Lateral direita: as incertezas de uma posição

Quem será o lateral direito do Tottenham na próxima temporada?

Henrique Letti
Galo de Kalsa
6 min readJul 14, 2019

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“Vou roubar sua vaga, Aurier” | Foto: David Klein/Reuters

Começo o texto me desculpando. Não queria citar Pascal Chimbonda, Alan Hutton e Kyle Naughton no meu primeiro relato para este espaço maravilhoso, mas já o fiz — e por duas razões. A primeira delas é a lembrança. Um sentimento que pode ser tanto engraçado quanto desgraçado (nesse caso, ele é os dois). O outro motivo é mais um refresco de que não há nada tão ruim que não possa piorar.

Então, os últimos anos com Walker (ssssss), Dier improvisado, Trippier e Aurier não foram tão ruins assim. Pochettino realmente soube tirar o melhor de quase todos eles: fez o primeiro ser o lateral mais caro do mundo, o segundo parecer — e não necessariamente ser — um jogador polivalente e o terceiro virar o Beckham de Bury (até que me provem que isso foi, na verdade, uma alucinação coletiva).

Chegamos na metade de 2019, época em que nenhum jogador da função está no nível daqueles primeiros que citei. No entanto, não tem quem feda a titularidade. Trippier já não rende mais como antes e está perto de ser vendido. Aurier tem talento, mas está longe de ser o dono da vaga. Foyth é o improvisado da vez e Kyle Walker-Peters não parece ter toda a confiança de Poch.

Quem vai ser, portanto, o lateral direito na temporada de 2019/20?

O ÓBVIO

Contratado por pouco mais de £20 milhões no verão de 2017, Serge Aurier pareceu ótimo em vários momentos de sua carreira. Acontece que, nos outros, fez pênaltis bobos, errou cruzamentos, foi homofóbico e deu socos em mesas. A irregularidade do marfinense, dentro e fora de campo, gera dúvidas. De qualquer forma, assim que for confirmada a venda de Trippier, parece óbvio que ele será o titular. E não há nada de errado nisso.

Aurier foi titular na estreia da última Premier League e deu essa assistência | streamable.com

É fato que o lateral de 26 anos não vem de uma boa temporada. Fez somente 17 jogos, ficou lesionado por cerca de três meses e, além daquele grande jogo contra o Dortmund e os dois gols contra o Tranmere Rovers, pouco colaborou. A falta de regularidade pode ser justificada e compreendida; afinal, foi reserva de Trippier (em sua farewell tour) e perdeu jogos por lesão. Por isso, uma temporada a mais, ganhando um tempo de jogo interessante, pode ser boa para o jogador e para o clube.

Defensivamente, Aurier tem menos problemas que Trippier. Talvez por isso Poch tenha sinalizado algumas vezes que prefere o marfinense ao inglês quando ambos estão saudáveis. Suas falhas atrás são lapsos, enquanto Kieran erra cronicamente. O problema de Serge está na frente. O Tottenham costuma atacar aproveitando os laterais em amplitude máxima, principalmente no lado direito. Nesses casos, ele até chega ao fundo com facilidade, mas tem dificuldades no cruzamento.

Em um 2018/19 medíocre, Trippier foi melhor que um regular Aurier em 2017/18 | Via SofaScore

Em 2017/18, quando foi titular na Premier League por 16 oportunidades, Aurier acertou 0.4 cruzamento por jogo — com um aproveitamento de 9%. Trippier, na sua — nem tão maravilhosa — última temporada, colocou duas bolas certas na área por partida, com uma eficiência de quase 30%. Na defesa, o jogo vira: Aurier intercepta mais, desarma mais (e melhor) e perde menos bolas.

Polir o marfinense no ataque ainda é necessário, mas saber que ele compromete menos atrás é chave para entender por que ele é o mais provável substituto de Trippier.

A APOSTA

Jogando pela direita numa linha de três defensores, Juan Foyth já provou seu valor. Teve grandes exibições na temporada passada contra Chelsea e Dortmund, demonstrando uma capacidade interessante para se desgarrar da linha, perseguir e dar o bote. Sua habilidade com a bola nos pés é notável, então não pareceu tão estranho quando Poch escalou ele como lateral no jogo da Premier League diante do City (pós-classificação histórica na Champions). Só não sabíamos, e talvez ainda não sabemos, que esse realmente era um plano do treinador a longo prazo.

