A beleza de Elden Ring (2022)

Iasmin Barbosa
Game Clube
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10 min readMay 31, 2024

However ruined this world has become, however mired in torment and despair, life endures. Births continue. There is beauty in that, is there not?” (Elden Ring, 2022)

Em sua entrevista para a IGN, o diretor da série Souls, Hidetaka Miyazaki, expôs que incorporar elementos de aventura, exploração e liberdade sempre foi o foco para o desenvolvimento do seu mais recente título, Elden Ring (2022). Dessa forma, após algumas horas de gameplay, é quase impossível dizer que ele falhou nesse sentido.

Em Elden Ring (2022), nós começamos o jogo após a destruição do Anel Prístino dentro das Terras Intermédias, onde teremos o controle de um Maculado, que seria um indivíduo que foi exilado desse mundo. O objetivo do jogador aqui vai ser restaurar o anel, ao recuperar as Grandes Runas, e se tornar o Lorde Prístino.

Sendo um jogo que recebeu um estilo de mundo aberto, o diretor Hidetaka Miyazaki disse que recebeu diversas influências de jogos como The Witcher 3 (2015), a série The Elder Scrolls e o mais recente The Legend of Zelda: Breath of the Wild (2017) durante uma conversa com a Xbox Wire Japan. Para a criação da sua narrativa, também houve a colaboração do autor George R.R. Martin, conhecido pela série de livros Game of Thrones. Apesar de não ter escrito diretamente nenhum diálogo ou texto, o autor ajudou na construção de mundo e na mitologia presente no Elden Ring (2022), e, se olharmos mais a fundo a lore da obra, é possível notarmos alguns padrões envolvendo as dinâmicas familiares presentes no jogo com as histórias dos seus livros.

Fonte: IGN Portugal

Se eu pudesse descrever Elden Ring (2022) em apenas uma palavra, acho que seria justo escolher o termo “liberdade”. É a ideia de que jogador pode ser livre para interagir com esse mundo da maneira que desejar e de criar a sua própria e única jornada. É óbvio que, como qualquer outro jogo, ele vai possuir regras e limitações, mas, mesmo assim, é inegável o quanto essa obra transmite um forte sentimento de liberdade e aventura. Nas minhas primeiras horas, testei até que ponto o jogo me deixava ir e pude conhecer alguns lugares até então desconhecidos, como o misterioso Rio Siofra, localizado no subterrâneo, e a desafiadora Caelid, com os seus inimigos monstruosamente assustadores e a podridão escarlate consumindo todo a região. Por se tratar de uma obra de mundo aberto, a não linearidade será, portanto, um fator fundamental, visto que esta é uma característica essencial desse estilo de jogo.

Existem diferentes formas de se construir o mundo de um jogo. Alguns vão possuir uma estrutura mais linear, em que é preciso ir progredindo de fases para desbloquear novas áreas, fazendo com que o jogador tenha que, portanto, cumprir as missões e tarefas caso ele queira avançar. Nesses casos, é utilizado, normalmente, barreiras físicas ou paredes invisíveis para impedir o seu progresso. Podemos observar esse tipo de estrutura em franquias aclamadas, como a própria série Resident Evil.

A estrutura consagrada dos jogos digitais sempre foi a da progressão de fases, onde é preciso cumprir uma série de tarefas ou missões para percorrer um espaço em sua integralidade e com isso “abrir” a passagem para o espaço seguinte, passar de fase (Barbosa, 2014, p.20).

Essa é só uma das formas de se construir um jogo. Também somos capazes de observar algumas obras que vão possuir uma estrutura mais aberta, não linear, em que o jogador poderá tomar diferentes tipos de caminhos para avançar. Esse é o caso dos jogos open world. Neles, teremos uma maior liberdade de interagir com o seu mundo, podendo explorá-los de diversas formas, visto que as suas barreiras de progresso serão menores.

Devido à natureza não linear dos jogos de mundo aberto, os pontos de interesse são projetados para serem acessíveis a partir de múltiplas direções e perspectivas. O ponto de vista de alguém ao abordar um objetivo definirá seus meios de interação com os obstáculos em torno desse objetivo, refletindo ainda mais o estilo de jogo do próprio jogador e criando experiências de jogador divergentes (Vidqvist, 2019, p. 13, tradução nossa)

Em Elden Ring (2022), conseguimos observar esse conceito sendo aplicado perfeitamente na prática. Por ser um jogo open world, podemos explorar o seu mundo de diferentes formas, criando, assim, jornadas únicas. Possuindo poucas barreiras de locomoção, é possível que os jogadores possam acessar algumas áreas logo no início da gameplay, sem ter avançado nas quests principais ou derrotado algum grande boss.

Geralmente, as boss fights vão ser utilizadas aqui como barreiras para os avanços dos jogadores. Pensando nos primeiros grandes chefões do jogo, o Margit, por exemplo, impede o nosso avanço para a área do Stormveil Castle, sendo necessário, então, derrotá-lo para entrarmos nesse local. Contudo, em alguns casos, vai ser possível contornar esses combates.

