Final Fantasy XIV — Um Reino (destruído e) Renascido

Dinho Senos
Game Clube
Published in
8 min readDec 3, 2021

Você já ouviu falar do MMORPG criticamente aclamado Final Fantasy XIV? Às vésperas do lançamento da sua mais nova expansão, Endwalker, resolvemos contar um pouco do início turbulento e como tudo quase deu errado se não fosse por sua comunidade unida e a intervenção de Naoki Yoshida, atual diretor e produtor do jogo.

Final Fantasy XI

Ao contrário do que muitos acham, Final Fantasy XIV não é o primeiro título da franquia a ser um MMORPG: lançado em 2002, Final Fantasy XI foi o primeiro a se aventurar pelo mundo dos MMORPGs, estando presente não só no PC mas também no PlayStation 2 e Xbox 360. Apesar de não ser muito conhecido no Brasil, o jogo foi extremamente popular no Japão e nos Estados Unidos e até hoje tem seus servidores oficiais funcionando.

O sucesso de Final Fantasy XI serviu para criar grandes expectativas para o 14º título da franquia, principalmente porque seria produzido e dirigido pelas mesmas pessoas: Hiromichi Tanaka e Nobuaki Komoto, respectivamente.

O período do começo do desenvolvimento até o lançamento do jogo foi extremamente turbulento e problemático. Como o próprio Yoshida aponta, a Square Enix como um todo vinha de uma era de ouro com títulos incríveis como Final Fantasy X e XI e sendo reconhecida pela beleza de seus gráficos, o que contribuiu para um foco demasiado na qualidade estética do jogo e certo orgulho, que impediu a empresa de se adaptar e acompanhar novas tendências e realidade do mercado de MMOs.

Cada asset do jogo era feito manualmente e continha a mesma quantidade de polígonos de um personagem, deixando os objetos extremamente bonitos, porém a custo de velocidade de processamento, o que deixava o jogo muito lento e com problemas de carregamento. Além disso muitos jogadores reclamavam que os mapas eram enormes, com muitas cópias de assets e sem vida.

A interface era confusa e pouco prática

Outro grande problema enfrentado era a péssima interface do jogo. Navegar pelos menus do jogo e até mesmo tentar fechá-lo era extremamente complicado e complexo, tendo que clicar em diversos submenus para conseguir chegar em algo. As mecânicas do jogo não ficaram para trás nisso: criar um item com uma classe artesã era um processo complicado e até mesmo ganhar experiência era demorado e tedioso, algo que o próprio jogo complicava ao colocar limitações para que os jogadores demorassem mais para atingir níveis mais altos. Muitos desses problemas vieram por falta de familiaridade do time com MMORPGs, onde muitos deles conheciam apenas Final Fantasy XI e não possuíam referências além dele. Final Fantasy XI demanda muito tempo e é muito punitivo, algo que era aceitável para a época em que foi feito (quem jogou Ragnarok nos anos 2000 sabe!), mas os jogos de quase uma década depois já não seguiam mais esse modelo e traziam diversas mudanças de Quality of Life.

A lista de pontos negativos era gigantesca e a crítica não deixou barato. Como notas baixíssimas e o lançamento se aproximando, grande parte do time só conseguia torcer para dar certo e esperar que os problemas pudessem ser corrigidos com patchs posteriores. Spoiler: não puderam.

O lançamento do jogo apenas consolidou os problemas que já haviam sido constatados na fase de desenvolvimento. Os servidores caíam diversas vezes por dia, havia pouquíssimo conteúdo a ser feito e tudo era extremamente maçante, até mesmo se locomover pelos mapas. A recepção do jogo foi péssima e todos começaram a pensar se deveriam continuar ou não com o jogo.

