O Pokémon Go em tempos de Pandemia

A grande jornada durante o isolamento social

Takarai
Game Clube
10 min readApr 13, 2021

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Em 6 de Julho de 2016, a empresa Niantic, inc., junto com a Nintendo e The Pokémon Company, realizaram o lançamento do jogo de realidade aumentada chamado Pokémon Go. O objetivo era dar uma experiência real de jornada de capturas Pokémon para o jogador, fazendo com que ele tivesse uma sensação próxima a dos personagens da franquia, sejam os dos animes ou dos outros jogos já lançados pela Nintendo, onde os personagens começam as suas jornadas capturando várias criaturas denominadas pokémon.

Considerado uma inovação no quesito de jogos mobile de realidade aumentada, o Pokémon Go chamou a atenção tanto do público fiel da franquia Pokémon, quanto do geral, trazendo novos consumidores para o jogo. Rapidamente, o jogo se tornou um sucesso e gerou bastante lucro para a Niantic. O “boom” se deu pela possibilidade de capturar pokémons “reais” e o jogador, ao caminhar, encontraria vários monstrinhos no mapa e, tocando neles, teria a experiência de vê-los no ambiente real através da câmera e capturá-los.

O início da jornada: a ascensão Pokémon no mundo dos games

Pokémon, lançado inicialmente no ano de 1996 com o título de Pocket Monsters para Game Boy, chegou no mercado como um jogo inocente de capturar monstrinhos e treiná-los para batalhas. Entretanto, a velocidade que a franquia ganhou popularidade é assustadora, com um sistema de “cable link” para trocar pokémon, jogo de carta, anime e filme em seu primeiro ano de existência. Assim, tornou-se inegável que Pokémon havia, definitivamente, chegado para se estabelecer, não só como mais um jogo, mas como um fenômeno.

Já em 1999 foram lançados os jogos Pokémon Gold e Pokémon Silver, ambos para Game Boy. Nesse período, a tecnologia de trade para pokémons adotou uma sistemática de “TeleTrade”, a qual permitia o uso de telefones junto ao console portátil para realizar as trocas entre treinadores. Localizado na região fictícia de Johto, esses jogos possuíam os lendários Lugia e Ho-Oh, pertencentes às edições Silver e Gold, respectivamente.

Em 2002 vieram ao mercado os jogos Ruby e Sapphire, com os Lendários Groudon e Kyogre, os pokémons lendários da região de Hoenn. Essa parte da franquia adotou o sistema de adaptador wireless e continuou a utilizar cabos de conexão entre os consoles portáteis de Game Boy, o que permitia uma realização de batalhas em dupla entre os treinadores pokémon. Além disso, houveram remasterizações dos jogos Red e Green, as quais vieram com os títulos de Pokémon FireRed e Pokémon LeafGreen e, além das remasterizações, foi lançado o Pokémon Emerald, possuindo Rayquaza como pokémon lendário.

Após diversos lançamentos para o Game Boy, em 2006, devido ao lançamento do console Nintendo DS, surgiram os primeiros jogos de Pokémon para essa nova plataforma: Pokémon Diamond e Pokémon Pearl, os quais foram remasterizados para o console Nintendo Switch, com os títulos de Pokémon Shining Pearl e Pokémon Brilliant Diamond, essas remasterizações possuem lançamento programado para este ano (2021). Ademais, surge o sistema de “USB Link”, que viabiliza o surgimento do “Global Trade”, após o surgimento dessa nova tecnologia, permitiu-se que treinadores de todos os cantos do mundo pudessem trocar seus monstrinhos entre si, independentemente de suas localidades.

Um pulo para a realidade aumentada

O Pokémon Go é um jogo marcado pela necessidade de interação com o mundo, fazendo com que o jogador saia de casa e se movimente em busca de pokémon. Em 20 de Julho de 2017, foi anunciado que a partir da atualização 0.67.1 para Android e 1.37.1 no IOS, o sistema de Raids estaria disponível para jogadores de nível 5 em diante no dia 29. Esse sistema funciona da seguinte forma: o jogador abre o radar do jogo onde é possível saber se tem pokémon por perto. Esta janela também permite localizar ginásios próximos, que possuem ovos de raids prestes a chocar e os que já chocaram.

Assim, o jogador poderá escolher qual ginásio deseja ir e chegando lá, terá a chance de se reunir com até 20 jogadores para participar e derrotar o pokémon chefe, garantindo a oportunidade de capturá-lo e receber itens, que vão desde poeira estelar a doces raros. No final de janeiro de 2020, a desenvolvedora do jogo anunciou o sistema de batalhas, dando início ao cenário competitivo do jogo, fazendo com que jogadores pudessem batalhar cinco vezes a cada 5km percorridos. As recompensas variam entre capturas de pokémon, itens especiais para evoluir e fortalecer os monstrinhos, poeira estelar e doces raros.

