No Football Manager, fiz (sem querer) a temporada que se esperava de Mourinho

Encontrei no FM20 o tal do pragmatismo que dá resultado

Pedro Reinert
Galo de Kalsa
8 min readApr 4, 2020

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Introdução

Daniel Levy apostou numa solução relâmpago para recuperar o circo no qual ateou fogo. José Mourinho, o escolhido, deve hoje ser uma das quinze pessoas no planeta que está feliz com a dispersão de uma pandemia global — desde que ela realmente force o fim de todos os campeonatos. O Tottenham de 2020 só não fez tão mal ao mundo quanto aquela sopa de morcego.

Agora — veja bem, — antes de qualquer coisa, eu não sou bom jogador de Football Manager. Essa foi a minha primeira (ou segunda, se contar o save com o Shamrock Rovers, ou terceira, se contar o PSV) experiência no FM20 depois de uma cacetada de anos afastado de madrugadas arrastadas por janelas de transferência. Por qualquer pardalzice, então, já peço perdão.

Nessa campanha, incorporei Vincent Adultman, ex-jogador experiente e treinador bem preparado — não três crianças empilhadas dentro de uma jaqueta — e esperei a atualização dos elencos pós-janeiro pra reerguer o clube do meu jeito: ou seja, o jeito mais parecido possível com o de Pochettino. Passes curtos, laterais infernais, uma cabeça de área absolutamente letal e os cofres bem cuidados.

O tão problemático vestiário se tornou um dos pontos fortes do clube (talvez só porque eu não pedi o retorno de Danny Rose)

Transferências

O presidente não ajudou nem um bocadinho na primeira janela. Com um orçamento inicial de £14M, pude fazer pouca coisa pra mudar o patamar do elenco, mas mexi nos pontos mais cruciais: trouxe Kostas Tsimikas, lateral esquerdo do Olympiakos, por £8M, e Sergiño Dest, ala direita do Ajax, por empréstimo (e opção de compra futura por £15M). Para a primeira faixa do meio de campo, Manu Morlanes, meio campista do Villareal, veio também por empréstimo (com cláusulas idênticas). Não vendi ninguém.

Na janela de janeiro, Levy abriu um pouco mais o bolso e me liberou uma verba de £46M pra brincar. Dele Alli quis sair e eu precisei esperar até às 21h do deadline day pra alguém (Manchester United) levá-lo por £30M (pouco, eu sei, mas eu tava louco pra desovar o rapaz). Aí, com o elenco não tão forte, mas até que estruturado, a única coisa que faltava era um bom armador pra reserva — inglês, de preferência, por motivos de força maior. E por £22M, veio o disputadíssimo Jude Bellingham.

No mais, tinha acabado de liberar Michel Vorm de volta para a Holanda e queria que Gazzaniga tentasse a sorte em outro lugar (foi emprestado pro Shakhtar). Por um punhadinho de libras, consegui o ótimo Wuilker Fariñez.

Janelas tímidas, mas essenciais

Abordagem tática

Lá no começo, decidi que a formação ideal seria um 5–2–3, com Toby, Dao e Jan, dois alas apoiadores e Lo Celso e Ndombele pintando o centro da cancha. Na frente, Son, Kane e qualquer outro. Sem pressa, cozinhando o jogo, forçando infiltrações. Foi o que me engatou no começo e o que me salvou no final.

Em dado momento, porém, depois dos primeiros tropeços da campanha, Dier (!!!) pediu passagem e ganhou a vaga de rebatedor no miolo da zaga (Sánchez foi pro banco), e a titularidade do camisa 15 trouxe à luz a variação tática que foi o grande trunfo nos jogos mais ganháveis: o 4–3–3. Eric na volância, segurando a onda dos zagueiros e dando mais liberdade para a dupla dinâmica da meiuca criar. Uma delícia pra bater nos pequenos.

Quebra-galhos à parte, foram essas as principais formações táticas usadas na temporada

Narrativa

Bom, o aspecto técnico não importa muito, né? Se importar, me chama lá no Twitter que eu conto com prazer, mas o foco aqui é o desenrolar da história. Como eu disse, o que eu queria era ser meio Pochettino, dono de um futebol mais progressista, romântico e tenaz. Tentei na base da insistência, mas até apanhei do Zenit dentro de casa pela fase de grupos da Champions League.

Ali pra Outubro, já colocando o pé na 12º colocação e com chances enormes de ser eliminado num grupo com Lyon, Zenit e Ludogorets, entendi que o idealismo não compensaria. Kane e Son não faziam boa temporada, Lo Celso vivia de lampejos e Tsimikas parecia não valer o preço (de oito milhões de libras!!!!!!!!!). Aí virei a chave (o 4–3–3 supracitado) e, por linhas tortas, acabei caindo no famoso pragmatismo vencedor de Mourinho.

Foram incontáveis as vitórias por um golzinho de diferença até janeiro. Gol na primeira finalização que sacramenta um 1–0, gol cagado no finzinho pra parir um 2–1, 2–0 sortudo com dois gols de rebote de escanteio e por aí vai. Na liga, na copa e na Europa, o suco era o mesmo. E vou dizer: até que é bem gostoso. Só fui parar nas oitavas da Champions League, frente ao PSG de um Mbappé monstruoso (4–1 no agregado, três dele), que por sua vez parou na final diante do heptacampeão europeu, Liverpool (2–0).

Olha o tanto de vitória apertada, pelo amor de deus

A nossa crise de lesões não rolou só na vida real: aqui, foram 61 contusões ao longo da temporada. Sessegnon, Davies, Aurier e Alderweireld foram os que mais passaram tempo no DM: no total, quatro meses de banho-maria pra cada um. Kane, Son e Sánchez ficaram de fora por nove semanas, Tsimikas, Lucas e Winks perderam um mês e meio de ação. E sabe-se lá como, Tanguy Ndombele só ficou parado por seis dias durante a campanha toda — e por um corte na cabeça.

