Jimmy Greaves, o artilheiro do mundo que o mundo não viu

Uma carreira brilhante pautada em azar

Pedro Reinert
Galo de Kalsa
7 min readFeb 20, 2020

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Antes de Romário, houve Greavsie. Quase um metro e setenta de pura tenacidade. Rápido, explosivo e forte, também era frio, calmo e confiante na frente do gol. Um dos grandes assassinos da grande área no século passado. Tão craque e tão completo que o Telegraph falava sobre ser um “brasileiro naturalizado”.

Jimmy começou sua carreira profissional em 1957, num time de Londres sem grande expressão, e onde já peladeava nas categorias de base desde 1955. Não demorou para se sobressair e ser agraciado com a fama de grande promessa do futebol inglês. Em seu primeiro ano atuando sob contrato profissional, aos 17 anos de idade e vestindo o azul do Chelsea, foi convocado para defender a seleção.

Foram absurdos 124 gols em 157 jogos pelos Blues, contagem que lhe rendeu uma proposta de um Milan estratosférico, que já tinha Alfieri, Maldini, Rivera, Ghiggia, Mazzola e Dino Sani. O garoto não planejava nem queria sair de Londres, mas o Chelsea aceitou uma proposta irrecusável — £80 mil! — das mãos de Gigi Peronace, representante rossonero que foi descrito pelo atacante inglês em sua biografia como “um homem que parecia ter saído do elenco de O Poderoso Chefão”. Giuseppe Viani, diretor milanista na época, foi pessoalmente até a capital inglesa buscar Greavsie no verão de 1961.

A passagem por Milão além de breve foi meio bizarra, e a cereja do bolo já veio em sua primeira semana na Itália: o atacante estreou numa partida contra o Botafogo. Sim, porra, Jimmy Greaves estreou com a camisa do Milan jogando contra o Fogão num amistoso em pleno Giuseppe Meazza, foda-se. E pra não deixar suspeita, o novato logo anotou dois gols, mas viu o gigante alvinegro empatar a partida com Amarildo e Garrincha — e este, aliás, foi só o primeiro dos dois curiosos encontros do matador inglês com o craque das pernas tortas.

Jimmy de rubro-negro, antes de seus meses de frustração na elite italiana

O Milan começou a temporada 61/62 com um novo técnico, Nereo Rocco, cujo santo não bateu direito com o de Jimmy. De acordo com reportagem da época do The London Observer, o treinador, carrancudo famoso da época, acabou com as liberdades do atacante tanto dentro quanto fora de campo, deixando-o cada vez mais infeliz e com saudade da Inglaterra. Essa relação problemática entre mentor e pupilo se intensificou com o passar das semanas e acabou gerando uma inevitável crise nos bastidores em San Siro.

Semanas conturbadas mais tarde, numa partida empatada e apertada contra a Sampdoria, em Gênova, o 1–1 se consumava no placar final quando um adversário cuspiu na cara do jovem inglês, revidando um carrinho forte nos minutos finais. Sem titubear, Greaves acertou um chute na costela do rapaz e foi expulso. Falta para a Samp. E, da bola parada, gol de Sergio Brighenti. O Milan foi derrotado e o desgosto do treinador e da diretoria pelo novato estrangeiro explodiu. Jimmy foi colocado à venda na mesma noite.

Em doze jogos pela equipe rubro-negra, Greaves marcou nove gols, incluindo o da vitória Derby della Madonnina, mas acabou saindo por decisão unânime entre seus superiores. As ofertas que vieram, do Chelsea e do Tottenham, eram idênticas no valor (£96,500), e foram aceitas de imediato pela diretoria rossonera. Reza a lenda que o jogador estava apalavrado com os Blues quando aceitou sentar-se para conversar com Bill Nicholson, então técnico do Tottenham, dias antes de fechar contrato com os Spurs em dezembro de 1961.

Sinais de um craque nos primeiros dias de Tottenham

Para acertar de vez com o Milan, Nicholson ofereceu a quantia de £99,999 por seus serviços. O treinador, afinal, não queria que seu novo contratado sentisse a pressão de ser o primeiro jogador na história do futebol mundial a custar mais de 100 mil libras. E a ideia icônica, em teoria, deu certo; Greaves não sentiu peso algum vestindo a camisa do atual campeão do campeonato inglês e da FA Cup, e estreou selando um hat-trick com um gol de bicicleta em Blackpool.

Sua chegada agregou muito ao elenco que já era estelar: Dave MacKay, Danny Blanchflower, Bobby Smith, John White e Cliff Jones, para não alongar. Defendendo os dois únicos títulos nacionais existentes na época, os Spurs tiveram mais uma temporada magistral sob o comando de Billy Nic.

O título da liga em 62 não veio por pouco e a conquista da European Champions Cup parou na finalíssima diante do “Esquadrão Imortal” benfiquista liderado por Eusébio. Ainda assim, Greaves e companhia ergueram pela segunda temporada consecutiva o troféu da FA Cup — façanha alcançada pela primeira vez na história do futebol inglês.

