O dia em que ele for embora

Kane tem pouco tempo para desfrutar de um futuro que o Tottenham não pode lhe dar

Mateus Pera
Galo de Kalsa
6 min readApr 16, 2021

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Feche esse texto imediatamente se você não se sente emocionalmente ou psicologicamente bem no momento. O que vem a seguir pode ser gatilho para torcedores com episódios de crises de ansiedade ou até mesmo depressivas. Continuando nesse texto você concorda que está ciente de que vamos conversar sobre a possível única fonte de serotonina de um torcedor do Tottenham: Harry Edward Kane MBE.

Bom, esse é o segundo texto que tenho vontade de publicar no Galo. Já escrevi outros, mas eram impublicáveis — porque simplesmente não eram bons e acho que não eram bons, em parte, porque não foram feitos no meio de uma falta de sono de madrugada, no meu ócio criativo. E eu tô falando isso pra chegar numa metáfora tosca porque é assim que eu sobrevivo em qualquer conversa, usando metáforas toscas. A grande beleza delas é que servem pra um propósito perfeito; eu falo algo querendo dizer uma coisa, vocês interpretam subjetivamente na própria cabeça e assim eu me sinto desobrigado de qualquer coisa.

E o que os meus textos não publicados tem a ver com isso? Vergonha alheia, obviamente. Mas não aquela vergonha alheia repugnante de sentir que era um merda. É mais aquela vergonha alheia que bate no meio da noite quando você lembra de alguma coisa que você falou numa discussão da sexta série e achou que ia ser legal, mas depois de uns 10 anos isso começa a aparecer às vezes na sua mente e você pensa “ainda bem que o tempo passa”. Manjou da sua situação assim? Eu sei que você também tem dessas, E TÁ TUDO BEM.

Mas além dessa, tem aquela situação que você olha pra trás e pensa “putz, foi aí que eu vacilei”, que aparece quando você tem que decidir algo que vai gerar consequências maiores. Nesse caso eu usaria como metáfora o que o Molledo comentou no Galo de Kast — Eliminação Pro Zagreb Com Treinador Preso, que é quando você tá na faculdade e só se esforça quando a água bate na bunda. Você não sabe ainda, mas isso tem o potencial de te fazer bem no futuro por te tornar desenrolado pra resolver problemas, ou vai te marcar pro resto da vida como vagabundo profissional, e de novo reafirmo que TÁ TUDO BEM.

Onde eu quero chegar com isso? Bem, pelo bem da sanidade mental do Harry Kane aposentado, ele precisa ir embora do Tottenham o mais rápido possível.

Eu sei que para nós, torcedores, o futebol é muito mais emoção do que razão e não tem como ser diferente. Se fosse puramente questão lógica, quem escolheria torcer para o Tottenham? Mas acontece que nós sabemos que é a emoção que nos move e não tem explicação racional pra alguém assistir uma segunda perna de oitavas de final de Europa League, tendo uma vantagem de 2–0 contra o possante Zagreb, se não fosse a expectativa de algo no mínimo “incomum” acontecer. Eu aposto dinheiro que nenhum torcedor do City vai suar as tripas na partida de volta contra o Dortmund, por exemplo, e isso é porque poucas torcidas estão acostumadas com esse voo de Ícaro igual nós estamos. Fomos nós que aceitamos esses termos e condições — bem como você no início do texto.

Infelizmente, porém, a emoção para pensar sobre futebol tem que ser exclusiva dos torcedores. Não é que o jogador profissional tenha que ser fruto de uma inteligência artificial bem programada, mas a emoção no coração deles precisa ficar nas quatro linhas, mesmo que eles sejam torcedores dos clubes onde jogam, porque não existe viés maior que a emoção, e é aí que nascem as escolhas erradas que geram os arrependimentos que carregamos até o túmulo.

