As referências gamers do Bring Me The Horizon em POST HUMAN: Survivor Horror

Lucas Oliveira
Game Clube
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6 min readSep 23, 2022

[…] Faixas como ‘Obey’ e ‘Ludens’ parecem grandiosas quando colocadas lado a lado com o som das suas balas exterminando ondas e ondas de aliens/zumbis/moradores de Animal Crossing.

Assim fala Josh Gray, jornalista musical do site Clash, em sua análise de POST HUMAN: Survivor Horror, o último EP da banda britânica Bring Me The Horizon. Lançado em outubro de 2020, o perfeito equilíbrio entre experimentação e nostalgia com que o disco foi criado fez com que ele caísse nas graças não só de fãs de longa data da banda, mas também de fãs de rock e metal num geral. Com uma sonoridade bem pesada que anda orquestrando muitos mosh pits mundo à fora e parcerias com artistas diversos que trazem um frescor muito bem-vindo à cultura do metal, POST HUMAN mostra o que o Bring me the Horizon tem de melhor e cementa de vez a banda como um dos grandes nomes do rock contemporâneo.

Fazer uma crítica musical clássica do disco, porém, seria chover no molhado. Passados quase dois anos do lançamento da obra, o que me resta é jogar luz sobre suas referências vindas diretamente dos videogames e que sempre me intrigaram. E, verdade seja dita, que bom que isso é o que me resta!

Tudo começa com o nome do disco: para aqueles que não estão acostumados, survivor horror é um dos mais clássicos gêneros de videogame e, por mais que já tenha visto dias melhores e mais populares, é não só a origem como o fio condutor de grandes franquias como Silent Hill, Outlast, Resident Evil e Amnesia. O subtítulo em questão surge a partir das percepções apocalípticas que a banda vivia durante o auge da quarentena ocasionada pela pandemia de Covid-19, em 2020.

Um cenário de terror, onde na rua pessoas sofriam com uma doença até então sem cura ou vacina, e onde o único lugar minimamente seguro era dentro de casa.

Foi justamente nesse período pandêmico que o vocalista Oliver Sykes voltou a jogar videogames por mais tempo e acabou se apaixonando por DOOM Eternal e sua música fortemente inspirada pelo metal. “Enquanto jogava, eu fiquei completamente apaixonado pela trilha sonora. É muito louca, é pesada pra caralho”, chegou a contar ao site Alternative Press às vésperas do lançamento de Post Human.

Após abrir o disco com a brutal “Dear Diary,”, o Bring me the Horizon abraça o subtítulo do álbum em sua mais direta referência gamer, na forma da faixa “Parasite Eve”. Indiretamente inspirada pelas aventuras demoníacas de Sykes por DOOM Eternal — e pelo já citado cenário apocalíptico mundial — “Parasite Eve” contou com a única colaboração especial que uma faixa como essa poderia ter contado: a do compositor Mick Gordon, responsável justamente pelas trilhas de DOOM e DOOM Eternal.

A sobreposição cyber futurista pela qual a sonoridade da canção é coberta ganha versos que são a cara de 2020, como “this is a war” e “when we forget the infection, will we remember the lesson?” — o que alguns diriam que são referências diretas, respectivamente, à corrida científica pelas vacinas e aos trumpistas e bolsonaristas espalhados pelo mundo.

O talento de Gordon para a heavy metal game music (!), somada às referências líricas pandêmicas de Sykes e companhia recebe como cereja do bolo o título da música, diretamente inspirado pela franquia de horror de sobrevivência Parasite Eve, desenvolvida e publicada pela Square ao longo da década de 2000, e a qual a banda já oficialmente confirmou que é a fonte de inspiração para o nome da música.

O primeiro jogo da série é centrado em Aya Brea, uma policial de Nova Iorque que está tentando parar Eve, uma mulher que planeja destruir toda a vida na Terra através de combustão espontânea. Um terror dramático tão sci-fi quanto os games da franquia Resident Evil, Parasite Eve se baseia em temas como surtos de doenças, pandemias e vírus para criar um ambiente de horror biológico que é claramente identificável nas letras da música do Bring me the Horizon.

Apesar de sabermos que Oliver Sykes é um grande fã de video games, até hoje não fica claro se o vocalista de fato jogou Parasite Eve. No auge da pandemia de Covid-19, período em que mais interagia com jogos, Sykes afirmou ter jogado Resident Evil 3 e Ghost of Tsushima, além do já citado DOOM Eternal, por exemplo. Mas é de outra franquia que surge inspiração para aquela que é provavelmente a faixa mais popular de todo o Post Human.

Além de dar nome à fantástica colaboração do Bring me the Horizon com o grupo de kawaii metal japonês Babymetal, “Kingslayer” é ainda um modo de jogo em Call of Duty: WarZone.