Pokémon Go e as relações humanas: uma análise antropológica

O ano de 2020 ficou marcado como o início da maior pandemia do século 21 causada pelo vírus COVID-19, sendo este o segundo grande surto viral deste século, já que em 2009 ocorreu a pandemia gerada pelo vírus H1N1. Com a rápida disseminação do vírus e o aumento do número de vítimas fatais, a doença, até então desconhecida, causou o caos na saúde pública e nas relações humanas. Assim, medidas restritivas como o uso obrigatório de máscara e isolamento social foram adotadas por diversos países. Hoje em 2021, mesmo com todo avanço em níveis de conhecimento sobre o vírus e vacinas, milhares e milhares de pessoas continuam morrendo ao redor do mundo. Na primeira semana de abril de 2021, o Brasil atingiu a lamentável marca de 333 mil mortes.

Devido a esse cenário de pandemia, a desenvolvedora teve que fazer alterações na mecânica do jogo para que os usuários pudessem jogar sem se expor ao vírus, respeitando o distanciamento social e evitando a disseminação da doença. O sistema de raids, batalhas go, trocas, eventos e outras funções passaram a ser remotos. Foram adicionados passes de raid a distância para que jogadores possam convidar até 5 amigos para participarem de uma raid, sendo que poderão entrar em uma sala que já tenha outros jogadores.

Hoje não é mais necessário caminhar para poder desbloquear cinco oportunidades de batalha, pois o jogador pode batalhar até 25 vezes por dia. Com o sistema de companheiros, pokémon poderão buscar presentes, encontrar itens e pokeparadas para ajudar o treinador. O mecanismo de trocas de pokémon agora possui uma distância maior de 10 a 12 km, sendo que há períodos de testes como os que ocorreram em novembro de 2020, onde a Niantic anunciou temporariamente a extensão desse limite. Neste período, houveram relatos de trocas de até 40km e 50km de distância entre jogadores.

A febre do Pokémon Go fez com que muitas pessoas se reunissem para jogar em locais públicos, como parques, praças e shoppings, o que aumentou consideravelmente a interação social entre os indivíduos. Mas isso também expôs muitas pessoas a alguns problemas sociais, principalmente no meio urbano, como os assaltos. No atual cenário, as alterações que possibilitam atividades remotas dentro do jogo são maneiras bastante eficazes de motivar e entreter os usuários. Elas fazem com que os jogadores não abandonem o aplicativo e gostem cada vez mais de jogar, principalmente com amigos, já que hoje é possível adicionar, batalhar e montar grupos de raids com pessoas do mundo todo.

“I downloaded Pokémon Go right away and set out into the night streets. Despite the late hour, people holding smartphones were amassed in city parks, milling around in search of Pokémon. It was a bizarre sight. Notwithstanding occasional problems with littering, noise, and other disturbances, for the most part the members of these crowds struck me as good people. People who probably worked hard at their jobs and in their homes during the day. People assimilated into human society who, when night falls, secretly gather in nearby parks to make merry — not by holding a dance as in a fairy tale, but by searching for Pokémon. Thinking about this made me chuckle.” (NAKAZAWA, 2019, p. 4)

O antropólogo japonês Shinichi Nakazawa, em seu livro “The Lure Of Pokémon: Video Games and The Savage Mind” utiliza o conceito de “savage mind” do antropólogo Claude Lévi-Strauss, para analisar a influência que o fenômeno da franquia Pokémon exerce sobre o seu público, de forma com que os monstrinhos fossem rapidamente absorvidos pela sociedade japonesa.

Para Lévi-Strauss, os símbolos são os rituais, objetos, formas de expressões corporais e linguísticas que acabam tendo uma função na estrutura social e psicológica das diversas sociedades e seus indivíduos, através da cultura que devido a esses fatores, para ele, é um sistema de comunicação simbólica. O autor vê no conjunto de hábitos e práticas a atuação de símbolos, fatores que atendem as necessidades de um grupo, fazendo com que haja a constituição de uma ordem social dentro de um sistema mutualístico humano. Assim, os símbolos acabam funcionando como uma espécie de “linguagem” que varia de acordo com a cultura em que é fundamentado, e atuam dentro da ordem do sistema estrutural das diversas sociedades humanas.

“The savage mind is not something possessed by primitive societies alone. It is alive and well in the contemporary world as well. Sometimes it even flourishes to the point of attracting the disapproval of the “serious adults’’ of that world. Video games are a case point. The video game Pokémon succeeded in giving these impulses that abide in the unconscious minds of children straightforward and rich expression. At this moment, these children’s desires take the form of the savage mind.”. (NAKAZAWA, 2019, p. 14)

Os processos mentais são vistos por Lévi-Strauss como mecanismos que transformam a percepção de mundo em uma ordem que é comum a todas as culturas, mas que possui características que variam de acordo com cada uma delas. Os mitos e artefatos são componentes que estabelecem uma relação cultural que acaba determinando a estrutura de determinadas sociedades. Desse modo, as estruturas sociais dependem de inter-relações entre indivíduos e objetos, tanto no campo físico como espiritual, de forma que o mito e objeto acabam exercendo uma função simbólica. Ele também prioriza a totalidade das inter-relações presentes nas sociedades.