Ao entrar no Stormveil Castel, após a luta com o Margit, podemos encontrar um segundo grande boss chamado Godrick, o Enxertado. Por ser um semideus, ao derrotá-lo, o jogador receberá uma Grande Runa como recompensa. Além disso, pode ser natural pensar que é necessário enfrentá-lo para desbloquear a próxima área do jogo, conhecida como Liurnia. Contudo, é possível que um caminho alternativo seja trilhado. O jogador pode optar pela alternativa de percorrer um acesso externo, ao redor do castelo, e avançar para essa nova região sem precisar enfrentar esse boss, tornando-o, então, um inimigo opcional. Nesse sentido, teremos a possibilidade de escolher diferentes caminhos que vão nos levar para um mesmo objetivo, fazendo com que grandes chefes, ou, até mesmo, áreas inteiras possam ser evitadas, sem interferir no avanço do jogador.

Fonte: Elden Ring (2022)

Porém, isso não significa que o jogador será livre para evitar todos os elementos presentes nessa obra. Como sabemos, todo jogo possui suas limitações e regras e, no caso dos open world, é preciso que haja um equilíbrio entre a liberdade fornecida e as restrições do seu sistema. Em Elden Ring (2022), isso não vai ser diferente. Para conseguir avançar na região de Leyndell, a Capital Real, é necessário que o jogador tenha em sua posse pelo menos duas Grandes Runas, que, como foi visto, só podem ser adquiridas após o combate com um semideus. Dessa maneira, o jogo começa a impor algumas barreiras para a sua locomoção, interferindo, diretamente, no avanço da sua gameplay.

Apesar da existência dessa barreira, o jogo não informa quais Grandes Runas são necessárias, apenas a quantidade, dando a entender que o jogador pode escolher quais semideuses ele vai enfrentar. Consequentemente, isso cria um leque de possibilidades, visto que ele pode optar por qualquer um disponível que seja anterior ao território de Leyndell, como o próprio Godrick, a Rennala, presente em Liurnia, o Radahn, em Caelid, e entre outros. Logo, não teremos uma ordem específica de boss fights, pelo menos durante a grande parte da gameplay, e vamos ter a possibilidade de explorar o jogo da ordem que desejarmos, não sendo forçados a seguir apenas um caminho específico. E isso não se limita apenas aos combates. Teremos certos locais, como é o caso das catacumbas, e, até mesmo, territórios inteiros, como a própria Caelid, que serão completamente opcionais, sendo uma decisão nossa, então, explorar essas áreas.

Fonte: Elden Ring (2022)

Outro ponto importante na construção de mundo de Elden Ring (2022) é que o seu sistema não costuma adicionar marcadores e nem mesmo um histórico de progresso das quests, algo comum em outros jogos. Sem esses guias, vai ser necessário que o jogador vá se orientando por si só, existindo a possibilidade de inserir suas próprias marcações pelo mapa. Em alguns momentos, o jogo até dá uma ajudinha ao jogador, fornecendo dicas sobre as direções que podem ser seguidas, seja por meio dos diálogos dos NPCs ou pela orientação das graças. Mas, no geral, ficamos por conta própria na exploração do jogo.

Eu acredito que um dos fatores que mais me motivou e colaborou com a minha exploração foi a curiosidade. Essa curiosidade conseguiu despertar em mim um desejo de investigar mais a fundo esse mundo e de desvendar os seus segredos, fazendo com que, algumas vezes, eu acabasse descobrindo para onde eu “deveria” ir ou, pelo menos, encontrasse locais diferentes, nos quais eu não tinha visitado antes.

Contudo, não importava o quanto eu explorasse, eu sempre chegava na mesma conclusão em todos os lugares, até mesmo nos mais assustadores: aquele mundo era repleto de beleza.

Fonte: Elden Ring (2022)

Ao entrar em Limgrave pela primeira vez, é muito difícil não suspirar com a beleza do lugar. Somos capazes de ver grandes áreas de mata, que vão misturar as cores verde e amarelo, e um enorme e alto castelo sob um céu claro. Porém, o que mais chama atenção é uma imensa e brilhante árvore, comumente chamada de Térvore no mundo do jogo, avistada dentro do cenário. É impossível não notar a sua presença. É como se ela estivesse dizendo ao jogador que ali será o final da sua jornada e que ir na sua direção faz parte do seu destino.

Fonte: Elden Ring (2022)

A construção do espaço aqui é constantemente utilizada como uma forma de comunicar algo para o jogador. A presença da Térvore desperta uma certa curiosidade e deixa subentendido para quem está jogando que ela é um elemento importante dentro do jogo. Isso não vai se restringir apenas a esse componente, visto que somos capazes de perceber diversos fragmentos narrativos incorporados no ambiente virtual. A figura da Marika, por exemplo, é um deles.