O empate em 2–2 contra o Everton é sintomático. Tendo feito os dois gols dos Spurs no jogo e se isolado como artilheiro e maior assistente da liga, o camisa 10 também passou a encabeçar a lista de jogadores com mais gols na história da Premier League que nunca venceram a competição. Enfim, em vários momentos já nos trouxeram exemplos históricos do passado pra comparação com o Kane, como o caso de projetar nele a artilharia máxima da história da Premier League e bater Alan Shearer, ou a artilharia máxima da história do Tottenham e bater Jimmy Greaves. E eu acho que a comparação mais cabível é com o segundo, mas não pelos números e sim pela história — que o Pedro já contou aqui.

O cara fez gol de tudo quanto é jeito, levantou até taça da Copa do Mundo na carreira, mas ficou o gostinho amargo de ter se lesionado e perdido o jogo mais importante. Era pra ele estar eternizado em estátua em frente ao Wembley no lugar do Bobby Moore porque ele ia guardar uns 3 na final — sim, ele ia — e seria mais lembrado do que o cara que levantou a taça.

E não que seja pouca coisa ser comparado com Jimmy Greaves — essa é provavelmente a maior honraria possível pra um jogador (e principalmente pra um torcedor) do Tottenham — , mas com todo respeito ao nosso querido Jimmy, e claro, ao Tottenham, a comparação com o Kane tem de chegar a outro nível.

Não tem explicação alguma ele nunca ter sido alçado a um top 3 da FIFA. Quem merecia tanto em 2017? A única explicação é ele não estar marcando em mata-mata da Champions e levantando taça da Premier League. Com todo respeito a Mbappé e Haaland, que hoje parecem ser os herdeiros naturais dos tronos de Messi e Cristiano, é claríssimo que se não é de bom tom dizer que o Kane é MUITO melhor do que ambos por questão de etiqueta profissional, em respeito às taças do francês e aos números do norueguês, dá pra no mínimo dizer que é mais completo que eles. Tão completo que fardaria no ataque de qualquer time do mundo, inclusive nos deles.

Devo ressaltar aqui que a ‘carta Francesco Totti’ não cabe nessa discussão, apesar da história linda e romântica (ele optou por ficar na Roma ao invés de ir pra Madrid, conseguiu ser campeão na Roma e foi campeão com a Itália em 2006). Sejamos francos, apesar de toda a bola que jogou, não dá pra dizer que deu azar na carreira. Ela se desenhou como ele quis e a idolatria de seus semelhantes romanistas é o que bastava pra que ele se sentir completo.

O ponto é que no Kane não há nada que falte pra ser maior, só a escala, que é o que ele diz abertamente que quer. E isso a gente não pode dar.

Harry Kane é inegavelmente um talento geracional, world class, ou qualquer desses adjetivos da moda. Ele é muito bom de bola, ele é muito hardworker, ele merece muito mais do que a gente pode oferecer, e é pouco pra ele se satisfazer com nosso amor. Não que nosso amor seja insuficiente; é simplesmente que ele pode ter isso e muito mais.

Hoje, se ele deseja aproveitar seu máximo potencial, testar onde pode chegar, se desafiar e principalmente ser lembrado mundialmente como um dos grandes, ele precisa sair de Londres pra conseguir, e não há ninguém na face da Terra que possa reclamar disso, ou dizer algo além de “vá ser feliz”, porque o que rola não é um amor conjugal (no sentido tradicional e monogâmico). O amor que ele merece é como a tenebrosa novela que se findou: um amor de mãe.

Eu não consigo me imaginar torcendo contra o sucesso dele por não estar aqui. É aquele coisa, carreira de jogador é curta e, se deixar o bonde passar, talvez o velho Kane pense nas decisões da juventude dele como a gente pensa naquela discussão cringe da sexta série, ou naquele curso que a gente desistiu de fazer.

Pronto. Eu falei tudo que eu tinha que dizer. Mas eu sinto que Zezé di Camargo e Luciano foram mais poéticos e certeiros que eu. Não há nada que explique melhor o que eu quero dizer do que “No Dia Em Que Eu Saí de Casa”. Ouça, pense em Harry Kane e deixe aquela filha única de lágrima escorrer pela bochecha.

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