O salvador, Naoki Yoshida (Yoshi-P)

Na época em que Final Fantasy XIV foi lançado, Yoshida (também conhecido como Yoshi-P) estava engajado em outro projeto e não teve participação no desenvolvimento, mas alguns de seus colegas eram conhecidos e eles conversavam sobre a situação em que se encontravam. Em Outubro de 2010 foi tomada a decisão de mudar os responsáveis pelo desenvolvimento e o nome de Yoshida foi sugerido por algumas pessoas. Então Hiromichi Tanaka foi removido do time, Nobuaki Komoto escalado para outra posição e Naoki Yoshida assumiu o posto dos dois como diretor e produtor.

Yoshida propôs uma jogada nunca antes vista no mercado de MMORPGs: recriar o jogo do zero (e em segredo!) enquanto ainda lançam atualizações para o existente. Seu primeiro passo foi organizar minuciosamente tudo que deveria ser feito, como seria feito e quanto tempo levaria para ser feito, a equipe precisou se familiarizar com outros MMORPGs, como World of Warcraft, para conhecer mais sobre as tendências e otimizar a criação de assets. Essa organização permitiu que parte da equipe se focasse em atualizar o jogo e outra em criar o jogo novo, processo que normalmente levaria 5 anos e ele teve de completar em menos de 2.

Sua decisão de continuar com atualizações para o 1.0 não é sem sentido: seu objetivo era reconquistar a confiança da comunidade e mostrar que aos jogadores que continuaram no jogo que os desenvolvedores não haviam os abandonado. A equipe começou a participar mais avidamente dos fórums, conversando com jogadores e coletando opiniões, a fazer livestreams (que continuam até os dias de hoje) e expor todas as mudanças que seriam feitas em cada atualização. Com isso diversas mudanças foram feitas ao jogo ao longo de meses, como uma interface mais intuitiva, introdução do ataque automático no combate (sim, não tinha ataque automático!), incorporação de mais elementos clássicos de Final Fantasy (classes, chefes, chocobos etc), dungeons e uma história mais envolvente, e tudo isso já considerando o novo jogo que seria lançado pouco tempo depois. Caso tenha curiosidade, cheque este post do reddit para ver algumas das reclamações feitas na época e se foram consertadas ou não.

A lua Dalamud vai aumentando gradativamente de tamanho e se tornando avermelhada, até se tornar enorme e em chamas
Dalamud (dentro do jogo) através dos patches

A cada atualização nova os jogadores percebiam que a segunda lua no céu do jogo, chamada Dalamud, parecia se aproximar. Muitos achavam que era apenas uma percepção errada, mas mal sabiam que ela de fato estava cada vez mais perto, até chegar em um momento que não dava mais para negar: algo estava acontecendo.

O primal Bahamut, emergindo de dentro da lua Dalamud

A última atualização trouxe uma atmosfera mais sombria ao jogo: a lua vermelha ardia no céu enquanto monstros de níveis altíssimos andavam por todos os mapas e uma música assustadora tocava ao fundo. O fim do mundo literalmente havia chegado em forma de uma Calamidade, eventos cataclísmicos que acontecem na história do jogo, e o anúncio de que um novo hoje estava em desenvolvimento foi feito. Quando o servidor finalmente foi fechado, um filme passou mostrando a devastação que ocorreu em Eorzea.

No que se trata de integração entre a versão (agora) antiga do jogo e o soft reboot, entretanto, Yoshi-P não parou por aí — ao lançar a nova versão do jogo em meados de 2013, habilmente nomeada de A Realm Reborn, nada da história até ali foi descartado. Os personagens perdidos com o reset do servidor ficaram nas memórias dos NPCs como os heróis que salvaram o reino de Eorzea, e todos que participaram da versão 1.0 do jogo tiveram acesso a uma cutscene exclusiva ao terminar a história do reboot e derrotar a infame Ultima Weapon, com seus companheiros relembrando que, de fato, o próprio jogador protagonizou os eventos pré-Calamidade. NPCs antigos foram reapresentados mantendo a história construída, e os eventos que culminaram na destruição de Dalamud (e consequente libertação de Bahamut de sua prisão lunar) foram constantemente citados. Na prática, o reboot funcionou quase como uma expansão completamente nova, sendo a única diferença o fato de que o jogo base havia sido descontinuado.

