deixou as coisas mais claras.

Isso por si só já daria uma grande história, mas ela tinha tudo para ser ainda mais cruel. Se Sonny tivesse de servir ao exército de seu país, não poderia continuar jogando no Tottenham e teria de jogar em um dos chamados “Times do Exército”, que se espalham pelas divisões do campeonato sul-coreano. Contudo, ele não poderia jogar na equipe principal, o Sangju Sangmu.

Isso se deve ao fato de ele ter se mudado cedo para a Alemanha para atuar no futebol de base do tradicional Hamburgo. Em terras germânicas desde 2008, ou seja, desde seus 15 anos, ele, naturalmente, cumpriu o ensino médio na Europa e esta era, justamente, a barreira para que ele jogasse no Sangju Sangmu como também no time da segunda divisão, o Asan Mugunghwa.

Desta forma, Sonny teria de jogar em uma liga semi-profissional durante os dois anos de serviço militar e, provavelmente, não recuperaria o futebol que vêm demonstrando há um bom tempo.

Aos 26 anos (fará 27 em julho), ele tinha nos Jogos Asiáticos a sua última esperança. Isto, porque ele não havia participado dos jogos Olímpicos de 2012, quando a Coreia do Sul conquistou o Bronze, e, no evento de 2016, a seleção deles foi eliminada de forma surpreendente para Honduras, nas quartas de final do torneio de futebol.

Os Jogos Asiáticos de 2018 seriam realizados na Indonésia e participar deles representaria todo o mês de agosto a serviço da seleção sub-23 da Coreia do Sul. Logicamente, o clube liberou o jogador sem qualquer reclamação e fez o que nós já estamos acostumados a fazer: torceu. Torceu muito. Todos torcemos. Não era apenas uma questão de perder um jogador de tamanha qualidade, mas tudo aquilo era sobre o futuro de alguém que ama jogar futebol e que poderia nunca mais faze-lo em alto nível.

Por fim, a medalha de ouro veio. Sonny estava liberado de representar as forças armadas de seu país.

Nota: Todo respeito aos jogadores que lá estiveram. Certamente, todos ali sabem do peso que os mais jovens tiraram das costas do mais velho por meio do trabalho em conjunto. Confira a lista:

Song Bum-keun
Hwang Hyun-soo
Kim Min-jae
Kim Jin-ya
Jeong Tae-wook
Kim Moon-hwan
Son Heung-min
Lee Jin-hyun
Hwang Hee-chan
Hwang In-beom
Na Sang-ho
Lee Si-young
Cho Yu-min
Jang Yun-ho
Lee Seung-mo
Hwang Ui-jo
Lee Seung-woo
Jo Hyeon-woo
Kim Geon-ung
Kim Jung-min

Getty Images

Sonny voltou ao Tottenham e seu primeiro obstáculo para voltar ao time titular era claro: Lucas Moura. O brasileiro havia jogado muito bem e sido eleito o melhor jogador do campeonato em agosto. Contudo, com a confiança de Pochettino e sua qualidade técnica e tática, o sul-coreano logo voltou a figurar nos 11 iniciais das partidas.

Aos poucos, a temporada ia mostrando o quanto ele seria imprescindível para o clube. Kane iria se lesionar, gravemente, duas vezes. Dele Alli não iria ser genial e tampouco tão efetivo quanto de costume. Eriksen, por vezes, faria uma função diferente, mais recuada, pela falta de meio-campistas confiáveis na equipe.

A Coreia do Sul ainda atrapalhou a temporada do jogador no clube uma vez mais: houve uma convocação para a Copa da Ásia, disputada em janeiro deste ano.

Em comum acordo, ficou definido que Sonny só se apresentaria para a terceira partida da fase de grupos do torneio. Na despedida, ele ainda disse que esperava que os torcedores entendessem com a decisão era difícil para ele, que por mais que quisesse continuar defendendo o clube naquele momento, não conseguia deixar seu país de lado.

Infelizmente, para todos os amantes de seu futebol, a Coreia do Sul caiu nas quartas de final ao perder, por 1 a 0, para o Catar, que viria a se sagrar campeão mais à frente.

Sonny voltou ao Tottenham mais cedo do que muitos esperavam e se firmou como o jogador mais perigoso do ataque lillywhite e, também, o mais efetivo. É só voltar ao vídeo do começo do texto se acha que estou se exagerando. Se aquele material não lhe convence, veja outro. Os melhores momentos do jogador na UEFA Champions League de 18/19:

Gols, assistências e um espírito e uma energia únicos em campo. Foi eleito, pelos torcedores, o melhor do time na temporada, mesmo com tudo o que enfrentou ao longo dela.

Imagem obtida no site oficial da Premier League

Son defendeu sua pátria, conquistou sua medalha e, definitivamente, deixou seu marco como um dos grandes da história do clube, que, como muitos sabem, não se faz só de títulos.

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Lucas Colenghi
Galo de Kalsa

Professor em aprendizado. Escritor frustrado. Torcedor corneteiro.