Significado e escolha, ou como planejar decisões intimamente difíceis

LeoBrXD
6 min readJan 27, 2017

Artigo original por Kuba Stokalski publicado na seção blogs do Gamasutra

Como game designers, nós nos esforçamos para encher os nossos games com escolhas interessantes. Uma das formas mais poderosas de se conseguir isso é fazê-las significativas: valores tocantes, emoções, conceitos que as pessoas se importam. Alguns criam ficções elaboradas que adquirem importância através da arte do Storytelling. Mas para muitos o santo graal reside em criar sistemas que levem às escolhas significativas organicamente através do gameplay.

O nosso This War of Mine é elogiado por fazer exatamente isso. Por que as escolhas neste game são emocionalmente significativas? Você poderia dizer que é o contexto, civis em tempos de guerra, e você estaria correto de certa forma. Mas uma afirmação comum não é muito útil quando se está tentando melhorar a criação de um game design. Neste post eu gostaria de explorar o conflito central de muitas ações em This War of Mine, e ver como isso pode ser usado em outros contextos.

A motivação do jogador

A primeira coisa que precisamos considerar é a motivação do jogador. Nós usamos diferentes ferramentas para fazer os jogadores progredirem ao longo do game. Além de apresentarmos a eles algo realmente divertido de se jogar, com mecânicas (também conhecido como “o brinquedo”), nós normalmente temos que entregar uma estrutura para a motivação do jogador: Níveis para subir, mapas para explorar, itens colecionáveis, quebra-cabeças para resolver, pontuações altas para superar, histórias para desbravar. Existem muitos padrões, mas todos eles equivalem a presentear o jogador com uma meta externa a “bater o jogo”. Uma motivação externa.

Enquanto todos os games proporcionam aquele tipo de estrutura motivacional, muitos vão além disso. Nós às vezes envolvemos sistemas e mecânicas em uma ficção rica, construindo mundos em que os jogadores querem passar o tempo nele, imergir em papéis que eles acham fascinantes. Estudos mostram que games que permitem aos jogadores interpretar o seu “eu ideal” são mais motivadores que outros. Isto é verdade além do gênero óbvio de RPGs (jogos de interpretação de personagem). Um eu ideal pode ser expressado em Mass Effect tão bem como em Team Fortress — através dos estilos de game e customizações proporcionadas pelas mecânicas do game. Isto é uma motivação interna, decorrentes de nossa concepção de nós mesmos, não uma estrutura externa como um sistema de recompensas.

Os objetivos de uma estrutura externa são alcançadas através das escolhas proporcionadas pelas mecânicas, conforme estas permitam. Digamos que se você jogar um game de sobrevivência: a forma ideal de se sobreviver é acumular o máximo de itens e desenvolver as suas ferramentas o mais rápido possível para se preparar para qualquer desafio que o game lançar a você.

Entretanto, a coerência narrativa do game não faz parte das escolhas ideais. As pessoas se mantém fiéis à ficção sacrificando a eficiência. Por exemplo, elas passeiam pelas cidades principais dos MMOs apesar de ser claramente uma perda de tempo segundo a perspectiva da progressão do jogo. Mas é exatamente o que você deve fazer se a sua motivação pede pela coerência narrativa.

A dissonância do objetivo próprio

Quando estas duas motivações são combinadas para criar tensão, um conflito se desenvolve. É crucial sublinhar que o conflito está entre as motivações do jogador, não entre as camadas do game. Conflitos entre as camadas (gameplay e narrativa) é chamado dissonância ludonarrativa e é geralmente uma coisa ruim. Nathan Drake O Assassino Violento serve de testemunho.

This War of Mine explora o conflito das motivações em uma grande extensão. A forma “ideal” de jogar o game era de coletar o maior número de recursos possível: isto era um game de sobrevivência, com gerenciamento de recursos como parte central do game. Mas a ficção foi iniciada com dilemas morais: Eu devo roubar suplementos médicos de um casal mais velho e que não resistiria a mim? A motivação gamista, focada nos objetivos, disse para você roubar. A motivação narrativa disse o contrário. A maioria das pessoas esperam conseguir manter a moral intocada em tempos difíceis e o game coloca o autoconceito do jogador em teste, gerando uma decisão significativamente difícil.