A partir da reconstrução do jogo, o sucesso de Final Fantasy XIV só cresceu. Em menos de dois anos a comunidade alcançou mais de 4 milhões de contas (assinaturas e free trials), o que só foi possível graças à preocupação de, ao mesmo tempo, seduzir novos jogadores e providenciar segurança aos antigos. Em entrevista, Yoshida conta como o começo lento de FFXIV pode parecer maçante para quem tem mais experiência com MMORPG, mas é crucial para atrair um público que ainda é iniciante na área. A renovação do gênero, inclusive, é um fato notável a se citar — o cenário dos MMORPGs vinha em declínio, principalmente devido ao fato de que o (então indisputado) líder do mercado, World of Warcraft, estava sofrendo cada vez mais críticas tanto da indústria quanto do público, com expansões fracas e pouca preocupação com a sua base de jogadores.

Gráfico de jogadores simultâneos somente na plataforma Steam

Em detrimento dessa onda, Final Fantasy XIV vem crescendo exponencialmente nos últimos anos. Com uma taxa estável, cada lançamento de uma nova expansão cria um novo recorde de jogadores simultâneos, algo que mesmo MMORPGs mais novos como o New World (Amazon Games) têm encontrado dificuldade para conseguir. Os dados demonstram que o jogo construiu uma comunidade muito leal tanto aos desenvolvedores quanto ao próprio jogo, muito a partir do modo que Yoshi-P e sua equipe levam o feedback para as decisões tomadas em termos de gameplay e história. Mesmo se isso não bastasse, a experiência orgânica (agora do ponto de vista dos autores, ávidos fãs da franquia) mostra que novos jogadores, apelidados de “brotinhos” pelo símbolo que recebem em seus nicks durante as primeiras horas de jogo, são (mesmo que não sempre) frequentemente bem recebidos por uma massa de veteranos disposta a ensinar e acolher.

A expansão Endwalker, apesar de inicialmente prevista para ser lançada no dia 23 de novembro de 2021, só chegou aos compradores da pré-venda no dia 03 de dezembro pela manhã. O anúncio do delay foi feito através da Letter From The Producer LIVE, um programa sazonal já tradicional em que Yoshida e membros da equipe atualizam a comunidade sobre o atual desenvolvimento do jogo. Na transmissão, o diretor chegou a se emocionar enquanto pedia desculpas pelo atraso, culpando a si mesmo por querer “entregar a melhor versão possível do jogo” e reconhecendo a problemática que isso traria, visto que é comum jogadores programarem seus calendários para terem tempo livre no lançamento. Surpreendentemente, ao invés de ser recebido apenas com reclamações, a comunidade abertamente deu suporte à decisão de Yoshi-P, além de inúmeras mensagens preocupadas com a carga de trabalho a qual a equipe de desenvolvedores estava sendo exposta.

teria . corage . de joga . esse joguinho agui ?

Final Fantasy XIV é um dos maiores MMORPGs da geração, e ainda há muito espaço aberto. O jogo está disponível no PC, PS4/5 e MacOS! Aliás, você sabia que FFXIV conta com um expansivo período de testes, onde você pode jogar inteiramente o jogo base A Realm Reborn e a premiada expansão Heavensward até o nível 60 sem nenhuma restrição no tempo de jogo?

Claudio “Dinho” Senos é membro infiltrado do Game Clube desde 2019, pois não faz parte da graduação de Estudos de Mídia e sim de Arquitetura e Urbanismo, pela Universidade Federal Fluminense.

André Bottino é membro do Game Clube e aluno de graduação em Estudos de Mídia pela Universidade Federal Fluminense. Apaixonado por Final Fantasy, Kingdom Hearts e outros RPGs.

--

--

Dinho Senos
Game Clube

Arch/Urb student, gaming enthusiast. @DinhoSenos_