Richarlison, não dá mais

Brasileiro é mais uma vítima da maldição da camisa nove do Tottenham

Pedro Reinert
Galo de Kalsa
4 min readDec 8, 2023

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Sobre a sequência sem vitórias todo mundo já está falando. Sobre a ineficiência do time em criar chances contra adversários retrancados todo mundo já está falando. Sobre a falta que fazem Maddison, Van de Ven e Bentancur todo mundo já está falando. Nada do que eu disser sobre qualquer uma dessas coisas vai soar muito diferente (e também não é como se eu estivesse muito preocupado com elas). Mas, no meio dessa cacofonia desesperada, parece que ninguém está falando sobre Richarlison.

Fazendo total questão de desperdiçar aquela única chance por jogo, todo jogo, na qual ele não está impedido, o brasileiro ainda não deu, em um ano e meio, nenhum retorno tangível para os 60 milhões de libras investidas em sua contratação. E acontece que, em outros tempos (de sarrafo mais baixo), um jogador dissonante em qualidade era só uma parte do grupo que já era quase que todo dissonante em qualidade. Agora, é um entrave. Um estorvo. Um nó na seda.

E honestamente, meu objetivo aqui não é elencar Richarlison na lista de piores contratações da história do Tottenham. É só ter a consciência de que ele *já está na lista* e não deve sair dela. De onde ele deve sair, no fim das contas e pro bem de todos (inclusive do seu próprio), é do clube.

Às vezes eu sinto que a gente não leva a mística tão a sério, mesmo sabendo da imensidão das suas capacidades. Harry Kane, por exemplo, levou. “Quando Jermain [Defoe] foi embora, eu ainda usava a 38. Ele me falou para usar a 18 porque ela fazia gols sozinha.” Fernando Llorente que o diga. E depois de usar e abusar da 18, Kane foi pra 10, e com ela virou o maior atacante da história do clube. Passou longe da assombração.

Usar a 9 do Tottenham é transar em filme de terror. Sinômino de tragédia. E pra domá-la, tem que ser, além de corajoso, muito muito muito muito muito muito bom de bola. Richarlison é dos mais corajosos, certamente, mas não é muito muito muito muito muito muito bom de bola, e (também) por isso não vai sobreviver.

O atacante brasileiro nunca deixou a desejar em entrega, em garra, em fôlego, em disposição, mas de que adianta toda essa impulsão correndo na direção errada? Até sua limitação técnica, que não parecia ser um grande empecilho dentro do esquema de Ange na pré-temporada (e nunca foi problema nos tempos de Everton e Watford), hoje é um dos fatores que mais pesa contra o ataque da equipe. Brennan Johnson, que nem vive fase tão espetacular, domina bolas que Richarlison não dominaria se tivesse oito pernas e conduz jogadas que Richarlison não conduziria se estivesse sobre um trilho.

Na semana passada, inclusive, trombei com a informação de que o Pombo ainda não marcou um gol usando os pés desde que foi contratado. Todos os poucos cinco gols (dois na PL, dois na Champions League, um na Copa da Liga) do camisa 9, neste ano e meio de Tottenham, foram de cabeça. E por isso o gol perdido no segundo tempo contra o West Ham — um cabeceio, justamente, que lambeu a trave adversária — foi sintomático para entendermos que não tem mais jeito. Os milímetros que separaram aquela bola do aconchego das redes também são parte da equação que separa o joio do trigo.

No mais, o que distancia Richarlison de Roman Pavlyuchenko e Fernando Llorente, por exemplo, e o aproxima de Roberto Soldado e Louis Saha é o contexto. O time no qual o brasileiro joga é um time que acabou de perder sua maior referência ofensiva, e portanto está em processo de reinvenção. Pode parecer simplista, mas é mais complexo do que parece: o jeito que o Tottenham marca seus gols está sendo repensado, redesenhado e constantemente testado.

Harry Kane foi a solução primordial ao longo da última década, mas não existe fórmula mágica para substituí-lo (Son, já com 31 anos, não é e não vai ser um centroavante do mesmo nível). E com talentos como Véliz e Donley já integrados ao time principal, este é o momento do clube cogitar possibilidades, fazer experimentos e realmente refletir sobre qual será o plano para voltar a entregar 60, 70, 80 gols por ano.

O Pombo, per se, é um experimento que infelizmente não deu certo. Mesmo carismático e empenhado, recebendo todo o carinho possível, com gol antológico em Copa do Mundo e tudo, é imperativo que, como parte do método científico, ele seja descartado o quanto antes. Será melhor para nós e para ele, que também sofre por não corresponder às expectativas.

Afinal, montando este quebra-cabeça, Ange precisa das peças certas para encontrar logo o encaixe ideal, e Richarlison nitidamente não é uma delas. Só que quanto mais tempo o camisa 9 passar vestindo branco e azul, misturado entre as outras peças, mais tempo o clube vai demorar pra completar o desenho.

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