Se fosse fácil teria graça

A grandeza de Kane exige evidências (ainda) inexistentes

Pedro Reinert
Galo de Kalsa
3 min readJul 12, 2021

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“Não teria graça se fosse fácil”. É o caralho.

Você já viu alguém reclamar por ser feliz demais? O Tottenham, com esse complexo imbecil de embelezar derrotas, é que escava poesias escondidas em quaisquer escombros. Porque tem a narrativa, “processo” isso, “identidade” aquilo e toda aquela mística de quermesse. Coisa de tonto. E eu sou um deles.

A verdade é que eu não poderia ligar menos pra Inglaterra e o seu jejum infindável de troféus, mas um título inglês é um título de Kane e um título de Kane é um título meu, então torci de forma condizente. Mais ainda pelo contexto, pela sede do camisa 10 (9) de estar mais pra cima da estante. E como uma taça é uma taça, a seleção poderia ter lhe dado o que o Tottenham nunca deu, sanando assim seu desejo de ser imortal. Ouvindo bem de pertinho, meu “it’s coming home” dizia “he’s staying home”.

Sequer houve alívio pelo desempenho individual de vice-protagonista (Sterling foi o craque) ou pela campanha coletiva de vice-campeão. De vice-protagonismos e vice-campeonatos eu já me cansei — e ele também.

Foi emblemático, inclusive, o gol italiano que acabou levando a partida para os penais. Depois dos milissegundos caóticos de rebuceteio no meio da área, era ele, o capitão, que ficou como último bloqueador em cima da linha. E até estava no lugar certo, do jeito certo e na hora certa, mas não impediu que o chute mastigado do racista Bonucci terminasse no fundo das redes. Ou seja, mesmo com Kane em forma canônica, seu sonho sempre parece passar a centímetros além.

Existe uma dissonância bizarra entre o que ele entrega e o que ele colhe, é fato. A questão, portanto, é se o entorno é que faz seu caminho mais árduo do que deveria ser, ou se Harry de fato nasceu com uma aura que espanta a glória máxima. E a dias de comemorar 28 aniversários, sendo ícone máximo de clube e seleção, não existem muitas formas diferentes de buscar respostas senão experimentar ares menos empoeirados.

“Não que nosso amor seja insuficiente; é que simplesmente ele pode ter isso e muito mais.”

‘O dia em que ele for embora, do Mateus Pera

Sobre ele não há muito mais o que dizer. Se Kane já tinha a bênção de quem o admira para fazer o que bem entendesse antes deste último domingo, o mole amanhecer da segunda-feira praticamente lhe dá carta branca. Que seja o mais feliz possível, lá ou cá, desde que ser feliz seja mais fácil, mais tranquilo e mais certeiro (lá, então). E que não se sinta fadado ao desalento, porque esse papel é dos tontos. Eu e você.

Algum tempo depois do fim do jogo, minha mãe ligou. Está viajando, férias escolares, mas acompanhou e quis saber. “Torceu muito?”, coisa e tal. “Te falei que o meu time tá uma bosta, né? Agora vai embora o único cara que ainda me faz feliz”. E aí bateu. Meu ídolo vai embora e agora tudo é pior.

Ah, inclusive, mais uma coisa. Gianluigi Donnaruma, por uma ironia dolorida pra cacete, será comandado por Mauricio Pochettino daqui em diante. Porque toda desgraça é pouca — e nós vamos fazê-las bonitas, afinal, que é tudo o que sabemos fazer.

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