José Mourinho: estreia expõe ideias renovadas do português

Vitória sobre o West Ham já mostrou mudanças pontuais

Henrique Letti
Galo de Kalsa
5 min readNov 25, 2019

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Desde que Mourinho foi anunciado no Tottenham, os torcedores compartilhavam das razões por frios na espinha. O culpado, por motivos históricos, era o modelo de jogo que tem sido o preferido do técnico português em seus últimos trabalhos.

Na estreia do treinador, diante do West Ham, mesmo com apenas dois dias de treino, o time já apresentou mudanças claras em relação ao que o saudoso Poch costumava propor. O ônibus ainda não saiu da garagem. Aliás, muito pelo contrário: a equipe apresentou uma organização ofensiva bastante interessante, que pareceu ser o foco do modelo proposto.

Quando surgem questões quanto a Mourinho, é sempre necessário se lembrar: ele é um vencedor, e fará o que for preciso para atingir isso.

Dessa vez, o próprio disse que escolheu meia dúzia de elementos para alterar na equipe e buscar a primeira vitória fora de casa depois de vários meses. Ainda que tenha sido pouco, suas mudanças fizeram a diferença e os três pontos, enfim, vieram.

ATAQUE COM MUITOS

Como o 4–2–3–1 virava um 3–4–2–1 durante o jogo

Por anos, o Tottenham de Pochettino atacou com os dois laterais simultaneamente. Não interessa se fosse Vertonghen na esquerda ou Sanchez na direita: eles tinham todo o corredor à disposição para subir, abrir o campo e buscar cruzamentos na área. Logo no primeiro jogo com Mourinho, isso já foi modificado. Mesmo partindo do 4-2-3-1, o lateral esquerdo Davies se juntava à dupla de defesa no momento em que o time tinha a bola. Com isso, atacava em um 3-4-2-1, com Aurier subindo, mas o galês ficando.

Não duvido que a ideia tenha partido do auxiliar João Sacramento, uma das peças do novo quebra-cabeça que compõe o estilo de Mourinho. O jovem assistente trabalhou com Chris Coleman na seleção do País de Gales por um bom tempo, e é assim que o lateral atuava por lá. Essa configuração, no sábado, foi bastante interessante, porque gerou alguns mecanismos que foram chaves em chances e, inclusive, gols.

Na defesa, Davinson e Davies tentavam passes para Dele e Lucas, que estavam um pouco mais centralizados, buscando o espaço às costas dos volantes. O primeiro gol, de Kane, impedido, sai assim: enquanto Son está aberto na esquerda, atraindo a marcação do lateral direito e "esticando" a linha de defesa do West Ham, Dele recebe passe de Davies no meio e encontra Kane com um toque entre o lateral e o defensor do rival.

Os mecanismos estiveram presentes desde o primeiro minuto de partida

No segundo gol, o primeiro que vale, a presença de Dele à frente da defesa, mas atrás dos volantes, permite que ele receba com espaço e encontre Son no mano a mano com Diop. A movimentação de Kane é chave nisso, pois tira o Rice daquele espaço, eliminando a pressão sobre Dele.

Por estar atacando com muitos, e ter Dier para buscar o bote após a perda da posse, o Tottenham dominou a primeira etapa. Outro mecanismo que ficou claro foi a troca de posição entre Dele, Son e Lucas. No segundo gol, o primeiro está bem aberto na esquerda, onde faz magia para o coreano, que ultrapassa vindo do meio. O fato de Aurier sempre estar no ataque, na direita, permite o terceiro gol. A bola gira rápido, o que prova o papel de Winks, e encontra o marfinense em ótimas condições de cruzamento.

Na estreia de Mourinho, Sir Harry Edward Kane OBE, virou o terceiro maior artilheiro da história do Tottenham

POR QUE DIER?

Com todas as suas limitações demonstradas recentemente, o inglês pareceu ser insuficiente para um Tottenham que queria voar. Acontece que Mourinho é fã do jogador (e de todos os outros volantes do tipo), conferindo a ele o status de titular na estreia do português.

Muito do domínio dos Spurs, principalmente no primeiro tempo, deu-se pela combatividade oferecida por Eric. Quando o time perdia a bola, ele era o primeiro a dar o bote — roubando a bola ou fazendo falta, ele parava os contra-ataques. Em tentativas de bola longa, era Dier quem brigava pelo alto, ou pelo chão, caso não fosse ele o responsável pela primeira bola.

Claro, quando eu vejo o Moussa (Sissoko), ele é um ótimo jogador, mas é diferente das minhas necessidades. Preciso da estabilidade de Dier, e preciso do jovem para mover a bola mais rápido, também posicionalmente, e também para achar os jogadores de ataque nas posições que queremos que encontrem a bola

Mourinho explica bem por que optou por um e não pelo outro. O francês é um jogador menos posicional, que faz a diferença quando pode atacar espaços com suas arrancadas. Mou quer um "cão de guarda" que se mantenha na base da jogada e que possa somar com passes (curtos e, principalmente, longos), e o inglês parece, mesmo com ressalvas, oferecer isso.

“Me deem tempo para desenvolver minhas ideias e não teremos problema contra nenhum time na Europa”

AS DIFERENÇAS

Quando o Tottenham voou sob a tutela de Pochettino, o time apresentava um estilo mais direto. Com transições rápidas e muita pressão na bola, os Spurs apertavam o adversário para recuperar a posse e tentavam finalizar as jogadas rapidamente. Com o tempo, e com o envelhecimento dos jogadores, Poch passou a priorizar um futebol mais lento, com uma saída de bola mais trabalhada e um ataque mais “paciente”.

Acontece que as peças que o argentino tinha à disposição não conversavam com esse modelo. Sair curto com Lloris no gol e Sissoko como o primeiro homem do meio-campo, por exemplo, é suicídio; e ter jogadores como Son e Lucas, perfeitos para estilos mais agressivos e diretos, clamava por uma mudança.

Mourinho, pelo que pôde se perceber no primeiro jogo, acha que a equipe ainda tem o que é necessário para ser intensa. Verticalizando mais e buscando matar o adversário nos contra-ataques, o time até lembrou os velhos tempos, quando não deixava o rival respirar. Os ataques diretos, mais rápidos, foram os responsáveis pelos gols do Tottenham no jogo, e podem caracterizar outra revolução do técnico luso em solo inglês.

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