Disponibilizado por um período limitado de tempos em tempos, o modo divide players em várias equipes até que eventualmente alguns jogadores que se destacaram na partida são declarados “kings”, e os outros jogadores devem eliminá-los.

Em entrevista ao portal NME, Sykes não só chegou a confirmar que o nome da música teve inspiração em Call of Duty, como também afirmou que a letra é uma analogia às autoritárias ações de Donald Trump que, na época, havia acabado de condenar o movimento ANTIFA como sendo um grupo terrorista. “Ao condenar um grupo anti fascista, então ele basicamente está se declarando um fascista”, diz.

Se “Kingslayer” é sobre destruir os reis que operam os sistemas ditatoriais, é possível estabelecer afinadas conexões entre essa faixa e outras canções do disco, desde as já citadas “Dear Diary,” e “Parasite Eve”, até “Obey” — afinal de contas, em um mundo onde milhões adoecem e morrem por negligência governamental, eventualmente o único caminho que nos resta é a revolta contra essa monarquia contemporânea.

Embora tenha sido o primeiro single do disco, “Ludens” é uma das últimas faixas de Survivor Horror e parece servir como uma cereja nesse bolo de referências gamers. Em latim, a palavra se refere justamente a “jogo”, “brincadeira”, “toque”, “prática” — e aos seus verbos correlatos, como “jogar”.

Ludens” foi originalmente revelada como parte de Timefall, a trilha sonora oficial de Death Stranding, e faz jus ao jogo. Com versos cheios de referências à falas do game da Kojima Productions e letras que tratam de desastres ambientais, comunicação mediada por tecnologia e a (des)conexão entre as pessoas, “Ludens” amarra bem toda a narrativa construída ao longo do disco ao equilibrar o tom de protesto com as referências diretas ao game.

“Como estabelecer uma conexão se mal conseguimos fazer um aperto de mãos?”, questionam tanto Oliver Sykes quanto Higgs, antagonista de Death Stranding. Um verso que faz pensar não só sobre isolamentos sociais em tempos de Covid, mas principalmente sobre o mundo contemporâneo hiper conectado — em termos tecnológicos — mas que, ao mesmo tempo, parece apresentar uma questionável e limitada conexão mental e afetiva entre seus habitantes.

De onde poderia partir a verdadeira mudança rumo à real conexão humana e o conserto daquilo que há de errado no mundo? Para Sykes e banda, não precisamos mais de líderes para nos guiar nesse sentido, pelo menos não de líderes no sentido clássico do termo. “Greta Thunberg nos mostrou que podemos ser nossos próprios líderes. Não precisamos esperar por outras pessoas [para que elas nos liderem]”, diz o vocalista à NME.

Curiosamente, em alguns cantos da internet é possível encontrar o termo “ludens” sendo traduzido para “líder” — uma tradução questionável mas que, em alguma medida, estabelece relação com essa camada da faixa e até mesmo com a história de Death Stranding, se considerarmos os papeis de personagens como Sam Bridges e Amelie.

A título de curiosidade — na maior energia “você sabia?” — é impossível deixar de comentar que Ludens é ainda o nome do mascote da Kojima Productions, batizado como referência ao termo “Homo Ludens”, cunhado por Johan Huizinga na clássica, debatível e homônima obra quase que onipresente na área dos game studies, publicada em 1938. O slogan do estúdio, inclusive, é “From Sapiens to Ludens”.

POST HUMAN: Survivor Horror já é um dos grandes discos da década atual. Pesado, pop, obsceno e dançante, tudo ao mesmo tempo. Tem sua generosa dose de crítica social foda™ — tão necessária no cenário do metal — e trás ainda as camadas de dereferência aos videogames — tão interessantes para qualquer um que escuta metal e joga videogames.

Planejado para ser uma quadrilogia de EPs, agora é o momento de imaginar o que a sequência de Survivor Horror nos reserva. POST HUMAN: Metroidvania? POST HUMAN: First Person Shooter? Talvez não tenhamos que esperar muito, visto que o próximo capítulo dessa obra deve chegar ainda em 2022. Até lá, espero que Oliver Sykes esteja afiado em suas próximas referências.

FONTES: Tenho Mais Discos Que Amigos, AlternativePress, YouTube, Call of Duty Fandom, NME, Genius.

Lucas Oliveira é graduado em Estudos de Mídia e aluno de mestrado no Programa de Pós-graduação em Comunicação da Universidade Federal Fluminense — PPGCOM/UFF. Concentra sua pesquisa na área de experiência estética com jogos eletrônicos, especialmente nas práticas de lentidão associadas ao movimento de slow gaming.

FONTES: Tenho Mais Discos Que Amigos, AlternativePress, YouTube, Call of Duty Fandom, NME, Genius.

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Lucas Oliveira
Game Clube

Media Student; Video Game Researcher; Digital Product Professional.