Enfim, enquanto eu flutuava entre a 7ª e a 5ª posição de um jeito meio xexelento na Premier League, o roteiro na Carabao Cup se desenhava um pouco mais bonito. Desde o início botei a molecada (Parrott, Gedson, Foyth, Morlanes) pra jogar — com uma ajudinha ou outra de algum titularzão absoluto, é claro — e eles vinham dando conta.

Batemos no Everton (quase inteiro titular) e enfiamos 6–0 no Accrington Stanley nas duas primeiras rodadas. Depois, com Harry Kane já em boa forma, 2–1 no Liverpool nas quartas e um facílimo 2–0 num Blackburn com nove jogadores na semi. A final, no dia 1º de março, seria contra o Manchester United de Dele Alli. Pois é, imagine meu cagaço. A lei do ex viria à galope. Mas acabou que foi mais fácil do que todo mundo esperava: Kane marcou três gols em quarenta minutos para que ele próprio levantasse o primeiro troféu conquistada pelo Tottenham Hotspur Football Club desde 2008.

Outra Copa da Liga, doze anos depois

Na mesma semana, Fariñez estreou debaixo das traves pegando três (três!) pênaltis do Aston Villa nas quartas de final da FA Cup, me deixando esperançoso por uma dobradinha heróica. Infelizmente tinha um Wijnaldum endiabrado no caminho, me dando o troco pela eliminação precoce na copa da liga: dois gols e uma assistência pra levar o Liverpool pra final (foram campeões em cima do Watford, 4–1).

Depois de três importantes desfechos em menos de um mês, o elenco começou a sentir o desgaste físico. Num período de muitos improvisos e malabarismos táticos (dignos de Abel Braga e não de Pep Guardiola), duas derrotas seguidas em clássicos colocaram a última (e principal) meta da temporada em risco. Com um cabeceio de Haller, o West Ham conseguiu nos vencer com frieza no London Stadium, e o Arsenal deu o nocaute com um gol solitário de Steven Berghuis (ponta direita do Feyenoord, contratado por £43M).

Aliás, o retrospecto nos clássicos aqui não foi exatamente bom, mas ainda assim foi melhor do que vem sendo sob o comando do português na vida real. Contra o Arsenal, empatamos em casa (1–1, tomando de Reiss Nelson no último minuto) e perdemos fora (1–0); contra o Chelsea, empatamos fora (0–0) e ganhamos em casa (1–0); contra o West Ham, vitória de 3–0 em casa e derrota de 1–0 fora.

Agora, a poucas semanas para o fim da temporada, depois de um dolorido empate em 1–1 com o Brighton, o cenário era o seguinte: Arsenal, em quarto, com 67 pontos em 34 jogos; Tottenham, em quinto, com 63 pontos em 35 jogos; e Manchester United, em sexto, com 59 pontos em 32 jogos. Seria necessário vencer os quatro jogos restantes (incluindo o último, contra o próprio United) e contar com uma série de resultados milagrosos para garantir uma vaga na próxima Champions League.

Depois de dez dias caóticos, a bela arrancada no final

Foi aí que o 5–2–3 mágico teve seu retorno triunfal e o sangue frio que tanto se esperava de Mourinho — não de mim (nem de Vincent Adultman) — deu as caras. 0–1 no Sheffield, 2–0 no Liverpool e 3–1 no Norwich, restando só o confronto direto contra Dele Alli e companhia na última rodada, com um ponto de diferença para o Arsenal que vinha acima e dois para o adversário final que vinha abaixo.

De novo, de novo, de novo e de novo, Harry Kane tomou as rédeas da situação e marcou os dois gols que selaram o triunfo, permitindo que todos os olhos grudassem nas atualizações da partida no King Power Stadium, onde o Leicester recebia os Gunners. E aos 81’, Harvey Barnes acertou um chute cruzado do lado direito de Leno para não mudar absolutamente nada na vida dos donos da casa, mas deixar o Arsenal fora da Liga dos Campeões.

Lloris foi o goleiro menos vazado do campeonato. Lo Celso e Lucas dividiram o topo do ranking de assistências (9). Kane (21) só não marcou mais gols que Agüero (38), bicampeão inglês com o Manchester City. Liverpool foi vice, mas levou a FA Cup e a Champions League. O Chelsea fechou o top 4 da PL. Wolverhampton foi pra Europa League, já que o Manchester United, que terminou em sexto, ganhou o título sobre a Inter de Milão (É, Dele Alli sorriu no final). E quem caiu? Watford, Burnley e Crystal Palace.

Sem querer, então, fiz exatamente o que se esperava de José Mourinho: mantive o clube na Champions League e, de quebra, puxei inesperadamente uma *não tão desejada* taça pra casa. Se com a bola rolando o time nunca chegou a apaixonar, os resultados (e a forma que muitos vieram) compensaram pela emoção. Afastei quem não queria jogar, dei chances a quem queria e reestabeleci (em teoria) o status da equipe pré-Madrid. Se os próximos capítulos forem tão legais quanto esse, volto aqui pra contar.

Nesses dias de reclusão, comemorei o fim da campanha como o gol que já há algum tempo eu desejo ver ao vivo pela TV. O futebol faz muita falta, deus do céu. Mas, sei lá, quem sabe é o tempo que Mou precisa pra ver dá sim pra fazer grande coisa com esse catado de gente que herdou. Afinal, até eu fiz. Basta atualizar os elencos.

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