Bullet Hell, Touhou Music, Hokuto no Ken e Tiktok

Dara Coema
Game Clube
Published in
14 min readMar 9, 2021

Coreografias, desafios, memes, militância, música, arte e milhares de POVs[1]. Um mundo diverso de vídeos de até um minuto é o que oferece a plataforma chinesa Douyin, ou como é conhecida fora de seu país de origem: TikTok. Você pode não ver o apelo reconhecido por milhares de usuários ou até criticar o aplicativo, que inclusive foi o mais baixado de 2020 de acordo com as estatísticas oferecidas pelo App Annie. Ou então você pode ser como eu, que adora explorar vídeos e tendências e acaba nos cantos mais criativos (e sombrios) do Tiktok. Já deu uma olhada no #arttiktok, hoje? Ou então no #frogtiktok, se for um amante de anfíbios…

[1] POV (Point Of View) ou ponto de vista é o termo utilizado para se referir à vídeos interpretados e filmados com o propósito de que o espectador os consuma numa perspectiva de primeira pessoa.

Ranking de aplicativos segundo o relatório de fim de ano da empresa e app Annie, que analisa o uso mundial de aplicativos móveis em 2020.

Independente de gostos, o que ninguém pode negar é que o aplicativo da empresa de tecnologia ByteDance, lançado na China em 2016, é uma plataforma que virou febre internacional e possui um poder viralizador MUITO grande. São diversas as tendências, ou TikTok Trends, e desafios criados pelos usuários do aplicativo e disseminados em vídeos curtos que podem ser editados com músicas, áudios personalizados, efeitos especiais e filtros. Quando os famosos challenges atingem o status de viral, são reproduzidos e reinterpretados em duetos ou novos vídeos que muitas vezes trazem formatos e ideias diferentes da proposta inicial. Uma mesma música pode viralizar e ser utilizada tanto em vídeos de dança ou memes, como em vídeos de arte, maquiagens, e atuações de pequenas esquetes.

Com um algoritmo baseado numa inteligência artificial que dá preferência à exibir na página inicial de seus usuários (a For You Page ou FYP) os vídeos mais populares do momento, levando em conta também a localização e o consumo passado da pessoa, esse poder viralizador do TikTok entra em ação quando músicas atemporais como Dreams da banda Fleetwood Mac são redescobertas e artistas de estúdio como Doja Cat (com cerca de oito músicas virais no aplicativo, a principal sendo o hit Say So) , Lil Nas X e DaBaby ou mesmo músicos independentes, como no caso de Curtis Waters e seu hit de 2020 “Stunnin”, alcançam números surpreendentes não só dentro do aplicativo, mas também em rankings musicais como a Billboard e plataformas como o Spotify, onde são criadas playlists como “TikTok Songs 2021”, “Tiktok Hits” e “Viral Hits”.

Omae Wa Mou, de deadman死人 , o hit viral que incentivou a produção desse texto.

“Omae Wa Mou”, do produtor deadman死人, é um exemplo de hit que viralizou no aplicativo e acabou no primeiro lugar no chart global “Viral 50”, do Spotify. Mas o que todo esse assunto tem a ver com jogos, além do fato de que, sim, o TikTok possui uma nicho para aqueles que são fãs de jogos, o #gamertiktok? Bom, para explicar um pouco sobre o fenômeno da música “Omae Wa Mou” nós temos que voltar alguns anos. Em 2019, quando a canção estourou entre os usuários da plataforma chinesa, Noah Ryan Murphy, ou deadman, tinha apenas 18 anos. O hit era um prato cheio para a cultura pop e o mundo nerd. Começando com uma base de cordas no estilo bossa nova e uma melodia contagiante, a música recebe uma batida de bateria hi-hat moderna para acompanhar e logo nos 15 segundos, uma surpresa: a famosa frase do mangá e anime Hokuto no Ken, “Omae wa mou shindeiru” ou, traduzida do japonês, “Você já está morto”, um meme da internet que segundo o website Know Your Meme surgiu em 2010 e é utilizado hoje em diferentes cenários e formatos, inclusive em remix e paródias de vídeos.

Cena do anime Hokuto no Ken que deu origem ao meme “Omae wa mou shindeiru”.

