O sonho que virou sonho

E acabou com o pesadelo daquela final horrorosa

Vinícius Nascimento
Galo de Kalsa
5 min readAug 25, 2020

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Dias chuvosos em Salvador pedem uma única coisa: cama, lençol e soninho. Defendo a tese de que deveria ter um artigo nas leis trabalhistas proibindo que a gente trabalhe quando tá fazendo esse friozinho gostoso de 18ºC. Antes que algum sulista venha dizer que a gente não sabe o que é frio: se arrombe. Vocês sentem calor com 25ºC e ninguém tá aqui dizendo que vocês não sabem o que é quentura. Fica calado e curte a história.

Negócio é que eu tive que trabalhar hoje, já que as leis trabalhistas não dão amparo nenhum ao trabalhador, e isso me deu ainda mais maresia e talvez isso explique o sonho tão levinho e incrível que tive: basicamente eu descobri uma maneira de viajar por linhas temporais. Em vez de acabar com guerras, tretas e outras coisas menos úteis eu fui buscar o que importa. O primeiro título de Champions League do Tottenham, que aconteceu na temporada passada num 1-0 em cima do Liverpool, em Madrid.

Sonhos não possuem cronologia muito lógica. Num momento estava eu maravilhado por ter feito essa descoberta. No outro estava eu em um ambiente completamente onírico onde varias temporalidades passavam em minha frente ao mesmo tempo. Uma voz suave me indicou pra onde eu queria ir. Então mergulhei e caí dentro de uma espécie de hotel. Aliás não, era mais uma casa tipo AirBnB (aceitamos patrocínio).

O negócio é que a casa era dentro do Wanda Metropolitano e eu tinha uma visão espetacular do gramado. Era um pouco distante, mas ao mesmo tempo perto demais. Conseguia ouvir tudo que passava por ali. O ranger de dentes de Jürgen Klopp, as mãos de Pochettino sendo enfiadas no bolso e a voz de Dembelé imediatamente ao meu lado.

Sim, eu estava num apartamento dentro do estádio assistindo ao jogo junto a Matheus Nascimento, o Chimpa, e Mousa Dembelé. O Liverpool pressionou bastante durante boa parte do primeiro tempo. O VAR inclusive anulou um gol de Mané, que realmente dominou a bola no braço antes de deixar Rose catando fichas no chão e fuzilar Lloris com a perna direita minutos depois de Vertonghen salvar um cabeceio de Henderson em cima da linha.

O Tottenham tentava chegar com transições rápidas, mas Kane ainda estava fora de sintonia após os meses afastado por lesão e Son não vivia seus melhores dias errando passes bobos e tomando decisões questionáveis. Chimpa estava nervoso. Dembelé confiante repetia que precisávamos insistir no erro dele. Eu apenas contemplava tudo sem entender muito bem o que estava acontecendo ao meu redor.

O lance capital do jogo aconteceu aos 51 do primeiro tempo. A revisão do gol de Mané tomou alguns bons minutos e o árbitro Anderson Daronco, primeiro sul-americano a apitar uma final de Liga dos Campeões, deu 7 minutos de acréscimo. A primeira etapa se encerraria cinco minutos antes dele fazer o seu lanchinho da noite: um filé de peito de frango, um ovo cozido e um pedacinho de batata doce.

Numa das raras vezes que o Tottenham decidiu pressionar a saída de bola dos Reds, Sissoko deu um susto em Matip, que recuou para Alisson. O brasileiro teve um de seus raros momentos de ausência de lucidez e pegou a bola com as mãos. Recuar não pode, professor! Daronco apitou e deu o tiro livre indireto. Alisson tomou um cartão pela infração e outro pela reclamação. Foi expulso dando lugar a Adrián e aí que a maluquice começou de vez.

Eu comecei a rir desgraçadamente da cara de Alisson, que ouviu as risadas e ficou pilhadíssimo querendo saber de onde vinham e ficava andando em círculos buscando entender quem era o desaforado que estava tripudiando de seu momento de dor.

Eu me diverti tanto observando o esforço dele em encontrar o dono da risada que me desliguei do que estava acontecendo no campo. Minha volta à realidade foram os gritos de Chimpa e Dembelé, que foram até a janela da sala alertar à arbitragem que Adrián simplesmente COMPRIMIU A TRAVE, deixando-a do tamanho de um golzinho. Por algum motivo, as hastes da trave eram flexíveis. Teve mais confusão em campo.

Daronco ficou puto porque tinha passado a hora de seu lanchinho e conseguiu resolver a situação na base da truculência. Reabriu a trave para o tamanho natural e ordenou que a cobrança fosse feita. Eriksen e Kane estavam na bola. O dinamarquês careca rolou a cobrança em dois toques e Harry bateu seco, na bochecha da rede. Uma finalização com a marca que só ele tem. Foi uma histeria. A melhor que já vivi em minha vida.

O sonho não me permitiu lembrar como o foi o resto do jogo. Teve um corte e quando as coisas reapareceram eu estava no meio do campo comemorando. Via de longe Pochettino com a taça em mãos. Fiz um vídeo rápido e uma selfie com lágrima nos olhos. Era hora de voltar pra linha temporal a qual pertenço. Voltei satisfeito e pensando que tinha sido o sonho. E foi mesmo. Um sonho bem vivido. Mas era hora de acordar. De toda sorte, quando me perguntarem sobre aquele jogo ao menos terei uma boa desculpa para dar um sorriso de canto de boca.

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