O adeus de Alderweireld, a pedra fundamental

Saída do zagueiro sacramenta que o melhor Tottenham que nós vimos já não existe mais

Pedro Reinert
Galo de Kalsa
5 min readJul 27, 2021

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Eu odeio ser esse tipo de pessoa que conta na maior euforia a história de um dia para gente que não estava lá naquele dia. Sabe esse tipo de pessoa? “A gente tava lá e do nada o André fez aquele negócio com a barriga, lembra? Não sei se você tava lá, acho que não, né? Acho que não. Porra, cê perdeu. Aquele negócio que ele fez […]”. Essa pessoa. Odeio mesmo. Mas é que, deus do céu, eu não sei se você viu o Tottenham de 2016/17, e se não viu, porra, cê perdeu.

O uniforme das ombreiras azuis, o White Hart Lane quebrado no meio, quatro derrotas em todo o campeonato. Das coisas mais bonitas e incríveis que eu já vi e vivi. Enfim, o ponto é que a narrativa prova que foi a chegada de Victor Wanyama que fez daquela equipe um fenômeno. O gigante de Nairóbi era a peça faltante para Pochettino criar o melhor onze inicial (porque aquele time tinha tudo, menos banco) da história do clube na Premier League, e sobre isso não há muita discussão.

O que muito se discute é o caminho até ali. Quem fez? Quem deixou? Qual foi a virada de chave? Qual foi o plot twist? Se aquela falta do Kane contra o Aston Villa em 2014 não desvia na barreira pra enganar Guzan, a história era outra? Pra chegar ali cada um deve ter sua teoria, e me coube vir prestar uma homenagem ao protagonista da minha.

Ainda é difícil explicar a minha insegurança quando o Tottenham fechou um negócio por menos de 13 milhões de libras (!!!!!!!!!!!!!!!!!) com o Atlético de Madrid pelo belga, porque não fui só eu que vi uma temporada anterior de muitos altos e muitos baixos no Southampton. Além do mais, tendo visto muitos beques chegando a preço de banana nos anos anteriores (Chiriches, Fryers, Bassong…), torcer o nariz era um exercício de responsabilidade afetiva.

Não deve ter durado duas semanas. Em agosto Alderweireld já era titular absoluto. Em setembro fez uma de suas atuações mais absurdas da carreira, naquele 4–1 sobre o City no WHL, com direito a gol e desarme em cima da linha. Lá pra dezembro já tava sendo empurrado pra prateleira de Ledley King e Dave Mackay.

Toby foi sóbrio como a perfeição. Nada de elegância, nada de grosseria. Nada de charmoso e nada de bárbaro. Tinha uma aura quase robótica, tamanho o desembaraço para executar cada movimento. Assim, parecia o pináculo da raça humana, já que sua simplicidade constantemente banalizava o absurdo.

Sem dizer que a sinergia com Vertonghen, amigo de infância e parceiro de carreira, bateu a terra para que a melhor dupla de zaga do século no clube pudesse florescer à gosto. Jan, uma limusine numa prova de rally, duplava com seu compatriota irritantemente bem. Um andava, olhava, soltava e prendia pelo outro e vice-versa.

Enfim, digo que Alderweireld é o protagonista da minha teoria porque, diferente de qualquer outro jogador que vi vestir a camisa do clube, ele é o único que não preciso usar mais do que uma mão pra contar más atuações na ‘Era Pochettino’. E esse tipo de jogador o Tottenham que eu conheço *nunca* teve.

Toby foi a pedra fundamental de uma equipe que confiou na solidez defensiva pra criar um dos ataques mais letais da década. Solidez que, sozinho (pra não creditar Fede Fazio como parte real de uma dupla), Vertonghen nunca conseguiu dar. E quando o mesmo Vertonghen se contundiu por quase meia temporada, dando lugar ao mediano Kevin Wimmer, o time manteve o alto nível da retaguarda; por ordem do camisa 4.

É óbvio que isso de forma alguma difama ‘Super Jan’, cujo lugar de idolatria na cultura do clube é até mais relevante do que o de Toby, mas há de se entender que o auge técnico atingido por Alderweireld entre 2016 e 2018 não possui comparação à altura na história recente do clube. Foi, sem dúvidas, o melhor zagueiro que o Tottenham teve em muito (muito muito muito muito muito muito muito muito muito) tempo.

No fim das contas, Toby sai de cena como Hércules e não como Noé. Afinal, sua hora de carregar animais chegou (a Amazon filmou tudo), mas as pernas não aguentaram. Foram seus árduos trabalhos, culminando numa inédita final de Champions League, que servirão como legado.

Ah, e ninguém deve esquecer que Alderweireld foi um dos poucos (se não o único) que assinou uma renovação de contrato no meio do capítulo mais fedorento da história desde que Pochettino foi embora. E, tá certo, o belga já não é mais o colosso de outros dias, mas ter firmado aquele compromisso foi um ato heroico. Lhe devemos muito por isso.

Agora, assim como seu compatriota e ex-companheiro de zaga, Toby deixa o clube aos 32 anos de idade e estabelecido entre os maiores atletas de sua posição na década que passou. Como já falei, poucos corpos de mais de trinta anos são possantes o suficiente pra resgatar um time em crise jogando na defesa.

Nesse momento de re-re-reconstrução, onde cada pequeno luto é necessário como parte do processo, a camisa 4 perde, por um bem maior, quem lhe fez valer tanto. E Alderweireld sai pela porta da frente, com status imaculado, mas sem troféu pra retratar mais precisamente o quão grande foi.

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