Greaves com a Supercopa Europeia de 1963, depois de marcar dois gols na final contra o Atlético de Madrid; o primeiro título continental conquistado por uma equipe britânica

Na Copa do Mundo daquele ano — a do bi brasileiro—, Greaves foi titular e marcou três gols nos quatro jogos que o English Team disputou antes de ser derrotado pela colossal seleção brasileira nas quartas de final. Naquela partida, Jimmy teve seu segundo encontro curioso com Garrincha. E eu sei que você já ouviu essa história em algum lugar.

Foi quando um cachorro invadiu o campo durante a pelada e forçou a interrupção da mesma. O vira-lata fugiu de Gilmar e correu para o meio do campo, na direção do camisa 7 botafoguense. Suas pernas tortas trotaram até o animal e se armaram para o bote, mas o cachorro correu para o lado e fez Garrincha entender por um instante como um ‘João’ se sentia. Greaves, no meio do campo, viu o animal vindo em sua direção e ensinou Mané que não era força, era jeito. O atacante se ajoelhou chamando o cão pra perto e, quando o animal chegou, o agarrou como um goleiro em recuo e entregou o vira-lata ao juiz. Problema resolvido. Aí Garrincha, vingativo, marcou dois dos três gols que eliminaram a Inglaterra naquela tarde no Chile.

Greavsie também liderou o ataque de sua seleção na Copa seguinte, em 66, quando a própria Inglaterra sagrou-se campeã. Mas a falta de sorte impediu que o matador se consagrasse como um dos imortais daquele torneio, como foram Moore e Charlton e seu substituto, Geoff Hurst.

Bobby Moore (esq.) e Greavsie (dir.) no sol britânico pré-Copa

O atacante dos Spurs não marcou gols na primeira fase da competição — a seleção inglesa, inclusive, só marcou quatro gols na fase de grupos, sendo três deles anotados por Roger Hunt e um por Bobby Charlton — , mas assistiu três deles. Na terceira partida do torneio, contra a França, o karma genovese cobrou com juros, e Jimmy tomou um chute no rosto que lhe rendeu 14 pontos no queixo.

Greaves até conseguiu se recuperar a tempo de jogar a final, mas foi poupado por Alf Ramsey — o treinador preferiu dar continuidade a Hurst e acertou em cheio, já que o atacante do West Ham acabou marcando três gols na final.

Além da cicatriz que permanece até hoje em seu rosto, Greaves viu sua equipe levantar o caneco de fora do gramado. E na época, a medalha de campeão só era dada aos 11 jogadores que terminaram a final em campo: ou seja, o centroavante não foi condecorado. Em 2009, porém, os outros convocados pelo English Team em 1966 tiveram seus esforços considerados pela FIFA e acabaram recebendo as medalhas.

“Eu dancei em campo com todos os meu companheiros enquanto pude, mas no grande momento de triunfo e felicidade, eu senti tristeza e solidão. Por muitos anos eu sonhei em jogar uma final de Copa do Mundo. Perdi o jogo da minha vida e isso ainda dói”, disse o próprio, em 1967

Ao lado de Shearer, Greaves ainda é a maior referência inglesa quando o assunto é atacante

Voltando ao Tottenham, no decorrer da década de 1960, grandes peças daquele elenco vencedor foram vendidas e deixaram o baixinho se tornar o maior nome do clube. As várias lesões que sofreu, porém, prejudicaram tanto sua carreira quanto algumas campanhas dos Spurs e da seleção inglesa.

Mesmo assim, mais cinco troféus foram erguidos pelo Tottenham até Greavsie deixar o clube como ídolo máximo em 1970. Em nove anos no White Hart Lane, com 379 partidas disputadas, anotou impressionantes 266 gols. Até hoje seu nome figura no topo da lista dos maiores artilheiros da história do clube.

No final da carreira, o atacante quase foi parar no Derby County — treinado por ninguém menos que Brian Clough. Jimmy, porém, optou por ficar em Londres, cumprir uma promessa que fez quando ainda jogava na base do Chelsea e defender as cores do clube do coração de seu pai; com 31 anos, balançou as redes mais 13 vezes vestindo a camisa do West Ham.

Depois disso virou técnico. Depois virou pai. Depois virou comentarista. Depois virou avô. Depois virou alcoólatra. Depois se recuperou. E, no fim da história, foi presenteado com um lugar especial no hall da fama do Tottenham e da seleção inglesa, com direito a busto no Wembley.

Jimmy já em seus últimos dias de White Hart Lane, ao lado de seus filhos Danny (esq.) e Andrew (atrás) e sua filha Mitzi (dir.)

Agora faça as contas: nos quatro clubes que defendeu na Europa, Greavsie marcou 366 gols. Até hoje, só Messi e Cristiano Ronaldo ultrapassaram essa marca. Gerd Müller, Ferenc Puskas, Ronaldo e Dixie Dean não batem em seus números. Enorme é o azar dele pelo destino lhe ter tirado da competição que poderia levar seu nome à mais alta prateleira do esporte, mas ainda maior é o azar do esporte que não o recorda naturalmente como um dos maiores centroavantes da história.

Ah, e sabe a medalha que Jimmy recebeu em 2009? O ex-jogador teve que leiloá-la no ano passado para pagar as contas da clínica de reabilitação onde foi parar após sofrer com o alcoolismo. Conseguiu 45 mil libras.

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