Além da expressão famosa nas redes, o vocal principal também é cantado em japonês, em um soprano doce e agudo clássico de dublagens femininas de anime no estilo “moe”, um termo utilizado principalmente entre a comunidade de fãs de mangás e animes para se referir à personagens fofas e adoráveis. Esse estilo de canto pode ser observado entre algumas artistas japonesas de jpop, como Kyary Pamyu Pamyu, e também se aproxima ao vocal irreal de Hatsune Miku, um software de voz da empresa Crypton Future Media que utiliza a tecnologia de sintetização de voz no programa Vocaloid.

São vários os exemplos de vídeos encontrados no TikTok que utilizam a obra como fundo ou mesmo como parte mais ativa do conteúdo, tendo inclusive se tornado um desafio de dança.

Desafio de dança inspirado na música de LilBoom, Already Dead, que utiliza o beat de deadman.

Em 2019, após hitar nas redes, no mesmo dia que a música de Murphy aka deadman chegou no topo dos charts, ela foi rapidamente retirada da plataforma do Spotify em razão de uma suposta violação de direitos autorais. Mas, por quê? Não é segredo que “Omae Wa Mou” é um remix de outra música, Little Adamantium, propriedade do grupo/produtora japonesa Shibayan Records. Segundo a entrevista que o produtor deu à revista Rolling Stone, em 2017, quando ainda tinha 16 anos, deadman utilizou Little Adamantium como base para criar e vender um gênero de batida conhecida como “type beats”, produções criadas com inspiração em estilos de produtores famosos e vendidas por preços mais baixos. “Omae Wa Mou” foi anunciada como uma tybe beat inspirada no rapper Lil Boom, que três meses depois comprou a batida do jovem produtor e lançou “Already Dead”.

Little Adamantium, de ShibayanRecords.

Ambos Lil Boom e deadman死人 observaram como suas músicas se tornaram populares na internet em 2019, até que Murphy recebeu o aviso de violação de direitos autorais do serviço de distribuição utilizado pelo produtor, devido ao fato de que os primeiros 10 segundos do remix de deadman serem exatamente iguais aos da música que o inspirou. Complicações à parte, a confusão logo foi esclarecida e Omae Wa Mou voltou para o Spotify, já que os autores do sample original utilizado pelo produtor se comunicaram afirmando que permitem remixes e samples de suas músicas sem nenhum tipo de restrições.

“Ok, mas você ainda não disse o que tem a ver com jogos.” Acontece que Little Adamantium, a música original, também é uma espécie de remix (NANI?!) e faz parte das atividades de uma comunidade muito maior do que pensávamos. Deadman inicialmente se interessou por Little Adamanium, um sample japonês de bossa nova, por sua sonoridade e potencial, porém o próprio produtor assumiu que não compreendia a letra, e certamente não conhecia o autor da obra. Little Adamantium e muitas das outras produções da Shibayan Records não são apenas músicas agradáveis e perfeitas para remixes de modern pop, mas um conjunto de produções de um mesmo universo.

Além da série da álbuns nomeada TOHO BOSSA NOVA, que claramente apresenta canções inspiradas no ritmo brasileiro, o grupo também possui outros álbuns de doujin music[2] como Mágico Catástrofe (2012), no estilo nu (new) disco, Solar (2017), do gênero eletro ou Sedecim (2015). E o que todos esses álbuns têm em comum, além de capas ilustradas com personagens fofas no estilo de animação japonesa? Bem, todas as produções musicais da ShybayanRecords são remixes e arranjos de músicas originais de uma série de jogos iniciada em 1997, chamada Touhou Project.

[2] Dōjin music, ou doujin music, também chamada de otokei doujin no Japão, é uma subcategoria da atividade doujin, onde doujin seriam obras japonesas auto publicadas, independentes e não oficiais, que podem ser baseadas em produtos oficiais (como no caso de Shibayan Records) ou até mesmo criações originais.

As populares personagens da série Touhou Project.

A franquia de jogos doujin/indie Touhou Project começou a ser produzida ainda em 1995 por Jun’ya Ōta, que na época tinha apenas 17 anos e era um estudante na Universidade Tokyo Denki. Quando começou na empreitada ZUN, como é conhecido o produtor japonês, ainda trabalhava com a ajuda da Amusement Makers, um grupo de estudantes do Departamento de Ciências e Engenharia que se focava no desenvolvimento de jogos doujin.

