Por que Kingdom Hearts III é o jogo mais importante da década

Dinho Senos
Game Clube
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4 min readNov 19, 2019

O ano é 2007. O pequeno Dinho crescia jogando GTA San Andreas e Guitar Hero, sugestões recorrentes entre seus colegas, além de eventuais jogos alugados que pareciam ter nomes difíceis demais para se pronunciar; um desses, na época, chamou a atenção através de cores vibrantes e… o Pato Donald de chapéu de bruxo e cajado?

Após apreciar, apreensivo, o som de boot do PlayStation 2 (de segunda mão, vindo do primo), o jogo começou. A trilha tema do menu, Dearly Beloved, acendeu fagulhas de lembranças de um jogo em japonês do console anterior, o finado Super Nintendo, que anos depois foi redescoberto como Final Fantasy IV. A história deliciosamente emocionante e confusa, os controles fáceis e dinâmicos e o senso de progresso rápido cativaram a criança em trinta minutos. Foi assim que, em 2019, eu comprei (por engano e empolgação) duas cópias físicas de Kingdom Hearts III (ou 3) para PS4, após esperar longos sete anos. Essa é a minha história, mas poderia ser facilmente extrapolada para boa parte dos fãs da franquia, o que resultou em um recorde de vendas em relação aos demais jogos da franquia e indicações para diversas premiações. Eu, que tenho a franquia guardada a sete chaves no coração, não tenho dificuldades de afirmar o impacto que ela causou (e causa) no cenário de games, mas o meu objetivo aqui é convencer a você que, apesar das controvérsias, Kingdom Hearts 3 é o jogo mais importante da década.

Este texto é parte de uma série de artigos do Game Clube que revisita os maiores jogos da década de 2010. Novos artigos às terças e sextas-feiras!

Antes de qualquer coisa, vale a explicação: Kingdom Hearts, idealizada por Tetsuya Nomura e produzida em conjunto pela Square Enix e Disney, é uma franquia de RPGs japoneses no estilo hack’n’slash. Na prática isso significa que a jogabilidade se baseia em progredir através de níveis que liberam novas habilidades e forças para o personagem principal (Sora, em KH3), além de combate rápido aliado a movimentação fluida e necessidade de comandos precisos para derrotar inimigos. Já aí Kingdom Hearts se destaca: foi um dos primeiros jogos notáveis da geração a unir os dois gêneros, já que a customização e lentidão dos RPGs não parecia combinar com o estilo mais “direto ao combate” dos hack’n’slash, problema que foi resolvido com menos customização singular de personagens, o que realoca o tempo de jogo para as lutas.

O lançamento para o PS4 não difere — amparado pela capacidade de processamento da geração atual de consoles, Kingdom Hearts 3 tem os maiores cenários já vistos na franquia até então, o que permite que a movimentação seja muito mais ampla e aumenta a sensação de poder; se nas primeiras horas o jogador já consegue se sentir claramente no controle das ações de Sora, perto do fim do game cada aperto de botão tem o potencial de colocar o personagem em situações específicas, de jeitos específicos, e ainda assim arrancar um suspiro de felicidade com o “Level Up!” após uma batalha, o que pode liberar uma habilidade que adiciona ainda mais jeitos de lidar com os inimigos. Resultado dessa variedade é a dificuldade diminuída do jogo em relação aos demais na franquia, ponto que foi trazido por uma parcela expressiva da fanbase, formada principalmente por jogadores antigos. Esse nicho de jogadores preocupados com a dificuldade e necessidade de precisão de comandos foi atendido pela dificuldade Critical, a mais difícil até então, lançada alguns meses após o próprio game.

Apesar da clara importância no quesito jogabilidade, o que torna Kingdom Hearts único é o seu enredo. Uma mescla de histórias e personagens de Final Fantasy, mundos da Disney/Pixar, além de temas próprios, a franquia é uma colcha de retalhos que, quando costurada, se torna muito mais que apenas uma soma de partes. Claro, parece ótimo ser salvo no último segundo por um heal de Donald (ou não ser, o que é uma piada recorrente entre os fãs), explorar a Monstros S.A. com Mike e Sully ou lutar ao lado de Cloud contra Sephiroth, principalmente se estes já são personagens consagrados no coração de quem joga, mas quando essas figuras emblemáticas saem dos holofotes para darem lugar ao enredo original de Kingdom Hearts, o jogo brilha como nunca.

É impossível descrever a trama da franquia sem levar horas, pelos quesitos tamanho e complexidade. A questão específica que faz com que KH3 seja o jogo da década é como ele amarra os fios de história dos oito jogos anteriores, esses lançados para sete plataformas diferentes, incluindo jogos mobile que são canon — ou seja, têm papel essencial na história principal — o próprio hype para o lançamento fez com que a Square Enix relançasse todos os outros games da franquia em um conjunto especial para o PS4. Kingdom Hearts III é o fechamento de uma era, de um arco que já durava mais de 17 anos, e prova que devagar se vai longe (mesmo às custas da sanidade mental dos fãs). A saga, ao ser desenvolvida pela primeira vez no início de 2002, poderia levantar sobrancelhas com suas apostas questionáveis de plot e visual infantilizado. Entretanto, no final das contas, nos deparamos com um marco da indústria, com apelo para novos jogadores assim como para o público cativo, mas que acima de tudo, simboliza perfeitamente como um trabalho contínuo e dedicado pode culminar em uma obra ao mesmo tempo falha e perfeita. Mas a Square Enix não pretende parar por aí: apesar de Kingdom Hearts III ter fechado a saga que começou no início da década passada, ainda esse ano uma DLC promete impulsionar uma nova história. Você pode assistir ao trailer aqui.

Uma “selfie“ com Mike Wazowski, no mundo de Monstros S.A.

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Dinho Senos
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Arch/Urb student, gaming enthusiast. @DinhoSenos_