Outra coisa é outra coisa

O fato de Lucas ter seu nome marcado na história recente do Tottenham não o torna imune a críticas, principalmente defendendo posições que vão contra filosofias históricas do próprio clube

Vinícius Nascimento
Galo de Kalsa
3 min readSep 8, 2021

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Lucas tem seu nome marcado na história do Tottenham e sempre terá. Foi a persistência e qualidade dele quem fez o Tottenham escrever uma das páginas mais bonitas de sua história recente e Amsterdam sempre estará nos corações de torcedores do clube. Além disso, é extremamente dedicado, grato e comprometido com o Tottenham. Mesmo quando falta raciocínio, sobra entrega. Diferente de um Ndombélé da vida, ou até a versão recente de Harry Kane, nunca desdenhou do clube. Isso é um ponto.

O outro é que a posição política de Lucas destoa da história e preceitos do Tottenham e as pessoas têm total direito de se revoltarem com o fato dele ser um fã declarado de um cara que odeia negro, pobre e despreza qualquer pensamento que não sejam os seus próprios. Independente de Lucas ter sido protagonista em Amsterdam, de ter sido injustiçado por Mauricio Pochettino que o colocou no banco da final para dar titularidade a um Harry Kane que voltava de lesão e independente dele ser um absurdo de profissional.

Lucas postou uma imagem da bandeira do Brasil com um leão naquela estética super cafona da extrema direita brasileira e com uma série de hashtags que são comuns a esse mesmo grupo que, via de regra, odeia minorias sociais. Depois tentou desconversar dizendo que não tratava-se de um apoio a Jair Bolsonaro e quis se fazer de vítima. Mas todo o mundo sabe, o próprio Lucas também, quais são as convicções dele.

Lucas Moura tem o direito de se manifestar, assim como tem o direito de apoiar um homem que fala frases golpistas, incita ódio e lidera um governo que ignorou e-mails de uma fabricante de vacinas oferecendo imunizantes no meio de uma Pandemia. Talvez, vivendo em Londres e ganhando bem como ganha, Lucas não tenha uma noção correta de como tem sido ruim e difícil viver nesse país, onde tem mães de família indo ao hospital com queimaduras graves por estar cozinhando com álcool já que a renda da casa não é suficiente para comprar um bujão de gás.

Bolsonaro fala de família, é evangélico e também se faz de vítima para justificar seu ódio — assim como Lucas se fez após receber uma enxurrada de críticas com a imagem que publicou. Talvez isso o aproxime do presidente do país. Talvez a oposição a esse homem tenha se afastado tanto das periferias, lugar de onde Lucas veio, que, agora, já um homem feito e bem sucedido, ele guarde uma mágoa gigante daqueles que não o ajudaram quando ele mais precisou. Tudo isso é justo, Lucas. Você tem o direito e ninguém está tirando isso. Mas também é direito das pessoas que pensam diferente se incomodar.

E, convenhamos: Lucas foi fundamental para aquela chegada à final, mas desde então nunca mais fez muita coisa. Já são 13 jogos sem marcar um gol sequer na Premier League e contando. Então é bom acalmar os ânimos na hora de apontar o dedo dizendo que “falta gratidão e respeito” como se fosse um jogador que decide uma partida a cada semana a favor do Tottenham.

Também é direito da torcida do Tottenham ficar muito chateada porque uma coisa é inegável: tudo que Jair Messias Bolsonaro e seus correligionários acreditam, é exatamente o oposto da história e convicção do Tottenham. Um clube que historicamente sempre abraçou as minorias, as diferenças, o respeito e o direito das pessoas viverem do jeito que bem entendem.

O Tottenham colocou o primeiro negro para jogar bola de forma profissional quando isso era um absurdo na Inglaterra. Também é um dos primeiros da história do futebol europeu a reconhecer uma torcida LGBTQIA+ e contribuir para que esse público também pudesse gostar e fazer parte do futebol. E tantas outras coisas que, se depender de Bolsonaro, nunca aconteceriam. Mais ainda, por ele essas pessoas nem existiriam.

Ficar chateado e até querê-lo fora do clube por conta dessas convicções é um direito de quem se sente ofendido por apoiar uma pessoa como Bolsonaro. Assim como é seu direito se manifestar em apoio a ele. Só não dá para querer que todo mundo bata palma para isso.

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