Highly Responsive to Prayers para NEC PC-9800, o primeiro jogo da franquia Touhou Project. Na época ZUN ainda trabalhava sob o nome “ZUN Soft” e tinha suas obras distribuídas pela Amusement Makers. O jogo utilizava gráficos coloridos 16 bits e áudio de síntese FM com 6 canais.

Os primeiros 5 títulos da série que consiste em sua maioria de jogos no estilo bullet hell [3] foram então criados durante a graduação de ZUN, pensados para os computadores NEC PC-9800 e publicados pela Amusement Makers. Em 2002, após um hiato de quatro anos, quando Ōta começa a trabalhar para a empresa japonesa Taito, a série volta e ZUN passa a trabalhar sozinho em sua empresa Team Shanghai Alice, onde o jovem se torna o único responsável por programar, desenvolver gráficos, roteiros, músicas e publicar de forma independente jogos para o sistema Windows, mais refinados que suas primeiras obras, mas ainda seguindo a história inicial criada nos anos 90.

[3] Bullet Hell, bullet curtain, curtain fire, manic ou maniac shooters e danmaku, são termos utilizados para jogos de tiro no estilo shoot’em up, onde “a tela inteira é quase sempre cheia de balas inimigas. Surgindo em 1993 com o jogo Batsugan, o gênero bullet hell se desenvolveu a partir de outros tipos de shooters como fixed shooters (Space Invaders, 1978), rail shooters (Star Fox 64, 1997), tube shooters (Tempest, 1980), scrooling shooters (Xevious, 1983), shooters multidirecionais, etc.

Sobre a jogabilidade de Touhou Project, confira: Touhou Project: Exploring What Makes This Japanese Doujin Shooting Game Such a Phenomenon — Gameplay

Falando em história, uma das razões atribuídas à fama alcançada pela franquia Touhou Project seria a atenção e o trabalho dedicados ao desenvolvimento dos personagens, do universo e da arte do jogo. Touhou Project se passa em Gensokyo, uma região localizada no Japão, porém em uma realidade isolada do mundo exterior, e habitada tanto por humanos, como pelos chamados yōkai, criaturas do folclore japonês que nos jogos da série são personificadas em personagens antropomórficos no estilo bishōjo (termo usado para referir-se a personagens femininas jovens e bonitas), com a já mencionada estética moe dos animes. Com uma comunidade de fãs que se mantêm ativa até hoje, o fato de que seus bullet hells possuem plots e personagens jogáveis esteticamente carismáticas com backgrounds, personalidades e estilos marcantes (algo não tão comum no gênero shoot em’ up, especialmente no período em que a série surgiu), diferencia as criações de ZUN de outros jogos doujin da época.

Reimu Hakurei (humana), protagonista da série e Yukari Yakumo (youkai), que possui o poder de manipulação de todas as fronteiras (incluindo as conceituais).

Mais uma indicação de leitura sobre a franquia Touhou Project! O artigo de 2019 “The Mass Prolificity of the Touhou Project”, de Nathan Wang.

https://medium.com/@nxwang/touhou-project-the-power-of-niche-media-25d698602889

O universo criado por ZUN se expande não só em títulos principais e jogos spin-off, mas também em outras produções oficiais como CDs, mangás, livros e revistas e mais uma variedade de conteúdos produzidos por seguidores dedicados: doujinshi (fanzines, mangás e romances), doujin music, doujin anime, cosplays, fanart e até jogos doujin. Não surpreendentemente, a grande quantidade de produções de fãs também é uma das características marcantes de Touhou Project. Como explorado na série de artigos do website Tokyo Otaku Mode, “a indulgência em relação a trabalhos derivados” é um dos fatores que levou à popularidade da série.

O primeiro episodio de Gensou Mangekyou ~ The Memories of Phantasm ~, fan anime feito por Manpuku Jinja e lançado em 2011.

Essa tolerância com produtos não-oficiais de terceiros e a grande aceitação de outros produtores (e é claro, dos fãs), talvez se devam ao fato de que a própria franquia é parte e surgiu da cena doujin de produções independentes. Touhou não é um jogo amplamente comercializado, e suas produções costumam ser vendidas em lojas doujin, na Hakurei Shrine Reitaisai, uma convenção inteiramente dedicada à Touhou Project, na Steam, desde 2017, e na convenção bianual Comiket, a maior feira de doujinshi do mundo, onde ZUN lançou seus dois primeiros jogos em 1997. Em sua entrevista com a Tokyo Otaku Mode, ZUN fala sobre como foi entrar no mercado de doujin e conhecer a comunidade de produtores independentes.

