Por que BioShock Infinite é o jogo mais importante da década

No meio da extensão do multiverso, que bom que existimos justo nesse aqui

Lucas Oliveira
Game Clube
4 min readNov 22, 2019

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Em 1952, Erwin Schrödinger fez provavelmente a primeira referência à teoria do multiverso como a conhecemos hoje. Em uma palestra em Dublin, o físico teria dito que o que ele estava prestes a dizer poderia parecer algo “lunático”, mas que, quando suas equações mostravam várias versões diferentes da história, elas “não eram versões alternativas, mas aconteciam, na verdade, ao mesmo tempo”.

Desde que Schrödinger lançou sua ideia no ar, muita coisa aconteceu nos estudos da Física. A teoria do multiverso, por mais que seja uma teoria, tornou-se hoje uma das viagens científicas mais abraçadas pela cultura pop, e alcançou um status quase de “conversa de bar”. As pessoas brincam ao dizer que em algum universo paralelo você é loira, e não morena. Ou que em algum universo, Hitler nunca existiu. Já eu, sou um homem simples. Eu gosto de pensar que, de todos os possíveis universos alternativos, tive a honra de viver em uma realidade onde existe BioShock Infinite.

Este texto é parte de uma série de artigos do Game Clube que revisita os maiores jogos da década de 2010. Novos artigos às terças e sextas-feiras!

Este foi o primeiro jogo que comprei durante a pré-venda. Os dois primeiros títulos da franquia já tinham marcado minha vida (e a indústria de jogos) de uma forma que nenhum outro jogo tinha conseguido. A tão falada sensação de “ficar órfão de um livro”, para mim, foi sentida com BioShock e BioShock 2. E bem, eu queria isso de novo.

Infinite chegou contando a história de Booker DeWitt, um ex agente da Pinkerton e então investigador particular que aceita a missão de resgatar uma certa garota de uma certa cidade em troca de ter suas dívidas sanadas. O jogo vai na contramão não só de seus antecessores, como também dos first person shooters em geral quando apresenta um protagonista que fala.

Apesar de parecer algo bobo quando dito em voz alta (no pum intended), o fato de BioShock Infinite ter um protagonista falante possibilita a ascensão de novas técnicas narrativas para um jogo de tiro em primeira pessoa. É consenso que protagonistas desse tipo de jogo geralmente são calados para que o jogador sinta-se como o verdadeiro protagonista. Bobagem. Booker DeWitt prova que a visão em primeira pessoa, junto das falas e caráter demonstrados por um personagem cuja existência se dá na terceira pessoa dão ótimas histórias com as quais o jogador pode muito bem se relacionar.

Essa mistura de aproximação e afastamento simultâneos parece ser ainda mais acertada se levarmos em conta a relação de Booker com Elizabeth. Com uma das histórias de amor mais bem contadas da história dos games, chega a ser até um pouco difícil afirmar que DeWitt é o protagonista do jogo, pois esse posto poderia muito bem ser ocupado pelos dois ao mesmo tempo. E talvez seja esse o caso mesmo.

E aí tem Columbia. Então assim, o jogo tem três protagonistas. Porque se é BioShock, a gente sabe que a cidade é provavelmente o elemento mais importante do jogo, mais do que a ideia de protagonista ou antagonista. Mais do que qualquer outra coisa. Muito além da beleza digna de um bairro parisiense de gente branca e rica, Columbia consegue servir de instrumento para que os produtores do jogo retratem questões que poucos AAA tem a coragem de contar. Quando foi a última vez que você viu um grande jogo de tiro abordar diretamente o racismo e a xenofobia, sem medo da tóxica comunidade gamer?

A direção criativa de BioShock sempre foi corajosa. E foi talentosa. E coragem e talento são os dois atributos mais competentes para quem quer protestar.

Numa era em que as discussões sobre estilo e autoria nos games parecem ganhar mais espaço, Ken Levine surge como um dos grande nomes da indústria, tal qual um célebre diretor de cinema. Com Infinite, ascende ao status de mente criativa singular, de forma que qualquer trabalho que tenha seu nome estampado seja digno de atenção. Assim como Hideo Kojima, Tim Schafer ou Shigeru Miyamoto, Levine adquire uma aura especial, quase que como um detentor de certo “toque de Midas”.

O presente final do diretor, para aqueles que terminam a história, é a virtual infinidade de universos prontos para serem explorados: assim como o universo é infinito, BioShock também é infinito. E infinito deverá ser o legado desse jogo.

Que bom que existimos todos em um mesmo universo onde é possível jogar BioShock.

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Lucas Oliveira é membro do Game Clube e aluno da graduação em Estudos de Mídia. Você pode segui-lo no Twitter.

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Lucas Oliveira
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Media Student; Video Game Researcher; Digital Product Professional.