A nova era de Fall Guys

Gratuito e em novas plataformas, jogo tem futuro mais promissor do que nunca (com alguns poréns)

Lucas Oliveira
Game Clube
5 min readJul 21, 2022

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No segundo semestre de 2020, quando não tínhamos a menor perspectiva de tomar uma vacina, quando o Pantanal estava ardendo em chamas e quando o Brasil fazia memes com uma nota de R$200, Fall Guys era uma das poucas coisas capazes de injetar um pouco de serotonina no meu cérebro e me distrair de toda a desgraça que acontecia na época.

Dois anos depois, a intensidade com que as desgraças acontecem não diminuiu nem um pouco, mas eu fico minimamente feliz em pensar que a capacidade do jogo da Mediatonic de me botar pra cima também não diminuiu. E agora, com a maior atualização que o jogo já teve, essa grande injeção de ânimo no formato de jujubas fantasiadas tem tudo pra ser mais feliz do que nunca.

No último dia 21 de junho Fall Guys passou por uma espécie de reboot: não só se tornou um jogo grátis para baixar e jogar, como também reiniciou a contagem de temporadas com o novo season pass intitulado Free For All (no Brasil, “Grátis Para Todos”), além de ter chegado a plataformas inéditas como Xbox e Switch.

O sucesso do novo modelo pode ser medido em números: a Mediatonic afirma que, com duas semanas de temporada nova, Fall Guys foi jogado por mais de 50 milhões de jogadores desde que se tornou free to play, o que é no mínimo admirável, já que isso significa que o game atingiu tal marca mais rápido do que alguns dos maiores shooters gratuitos de todos os tempos, como Fortnite, Call of Duty: WarZone e Apex Legends, que levaram entre 4 e 16 semanas para ter um número parecido.

Os números com certeza agradam os desenvolvedores e investidores, mas a perspectiva do consumidor final talvez seja a mais importante: a disponibilização gratuita do jogo em uma grande variedade de plataformas tem feito maravilhas a Fall Guys. Não que o jogo tenha deixado de ser relevante desde seu lançamento, mas é seguro dizer que ele deve ter picos de acesso nunca antes vistos até então. Basicamente, tem muita gente experimentando Fall Guys pela primeira vez. Ou de novas formas. Eu, por exemplo, finalmente posso jogar “de dois” com meu roomate, algo que há dois anos comentamos continuamente. “Imagina se tivesse multiplayer local, ein”, uma frase que sempre saía quando perdíamos e tínhamos que passar o controle. Com um PlayStation 4 e um Switch na mesma sala, bem, agora temos multiplayer local.

A presença de donos de Xbox e Switch no jogo tem causado o retorno de um interessante fenômeno, que é a descoberta das dores e das delícias de se jogar Fall Guys. Em 2020 era comum que minha timeline do Twitter mostrasse os mais diversos conteúdos criados a partir das experimentações que as pessoas faziam no jogo: desde clipes de jogadores passando raiva com o game (na época, entendido como sendo uma disputa “muito difícil”), momentos fofos com players ensinando outros players a jogar — mesmo que sem diálogos verbais — e claro, a eventual primeira e emocionante vitória.

Em 2022 tudo isso volta a acontecer, e eu fico super feliz que mais pessoas estão fazendo essas descobertas e interagindo com uma obra que até hoje me traz tanta diversão.

Enquanto isso, a discussão sobre “skill gap” volta com tudo. A discrepância de habilidade entre alguns jogadores (sobretudo entre os que jogam a mais tempo e os que chegaram agora) é real — o que não é algo exatamente ruim, visto que outros grandes jogos com grandes bases de jogadores também possuem essa discrepância. Eu mesmo já tentei gostar de League of Legends muitas vezes, e não consigo muito pelo skill gap do título, que pra mim é gigante.

Streamers famosos de jogos como Halo e Call of Duty: WarZone têm entrado na brincadeira e afirmado que o skill gap de seus respectivos jogos é menor do que o de Fall Guys, reforçando que as mecânicas do game de jujubas propiciam o surgimento de jogadores que têm uma habilidade ímpar, que não se baseia em sorte, e que gera situações em que outros jogadores simplesmente pensem “tá, é impossível ganhar nesse jogo”.

Apesar disso, e por mais acirradas que sejam as provas de Fall Guys, essa é uma comunidade de jogadores saudável. Os puxões e empurrões nas corridas não são capazes de criar a toxicidade tão presente em outros grandes jogos e tenho a certeza de que a chegada dos novos públicos tem muito a somar a essa comunidade de jujubas saltitantes.

Como nem tudo são flores, é impossível comentar a nova temporada sem citar alguns pontos negativos que vêm com ela. Para mim, o principal problema é a nova moeda interna do jogo, a “bufunfa”. Se antes era possível comprar quase que qualquer item cosmético simplesmente jogando o game até juntar “créditos” (uma outra moeda interna, que ainda existe nessa nova versão do game) o suficiente, Fall Guys agora oferece skins e pacotes de skins premium que brilham os olhos de qualquer jogador. De Master Chief a Chapolin Colorado, essas novas skins são belíssimas, mas só podem ser compradas com as bufunfas que, por sua vez, são adquiridas com dinheiro real. Uma decepção, pois ter as vestimentas de Chapolim em sua jujuba faria o dia de qualquer jogador latino americano. Fall Guys em si se tornou mais acessível, mas o mesmo não se pode ser dito da customização dos personagens. Muito pelo contrário.

É o clássico bittersweet dos jogos gratuitos. De um lado, maior acessibilidade ao jogo em si. Do outro, um modelo de negócio que, para o usuário recorrente, chega a ser no mínimo frustrante (eu realmente queria aquela skin de Chapolin Colorado!).

Embora frustrante, a nova monetização de Fall Guys não é um fator tão determinante na experiência dos jogadores quanto a energia caótica, cômica e descompromissada a qual o jogo é movido. É essa mesma poderosa energia que tem até mesmo gerado novos battle royales com provas sequenciais (fallguys-like?) como o clone Stumble Guys — sucesso no mobile — e o recém anunciado Kirby’s Dream Buffet, da Nintendo.

No fim do dia, talvez a memética comparação com as Olimpíadas do Faustão não faça mais tanto sentido: sai o gostinho amargo de final de domingo que o ano de 2020 tinha, e começa uma nova era, mais colorida, mais acessível e com um futuro brilhante. Quase uma sexta-feira =)

Lucas Oliveira é graduado em Estudos de Mídia e aluno de mestrado no Programa de Pós-graduação em Comunicação da Universidade Federal Fluminense — PPGCOM/UFF. Concentra sua pesquisa na área de experiência estética com jogos eletrônicos, especialmente nas práticas de lentidão associadas ao movimento de slow gaming.

Fontes: Twitter, Polygon e Kotaku. Acesso em 20 de julho de 2022.

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Lucas Oliveira
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Media Student; Video Game Researcher; Digital Product Professional.