O mesmo princípio pode ser aplicado a muitos outros games e gêneros: Você mataria uma criatura inocente para conseguir a melhor espada do jogo? Você destruiria a propriedade de espectadores inocentes para garantir um objetivo opcional? Estas escolhas levam às decisões difíceis para os jogadores por causa do seu eu ideal no caminho, não estratégias abstratas que possuem valor apenas dentro do círculo mágico do jogo.

Quando a agenda gamista é persuadida a entrar em conflito com a coerência do seu autoconceito, a mágica acontece. Optando por um leva uma escolha menos ideal em relação a outra. É um perde-e-ganha com eficiência por um lado e desilusão sobre si mesmo no outro.

O personagem

É claro, a motivação do jogador não é toda a história. Depois de todas as pessoas agonizarem sobre medicamentos roubados em This War of Mine, elas estão perfeitamente felizes em uma matança no último Call of Duty. O que ganhamos?

A resposta está no avatar. Nós entramos no círculo mágico voluntariamente, suspendemos algumas restrições que governam o nosso comportamento “no mundo real”. Por isso a motivação do personagem jogador se torna igualmente importante para decisões que realmente façam sentido. Nosso autoconceito deixa de ser apenas sobre aquilo que nós gostaríamos de fazer em uma situação específica, mas o que nós gostaríamos de fazer se nós fôssemos o personagem que estamos representando.

Se o game nos pede para calçarmos as botas de um super soldado, nós estaríamos perfeitamente felizes em matar dúzias dos “caras maus”, é isso que os super soldados fazem. Mas problematizando, temos como exemplo o (nada)famoso nível “No Russian” em Call of Duty: Modern Warfare 2, de repente você está em um nível em que tem pessoas desarmadas dos pés à cabeça e você não consegue disparar uma bala sequer e o game perde o propósito. Tudo porque o autoconceito dos jogadores se estendeu ao papel de um soldado e este não inclui executar montanhas de civis desarmados. Como bônus, ganhamos muita controvérsia.

Os riscos

Entretanto existem várias formas de isso produzir efeitos negativos. Jogadores se engajam em games para experimentar alguma coisa positiva, mesmo que seja felicidade catártica através de lágrimas. Se você apresenta as escolhas baseadas em eficiência vs. autoconceito, é melhor você ter certeza de que nenhuma dessas escolhas levam a uma experiência de gameplay inferior. Dishonored, outro excelente título, pune você narrativamente por jogar com as ferramentas que ele lhe deu. Abusando da beleza, profundidade e gratificante sistema de combate leva a um estado no mundo do game que é indesejável se o seu autoconceito demanda que você seja “bom”. Este é um perfeito e válido dilema para se ter, você não pode ser “bom” por se comportar de forma violenta por aí, cortando gargantas e fazendo ratos devorar pessoas. O problema é que aquela alternativa (jogar furtivamente) poderia ser comparado a uma forma menos satisfatória de se jogar. Consequentemente a dissonância do objetivo/narrativa leva a uma experiência não satisfatória ao invés de uma escolha que faça sentido.

Resumindo

Mesmo que o conflito entre o autoconceito do jogador e a agenda gamista não seja adequado para o uso em todos os games, eu o encorajaria a mantê-lo em sua mente, especialmente se você visa escolhas que façam sentido e assuntos nada triviais em seu game. Afinal, a vida é muitas vezes sobre a escolha entre o que é divertido/eficiente/fácil e o que realmente vale a pena. Games construídos sobre esta tensão podem ser verdadeiramente algo diferente.

Agradecimentos

Agradeço ao Artur Ganszyniec (@garnek) e Marta Fijak (@YerisTR) pelo feedback sobre este artigo.

Sinta-se à vontade para me contatar @qoubah

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LeoBrXD

I assist designers and companies in crafting enhanced player experiences.