Jürgen Klinsmann, o padeiro que salvou o Tottenham do descenso

O melhor atacante no país também era capaz de fazer um bom pretzel

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Galo de Kalsa
7 min readAug 13, 2019

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Por Felipe Portes

A única condição da família Klinsmann para que o seu mais brilhante herdeiro seguisse para o futebol era que ele terminasse seu curso de auxiliar de padeiro. Sem ele, não poderia trilhar carreira no esporte. Os valores embutidos na escolha visavam dar outra chance de sobrevivência caso falhasse como um atacante em nível nacional. Mas Jürgen não falhou.

Klinsmann, o filho mais novo de quatro que o Seu Siegfried teve com Dona Martha, nasceu em 1964 na pequena cidade de Göppingen, mas por sorte, não precisou passar por dificuldades na infância. O pai era padeiro e tomava conta de sua lojinha, até que teve a chance de comprar uma maior em um lugar com mais oportunidades, no caso, em Stuttgart.

Jürgen não se separava da bola. Entre as jornadas como ajudante do pai, fazia seus gols. Tinha 14 anos quando a família levou as coisas para Stuttgart. Dois anos depois, já integrava os quadros do modesto Stuttgart Kickers, o segundo clube mais popular do município.

Foi aí que os pais resolveram interceder na vida do herdeiro. Ele teria plena condição de se firmar como profissional, mas antes precisava ajudar na padaria. Antes de completar 16 anos, foi obrigado por seu Siegfried a terminar o curso de auxiliar e aprender a botar a mão na massa. Em 1982, ele se formou e ficou livre para continuar a carreira como futebolista. Dali em diante, ele virou o melhor atacante no país e capaz de fazer um bom pretzel.

A padaria da família em Stuttgart ainda funciona — e hoje é comandada pelo irmão mais velho, Horst

De goleador a piscineiro

Klinsmann aprendeu com um irmão corredor a explorar o melhor de sua capacidade física. Treinou duro para usar a energia de uma forma que lhe permitisse dar várias arrancadas e levar vantagem em relação aos defensores. Como o jogo passou a ser muito físico, a exigência em divididas aumentou conforme Jürgen ia escalando até o estrelato. Além de testar a resistência de seus pulmões, o alemão também lidou com cotoveladas e entradas duras de adversários. Mas não apanhou quieto.

Em 1984, aos 20 anos, estreou pelo Stuttgart e começou a deslanchar na Liga Alemã. Por cinco anos trabalhou duro e teve excelente média de gols, fazendo 94 em 186 partidas. Saiu em 1989 como artilheiro da Bundesliga e jogador do ano na Alemanha para jogar três temporadas na Internazionale. Conquistou seu primeiro título por clubes em 1991, na Copa Uefa, em duelo contra a Roma. Um ano antes, esteve no elenco campeão do mundo com a Alemanha, na Itália.

No entanto, a luta para se manter em pé culminou em uma mancha no seu currículo. Aquele artilheiro veloz e fatal de cara com o goleiro também era um simulador. Quando jogou no futebol italiano, ganhou a fama de espertinho por se jogar demais sem contato com oponentes. A pecha lhe perseguiu no Monaco (1992–94) e no Tottenham, quando chegou causando desconfiança. Todos sabiam que ele era um exímio finalizador e um grande jogador para se ter no plantel, mas o inglês, em especial, tem um problema sério com atletas espalhafatosos e que forçam faltas.

Outro piadista na terra do humor

Jürgen chegou em Londres já sabendo o que esperar. E a mídia não fez questão de receber bem o novo astro. O atacante, aliás, era o oposto do retrato alemão que os ingleses esperavam. Todos achavam que os alemães em geral eram muito sérios e rígidos, sem senso de humor. Foi aí que Klinsi ganhou respeito: ao saber ironizar a si mesmo.

Em 1990, a final entre Alemanha e Argentina foi decidida em um pênalti de Pedro Monzón em Klinsmann. O lateral Andreas Brehme bateu e deu o terceiro título ao seu país. Até hoje há quem discuta se o lance foi mesmo falta do argentino, já que o germânico fez todo um teatro ao ser atingido e cair no gramado com os braços abertos. Os cabelos ao vento deram todo um tom dramático ao lance. Como todo lance capital, gerou polêmica. E até o fim de sua carreira, Klinsi ficou conhecido por sua capacidade artística ao sofrer faltas.

Se os ingleses se consideram os melhores humoristas (com um fundo de razão) do mundo, em 1994 ganharam uma visita de alguém que era igualmente engraçado. Sem se esforçar, Jürgen posava para fotos e mostrava o seu sorriso. Era um verdadeiro fanfarrão. A inclinação humorística ficou clara na sua estreia pelos Spurs, contra o Sheffield Wednesday, pelo Campeonato Inglês. O time londrino vencia por 3–2 e em um bom cruzamento, o alemão com a camisa 18 subiu firme e testou. Gol do Tottenham. Ali nascia a célebre comemoração do mergulho, uma piada para combater a própria fama de piscineiro.