“Naquela época, o gênero de jogos doujin não era tão difundido. Havia vários círculos participando da categoria doujin, mas a maioria deles eram de coleções de ilustrações CG. Nós costumávamos usar disquetes como nosso meio (Eles são um pouco nostálgicos, agora.), e todos gostavam do fato de você poder inserir algumas ilustrações em um disquete. Os disquetes eram caros e, acima de tudo, desenhar aquelas ilustrações era extremamente difícil. Como havia poucas pessoas que sabiam desenhá-las, elas também eram muito escassas. Softwares doujin tinham esse tipo de limitação, então criar um jogo [completo] se destacava muito.”

Tokyo Otaku Mode. Interview with Touhou Project Founder and Creator, ZUN — Part 1. 27 de dez. de 2013. — tradução nossa

Após 24 anos, Touhou Project se mantem presente nas edições da Comic Market, estando entre uma das mais populares séries do evento. Apesar da baixa de participação desde 2013, na última edição da feira, realizada em dezembro de 2019, a franquia contou com a presença de 1096 grupos de produtores de conteúdo derivado de Touhou. Como mencionado acima, no caso de Touhou Project e muitos outros games independentes, os autores e desenvolvedores dos jogos permitem (e muitas vezes incentivam) que qualquer pessoa utilize aspectos de seus jogos como, por exemplo, sua game music, e desenvolva novos conteúdos a partir destes. Com isso, não é de se surpreender que se formem diversas comunidades organizadas de produtores de conteúdo derivado desses jogos, os chamados doujin circles.

Com um panorama geral das muitas produções relacionadas à franquia original, voltemos então à parte musical de Touhou Project. O remix Little Adamantium, que deu origem ao hit de deadman, assim como muitas outras músicas de ShybayanRecords e outros doujin circles, são parte da Touhou Music, um gênero já estabelecido e bem popular entre fãs de dounjin music que se forma a partir das trilhas sonoras originais dos jogos (estando estas incluídas, é claro) e se expande também para produções de fãs derivadas das BGM (background musics) dos títulos. Little Adamantium, por exemplo, é um remix de Gensokyo Past and Present, parte da trilha sonora de Touhou 9 Kaeidzuka: Phantasmagoria of Flower View.

A música é o tema da personagem Yuuka Kazami, Mestre das Flores das Quatro Estações. Notem como a música original possui uma construção geral bem diferente da produção de Shibayan Records.

O gênero da Touhou Music é tão desenvolvido e possui tantas correntes, temáticas e circles dentro de seu universo que uma pesquisa pelas wikis e fóruns de fãs não foi suficiente para compreender toda sua complexidade. Por isso, sugiro que vocês assistam o vídeo “What is Touhou Music?” da youtuber Yuunarii, que explica a estrutura dos doujin circles e apresenta alguns dos subgêneros da comunidade, estando incluídos o trance, electro, eurobeat, folk, pop, ambient, rock, metal, denpa, e outros. Segundo Yuunarii (o vídeo é de 2017), a série de jogos possui aproximadamente 360 músicas originais disponíveis para serem remixadas por seus fãs, mas após minha imersão na Touhou Music encontrei números divergentes e consideravelmente maiores. Na thread do Reddit “Does anyone know how many official Touhou songs are there?”, por exemplo, o usuário DubstepKazoo diz:

“712, se a lista de reprodução no meu telefone for alguma indicação. Incluí todas as músicas dos [jogos de] PC-98, todas as músicas de todos os jogos para Windows (incluindo jogos de luta e spinoffs), todas as músicas incluídas nos mangás e romances, todas as músicas incluídas nos artbooks e todas as trilhas de Akyuu’s Untouched Score.”

Teach me, sensei!

Observando como toda uma comunidade se constrói em volta deste único aspecto de um jogo, é possível então perceber como a música é fator importante não só na popularidade e na construção de Touhou Project, mas nos games em geral.