“In the “savage mind,” things are not merely things, The possession of a thing involves the absorption of that thing into one’s essence, Before taking a possession to the market to Sell as a commodity, the possessor must perform a ritual act to divest the object of his essence. On the other hand, if he wishes to gift the object to a person he considers important, then the essence of the giver infused in the object is gifted along with the object itself. Put differently, the act of gifting involves imparting a portion of the giver’s essence to the recipient of the gift. When one uses the link cable to exchange monsters in Pokémon, the logic of commodified society is repudiated and the “savage mind” revived. designers who created the game understood this through the term “drama.” (NAKAZAWA, 2019, p. 84)

Duas décadas e meia depois: um fenômeno mundial

Em 27 de fevereiro de 2021, a franquia Pokémon completou 25 anos e com isso vieram uma série de anúncios e eventos contemplando vários jogos da marca, tanto o Pokémon Trading Card Game quanto para os jogos de Nintendo Switch, com o anúncio de Pokémon Brilliant Diamond e Shining Pearl, remakes dos jogos Diamond e Pearl lançados em 2006. O Pokémon Go não ficou de fora das comemorações. O evento “Pokémon Go Tour: Kanto” marcou a temporada de celebrações do jogo, que em julho deste ano completará 5 anos, fazendo com que os jogadores voltassem onde tudo começou, a região de Kanto. O objetivo era proporcionar a captura dos 150 pokémons das sagas Red e Green que deram início ao fenômeno Pokémon.

Mas afinal de contas, porque, apesar dos mesmos formatos de jogo, Pokémon se tornou esse fenômeno mundial? Há um conceito artístico básico denominado “catarse”, o qual, por definição significa : “A capacidade de gerar identificação e provocar sensibilidade”. No livro “The Lure of Pokémon” o criador do jogo concede entrevistas e explica que o formato da ambientação do jogo foi todo baseado em determinadas localidades do Japão, que envolviam cavernas, lagos e campos abertos.

Assim, ao observarmos os cenários de Pokémon, é realmente possível perceber essas características. Por isso, diversas crianças e pessoas que lidavam com os jogos tiveram suas imaginações estimuladas ao andarem por lugares considerados “comuns” e imaginarem por um breve momento a possibilidade de um gyarados sair do lago, ou de estarem andando por uma estação de metrô e esbarrar com uma horda de geodudes ou zubats.

The strength of Pokémon is its ability to produce drama outside of the game. When a person gives a Pokémon bearing his name to someone he is fond of. or when a person lends a strong Pokémon to a friend in exchange for a bowl of ramen, these are examples of the possibilities hidden within the game for drama that goes beyond its bounds. (Poketto monsuta zukan [Illustrated Encyclopedia of Pocket Monsters], 1996 apud NAKAZAWA, 2019)

Dessa maneira, percebe-se o porquê dos monstrinhos de bolso serem o fenômeno que são hoje, já que a saga reforça os laços afetivos entre os treinadores e seus pokémon. Ela gera identificação nos cenários dos jogos e, além disso, esses laços tornam treinadores e pokémon verdadeiros amigos. Isso faz com que eles fiquem cada vez mais fortes para seguir treinando e viajando ao redor do mundo.

A capacidade de levar seus pokémon para qualquer lugar, seja no Pokémon Go, nos consoles portáteis ou nos jogos de cartas, possibilita que qualquer pessoa ao lidar com esse universo possa enxergar a si mesma como uma treinadora Pokémon. Portanto, esse fenômeno faz com que todas elas compartilhem o sentimento inigualável que todo jogador de Pokémon possui, o conhecido “Gotta catch them all!”, que traduzido para o português seria: “Temos que pegar todos!”.

Referências bibliográficas:

LÉVI-STRAUSS, Claude. “Introdução: História e Etnologia” e “A eficácia simbólica” In: Antropologia Estrutural. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1973 [1958] (pp. 13–41; 193–213; 215–236)

LÉVI-STRAUSS, Claude. O pensamento selvagem. Campinas: Papirus, 1989.

NAKAZAWA, Shinichi. The Lure Of Pokémon: Video Games and The Savage Mind. In: Japan Publishing Industry Foundation for Culture (JPIC). Tokyo. Ed. 1 English, March 2019.

Lu Alves e Luã Souza são bacharelandos, respectivamente, dos cursos de Antropologia e Estudos de Mídia, pela Universidade Federal Fluminense. Membros do projeto de extensão GameClube UFF, integram ainda o quadro da INTZ A2E como parte da equipe técnica de League of Legends e de redação.

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