“Um dia, estávamos correndo ao redor do campo e ele (Pochettino) me chamou e perguntou se eu me sentiria confortável jogando ali (na lateral direita). Eu queria jogar e, sabendo que faria bem esse papel, disse que sim. Me senti bem nos jogos”

Por sorte, a amostragem de Foyth como lateral não vem somente das duas partidas na Premier League em que atuou ali. Lionel Scaloni optou por escalar o jogador na direita durante a Copa América, e essa foi uma das — poucas — boas decisões do treinador durante o torneio.

Contra a Venezuela, Foyth foi um dos melhores em campo. Depois, engoliu o Cebolinha (e mandou o Coutinho de volta pra Europa) no jogo diante do Brasil, além de ter feito um bom trabalho frente ao Chile na decisão do terceiro lugar. Claro, tomou cartão amarelo nos três jogos, mas isso não é novidade alguma.

Sua partida contra o campeão da Copa América foi surpreendente (a nota caiu por causa do esperado amarelo)

Mesmo sólido na defesa, Foyth foge do estereótipo de um zagueiro improvisado na lateral. Ele tem bom passe, sabe chegar à frente (ainda que seu produto final esteja longe do desejável) e apresenta um grande poder de recuperação quando e se driblado.

Por ter 21 anos, é lógico que Foyth ainda erra bastante. Contudo, mesmo ao passo que falha, dá indicativos de que pode exercer esse papel sem comprometer muito.

O MENOS ÓBVIO

Essa sessão será dividida em duas: uma em que se gasta e outra que está em casa. Dinheiro fala, então começarei por essa.

O Tottenham não sondou muitos laterais direitos nessa janela. Hiroki Sakai foi uma piadinha da Sky Sports, Youcef Atal apareceu poucas vezes nas notícias, Max Aarons vai ficar no Norwich e Dani Alves tem tudo, TUDO, menos o padrão das transferências da era Poch. Ah, também teve um dos gêmeos Sessegnon (o Steven), que, alegadamente, joga nessa função, mas o rumor mais forte foi para o Ryan, que atua pela esquerda.

Já que nenhum deles parece que vai fechar, fiquemos no sonho. Aí eu cortaria os nomes para dois: Atal e Alves. O primeiro teve uma temporada maravilhosa pelo Nice, é ofensivo e muito criativo. Não cruza tão bem quanto Trippier, mas chega na frente com maior facilidade e pode produzir conduzindo e driblando. Custaria cerca de £30 milhões, o que não seria um absurdo.

Atal esmigalhando o lado esquerdo do PSG | streamable.com

Dani Alves, por sua vez, dispensa apresentações. A Copa América do brasileiro fala por si, bem como sua carreira. Seria interessante tê-lo no grupo, tanto pela experiência quanto pela qualidade que ainda oferece. Fora que ele não se desgastaria, já que existe mais de um substituto para a função (Aurier, Foyth e até Kyle Walker-Peters), e também não custaria tanto — está livre no mercado.

Mencionei o cara no parágrafo anterior, então preciso falar dele. Walker-Peters tem talento e tem bons jogos no currículo, mas nunca pareceu ter a confiança de Pochettino. Mesmo com cinco assistências em somente seis jogos como titular na Premier League, o lateral não tem o porte físico que se espera para um jogador da função. Isso já o comprometeu em alguns momentos, como quando teve de enfrentar o touro Michail Antonio na Copa da Liga, ou na Champions, naquele jogo contra o Barcelona. Por isso, sua saída já foi sondada e eu não acredito que ele seja a solução para a posição. Tem algum Trippier-Peters na base?

O VEREDITO

Aurier quase tem o que é preciso para ser titular, Foyth pode vir a ter e Walker-Peters, ao que tudo indica, jamais terá. Sacramentar quem será o lateral direito titular é difícil e está diretamente relacionado às reações pós-venda de Trippier e ao início da temporada.

Se alguém for comprado com a grana da venda do Beckham de Bury (o que acho pouco provável), esse alguém deve ganhar chances de início. Aurier terá férias mais longas, já que está envolvido com a Copa Africana de Nações, e retorna somente para o quarto jogo da Premier League.

Em um cenário mais plausível, sem contratações, a titularidade de início cairia para Foyth. A solução caseira está longe de ser a ideal, mas pode vir a calhar em uma situação como essa. E se ele iniciar bem, o marfinense terá de se contentar, novamente, com o banco. Melhor que se adiantem e protejam as mesas do nosso novo estádio.

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