A game music tem um grande papel nos jogos. Ela é capaz de desenvolver e auxiliar no flow de uma jogabilidade ou até interrompê-lo, caso seja o desejo do developer. Ela auxilia na interpretação do contexto do jogo e na construção da ambiência e interfere e incentiva na criação de afeto e emoção durante a narrativa. E para além disso, o aspecto sonoro dos games é capaz de formar uma memória e uma identidade em torno de um título ou série. Um vínculo entre jogador e jogo. Nas palavras do autor Zach Whalen:

“[…] a videogame music encoraja e realça a experiência narrativa do jogar (ou seja, a música nos video games é um dos vários elementos que fazem do jogar uma experiência visual e auditiva envolvente que mergulha os jogadores em um espaço ficcional).”

WHALEN, Zach. Play Along — An Approach to Videogame Music.

Quando jogamos, não é raro que durante nosso progresso na narrativa acabemos ouvindo uma única música ou um conjunto de canções diversas vezes. Toda vez que perdemos e temos que recomeçar, enquanto passamos obstáculos e vencemos desafios, e sempre que revisitamos um jogo depois de muito tempo, reforça-se um padrão e uma identificação da mídia jogo através da mídia música. No caso de franquias como Super Mario Brothers, por exemplo, o artifício da repetição se apresenta de forma muito clara não só pelo loop contínuo de uma mesma música em cada nível, mas pela construção de uma melodia icônica, presente em diversas fases e jogos da série. Na música isto é chamado de reprise, quando há repetição ou reiteração de um material ou trecho ouvido anteriormente em uma mesma composição. Essa recapitulação pode ser observada, por exemplo, no teatro musical, onde em uma única peça podem ocorrer várias repetições de temas, melodias, ou letras em novas canções que possuem o mesmo motivo narrativo ou são cantadas por um mesmo personagem, como uma forma de reconhecimento, uma lembrança do que passou, um eco.

Caso você queira saber um pouco mais sobre tipologia sonora e funções do som e da música nos jogos, sugiro a pesquisa de Huiberts (2010) e seu modelo IEZA (interface, effect, zone, affect), um dos principais modelos teóricos na área de pesquisas acadêmicas sobre áudio nos jogos. O autor Lucas Correia Meneguette também trabalha este e outros assunto em sua tese de doutorado A afinação do mundo virtual: identidade sonora em jogos digitais”.

Em Touhou Project cada personagem (E são muuuuitos. Sério.) possui temas próprios, uma trilha sonora de background única e característica. A imagem e a história destes personagens, portanto, se torna diretamente ligada à criação musical tocada no momento de sua aparição. No mundo das produções musicais de fãs de Touhou, os músicos doujin além de criarem obras inspiradas em seus personagens favoritos ou trilhas preferidas — modificando não só o instrumental das obras, mas também acrescentando vocais personalizados — muitas vezes criam novas histórias para estes personagens, e ao lançarem (e venderem) legalmente suas produções “amadoras” em eventos como a convenção Comic Market ou em lojas online, suas reinterpretações são então ouvidas e progressivamente compartilhadas com um público ainda maior.

A canção Bad Apple!!, por exemplo, tema do Stage 3 do jogo Touhou 4: Lotus Land Story, possui versões com mais de 30 milhões de visualizações. Por isso não é incomum que esses remixes e arranjos acabem saindo de seu nicho, chegando então à não-fãs e ambientes mais “mainstream”, como o TikTok.

Uma versão INCRÍVEL de Bad Apple!!, interpretada com instrumentos tradicionais japoneses.

Com seu longo histórico de apropriações e reinterpretações por parte de fãs da série, somado ainda à produções derivadas de conteúdos não-oficiais, como é o caso de “Omae Wa Mou” onde uma obra chega tão longe que seu sentido e identidade original são ressignificados, Touhou Project e o universo que se forma em volta da franquia se apresentam como um caso clássico daquilo que há muitos anos vem sendo discutido na Comunicação quando o assunto são comunidades e cultura de fãs na internet: a eterna convergência das mídias (lá se vão 13 anos de Jenkins…) e o movimento vivo da cultura participativa, debate que traz a figura do usuário e do fã como atores cada vez mais a frente de suas próprias experiências de consumo online.

Então, quem sabe? Da próxima vez que você descobrir uma nova trend de TikTok ou um viral no Instagram, talvez exista um hiper universo expandido secreto por trás de uma música envolvente, uma coreografia cativante e um algoritmo impulsionador.

Dara Coema é bacharel em Estudos de Mídia pela Univeresidade Federal Fluminense, mestranda do PPGCOM-UFF e membro do projeto de extensão Game Clube UFF.

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