Klinsmann, sobre a pecha de piscineiro

“Não simulava. Nunca simulei. Mas quando joguei a primeira vez pelo Tottenham, ouvi esta história e tive a ajuda de Teddy [Sheringham] e os outros colegas. Me foi uma grande lição de como lidar com a imprensa. Eles me ensinaram que na Inglaterra, quando alguém está exposto ao público, há uma série de provocações por parte da mídia para ver qual será a sua reação. Para eles, você não deve se sentir ofendido, é preciso sair por cima dessas situações. E então, Teddy me aconselhou a fazer o mergulho depois do primeiro gol. Tive sorte porque a piada me fez popular e eu estava iluminado por fazer muitos outros gols naquele momento.”

Jürgen, em entrevista à revista Four Four Two

Quando terminou o ano de 1995, Klinsi foi eleito o melhor jogador da Liga pelos cronistas esportivos da Inglaterra. Quem hostilizou, precisou se retratar e se curvar ao que ele vinha fazendo. Mas ao invés de ter sequência e se consolidar como ídolo dos Spurs, o goleador aceitou um convite do Bayern de Munique. Voltou para a sua pátria e conquistou a Copa Uefa em 1996 e a Liga Alemã em 1997.

Saiu antes do fim do contrato, como artilheiro do time e grande estrela. Mas uma encrenca com Lothar Matthäus minou a sua presença nos vestiários. Neste período, Matthäus chegou a apostar uma quantia em dinheiro com o treinador do time, Giovanni Trapattoni, que Klinsmann não faria mais de 15 gols em sua segunda temporada no Bayern.

Eventualmente Jürgen fez os 15 gols e Matthäus precisou pagar ao chefe. Mas o clima entre os colegas de seleção e clube ficou ruim. O artilheiro pegou as malas e foi para a Sampdoria. Ficou apenas uma temporada em Gênova e voltou para Londres para defender o Tottenham.

A volta e despedida do artilheiro

Torcedores de Stuttgart e Tottenham guardam grandes lembranças do matador. Com ele, os tempos podiam até não ser ricos em títulos, mas as memórias produzidas pelo camisa 18 foram marcantes. Mas a situação em 1997–98 era periclitante para os Spurs: eles lutaram contra o rebaixamento naquele campeonato.

O retorno de Jürgen foi em dezembro de 1997 e justamente num clássico local contra o Arsenal. O placar terminou em 1–1 com Klinsmann de titular, mas ele não deixou a sua marca, agora com a camisa de número 33. O time ia muito mal na tabela e corria o sério risco de cair para a segunda divisão. A diferença para o Barnsley, primeiro da zona de rebaixamento, era de apenas dois pontos. Os dois duelaram na rodada 35 e empataram em 1–1. A pressão aumentou e os Spurs precisavam vencer se não quisessem depender de outros concorrentes.

Até aquele momento, Jürgen tinha marcado três gols. Era titular na maioria dos jogos e herdou um pouco da má fase que assombrava o restante da equipe do técnico Christian Gross. Veio o duelo contra o Newcastle, que também estava beirando a zona de perigo. O placar em White Hart Lane foi de 2–0 para os londrinos, com gols de Klinsmann e Les Ferdinand.

Na rodada seguinte, a mágica: diante do Wimbledon, o início teve contorno de drama e terminou com final feliz. A partida aconteceu no Selhurst Park e o Tottenham deu o primeiro golpe com Ferdinand. Mas os Wombles foram buscar e viraram com gols de Peter Fear aos 21 e 30. O resultado parcial era horroroso para os comandados de Gross, já que o Bolton havia goleado o Crystal Palace e o Everton ainda somava 39 pontos. Os Spurs entraram na rodada com 40.

Antes do intervalo, o alemão fez o primeiro, com 41 minutos. Para o segundo tempo, a conversa rendeu nos vestiários e o Tottenham voltou com outro espírito. Klinsmann também. Aos 54, 58 e 60, o germânico foi às redes e detonou o Wimbledon. O argelino Moussa Saib fechou a goleada e com o 6–2, salvando definitivamente o Tottenham da ameaça de queda. No dia seguinte, o Everton levou de 5–0 do Arsenal e livrou a cara de Klinsi e seus colegas.

Na última rodada, o adversário seria o Southampton, em uma partida no White Hart Lane, sem valor competitivo. O duelo marcou a sua despedida do clube, com um gol, o de empate. Os Saints marcaram com Matt Le Tissier, maior ídolo de sua história. Klinsmann jogou a Copa do Mundo com a Alemanha e aos 34 anos, se aposentou. Marcou três vezes no Mundial e a sua seleção foi eliminada nas quartas de final pela surpreendente Croácia de Davor Suker.

Sem dúvida a história de um padeiro que tinha muito mais a vencer jogando bola do que tirando fornadas e mais fornadas de pão do forno quente.

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