É justo dizer que a Marika está em diversos lugares no jogo. Contudo, ela não se encontra em pessoa, mas sim dentro do design do espaço. Podemos observar igrejas que levam o seu nome, com estátuas representando sua imagem, ouvir os seus ecos deixados em alguns locais específicos e interagir com estacas que possuem o seu nome e figura, que vão servir como um ponto de respawn dentro do jogo. Marika está em quase todos os lugares, mas, ao mesmo tempo, não está, e tudo isso demonstra a sua importância dentro da narrativa.

Fonte: Elden Ring (2022)

Quando observamos de perto a construção visual das regiões do mundo de Elden Ring (2022), também somos capazes de enxergar diversos outros elementos que vão ressoar com a narrativa. Caelid, por exemplo, é um ambiente hostil por conta de uma batalha que ocorreu no seu passado entre duas figuras importantes dentro da história, Radahn e Malenia, que acabou infestando a região de podridão escarlate. Por esse motivo, toda essa área é marcada por inimigos com um aspecto monstruoso e um tom avermelhado intenso, demonstrando, assim, as consequências da podridão no seu ambiente.

E isso nos leva a notar a forma como o jogo faz um forte uso de cores específicas para representar cada território. Como vimos anteriormente, Caelid é marcada majoritariamente com um tom avermelhado dentro da sua extensão. Sendo a região conhecida pela magia, Liurnia, por outro lado, possui uma forte tonalidade azulada. Enquanto isso, Leyndell, fazendo parte da área de Altus Plateau, tem um aspecto mais ligado ao dourado. E, dessa forma, cada território vai deter de uma estética e, consequentemente, de um ecossistema próprio, possuindo, assim, características singulares que vão construir uma diversidade de ambientes para serem explorados.

Fonte: Reddit

Essa diversidade vai influenciar não só nas cores como também nos tipos de inimigos presentes em cada área. Ao explorar Liurnia, por exemplo, podemos encontrar alguns adversários que vão possuir habilidades mágicas ou, pelo menos, terão uma certa resistência a esses ataques, e isso ocorre devido a ligação que esse território possui com a magia. Leyndell, sendo um outro caso, terá mais cavaleiros e soldados como inimigos justamente por se tratar da Capital Real. E é dessa maneira que o jogo vai construindo uma diversidade dentro dos seus territórios, fazendo com que cada um deles possua características particulares.

Seria possível continuar falando de inúmeras outras características positivas presentes em Elden Ring (2022), mas isso não significa, necessariamente, que o jogo seja perfeito. Em alguns momentos, ele pode se tornar meio repetitivo na estruturação de determinadas áreas, como nas suas catacumbas, por exemplo, que vão seguir dinâmicas parecidas entre si. Outro ponto importante é que a parte final da sua gameplay vai tomar um rumo mais linear, diminuindo as possibilidades de interação do jogador, em que teremos uma certa ordem de boss fights que não podem ser evitadas. Além disso, a sua dificuldade também pode ser algo que vai afastar algumas pessoas que não estão acostumadas com o gênero Soulslike, conhecido por possuir uma dificuldade quase que punitiva.

Apesar de possuir esses pontos mais “negativos”, acredito que eles não cheguem nem perto de suprimir as características positivas desse jogo. Sendo o desejo do seu criador, Elden Ring (2022) consegue perfeitamente gerar uma sensação de aventura nos seus jogadores, convidando-os a explorarem o seu ambiente virtual e confiando o suficiente nas suas habilidades para que eles sejam capazes de construir as suas próprias jornadas. Mesmo sendo repleto de inimigos, perigos e ruínas, é inegável o quanto esse mundo é belo, sendo capaz de despertar uma certa curiosidade nos seus jogadores e, também, instigá-los a descobrirem os seus segredos. Dessa maneira, é possível dizer que Hidetaka Miyazaki acertou em cheio na construção desse jogo.

Referências Bibliográficas

BARBOSA, Rodrigo Campanella Gonçalves. JOGANDO COM A CIDADE:: A construção das ações no espaço urbano nos jogos digitais de mundo aberto “Bioshock” e “Grand Theft Auto IV”. 2014. Dissertação de Mestrado. Universidade Federal de Minas Gerais, [S. l.], 2014.

VIDQVIST, Joel. Open-world Game Design: Case Study The Legend of Zelda: Breath of the Wild. 2019. Tese de Bacharelado. Tampere University of Applied Sciences, [S. l.], 2019.

KIM, Matt. Two Years After Elden Ring, Miyazaki Trusts the Players to Figure It All Out. [S. l.]: IGN, 20 mar. 2024. Disponível em: https://www.ign.com/articles/elden-ring-shadow-of-erdtree-director-hidetaka-miyazaki-look-back-interview-profile. Acesso em: 30 maio 2024.

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Iasmin Barbosa
Game Clube

Graduanda em Estudos de Mídia na UFF e escrevo umas coisinhas às vezes.