Precisamos conversar sobre a comunidade gamer

Texto sobre representatividade, política dentro dos jogos e como a comunidade reage a isso.

Iasmin Barbosa
Game Clube
5 min readJun 20, 2020

--

Neste ano, foi lançada a tão esperada sequência de The Last of Us, que foi um jogo que conseguiu bastante popularidade. Essa continuação veio chamando a atenção de toda a comunidade desde os seus primeiros trailers. Contudo, apesar de ter conquistado ótimas críticas, nem todos os comentários foram positivos, principalmente por conta da toxicidade que existe dentro do mundo dos games.

É inegável que a comunidade gamer é repleta de comentários extremamente preconceituosos que os jogadores insistem em dizer que é apenas uma representação do “politicamente incorreto”. Isso se tornou naturalizado dentro desse mundo, tanto que diversas páginas conseguiram popularidade por adotarem esse tipo de discurso, como o canal Xbox Mil Grau, que finalmente caiu.

É a partir desse ponto que começamos a analisar alguns comentários que The Last of Us 2 vêm recebendo por uma parte do público. Alguns insistem em dizer que a indústria resolveu forçar a política dentro dos jogos por conta da forma em que certas representações, como a feminina, estão sendo construídas ultimamente. Porém, esse tipo de discurso é completamente ingênuo.

Print de algumas reviews que “The Last of Us 2” está recebendo

Em primeiro lugar, é importante enxergar que os jogos são uma forma de se expressar artisticamente, e que a arte, por sua natureza, sempre foi política. Logo, a existência desse tipo de temática sempre existiu no mundo dos games. Vamos pegar alguns exemplos, como o famoso Final Fantasy VII, originalmente lançado em 1997 e ganhou um remake esse ano. Os personagens desse jogo fazem parte de um grupo de ativistas ecológicos que lutam contra uma empresa que explora, sem se importar, os recursos do planeta. Isso, meus queridos gamers, parece ser bastante político para mim e esse jogo é conhecido por ser um clássico. Também podemos pegar outras produções, como a conhecida série de Metal Gear, que conseguiu impactar a indústria.

Imagem do remake de “Final Fantasy VII”

Portanto, a política sempre existiu na história dos jogos, o ponto é que muitos membros da comunidade não buscam enxergar isso. Ela pode estar presente em pequenos detalhes, como nos diálogos, em alguma parte do visual do jogo ou na forma de construir os personagens.

Além disso, também é importante enxergarmos que está havendo um avanço nas representações, principalmente de gênero. Muitas personagens femininas estão conseguindo ser desenvolvidas de uma maneira melhor, buscando evitar estereótipos. A Ellie, por exemplo, além de ter sido construída de uma forma que fugisse da sexualização, também é uma protagonista forte e abertamente lésbica. Foi incrível o primeiro trailer da gameplay do jogo contar com um beijo dela com outra personagem no meio da E3 de 2018. Porém, alguns gamers não gostaram muito disso.

Imagem do beijo entre Ellie e Dina

Parece ser um pouco difícil para essa comunidade entender que a imagem da personagem feminina não é obrigada a servir como objeto de estímulo sexual para eles ou ficar presa dentro de estereótipos. Nós também temos o direito de possuir uma representação que tenha uma individualidade e que seja aprofundada de uma forma saudável dentro dessas histórias. Mas, por que isso incomoda tanto alguns jogadores? Por que essa ideia os faz até mesmo desistir de consumir algumas produções? A resposta é óbvia: A misoginia ainda é muito presente dentro desses grupos. É só pararmos para ver alguns jogos online e a forma como as mulheres são tratadas dentro deles, sendo menosprezadas e vítimas de assédios.

Esse meme me inspirou a fazer esse texto. Infelizmente, não sei quem o criou.

Porém, é importante falar que o mundo dos jogos ainda precisa avançar bastante na questão da representação e inclusão. Se prendermos esse assunto apenas para mulheres cis e brancas, todo esse discurso e luta serão completamente esvaziados e não terão utilidade, visto que outros grupos também são alvos de ataque da comunidade gamer. É só notarmos como uma parte do público reagiu negativamente quando algumas empresas se pronunciaram em apoio ao movimento “Black Lives Matter”. Logo, é extremamente importante que pessoas não-brancas, membros da comunidade LGBTQ+ e qualquer outro indivíduo que esteja fora dos padrões que são privilegiados dentro da sociedade tenham as suas vozes ouvidas e sejam representados de uma forma boa, possuindo um desenvolvimento complexo e fugindo de estereótipos.

Imagem do “Spider-Man: Miles Morales”

“Mas Iasmin, eu sou um homem cis, branco e hétero que faz parte dessa comunidade que consome jogos e não sou assim! Você não pode ficar generalizando!”

É óbvio que nem todo mundo é assim, mas olha, se você não é desse jeito, não fique esperando um “parabéns” por fazer o mínimo e um texto te bajulando. O melhor que você deve fazer é não ignorar as atitudes tóxicas que existem dentro dessa comunidade e buscar fazer alguma coisa para mudar essa situação, como denunciando os indivíduos que reproduzem esse tipo de discurso e oferecendo apoio aos grupos que são constantemente alvos de ataques.

Sei que seria muita ingenuidade minha acreditar que essas coisas vão deixar de existir rapidamente, mas realmente acredito que uma hora a comunidade irá mudar e vai se tornar um lugar melhor para todos que amam ou apenas se interessam por jogos. Pelo menos para mim, como uma mulher que adora esse universo, realmente espero que isso aconteça.

Iasmin Barbosa é graduanda do curso de Estudos de Mídia, pela Universidade Federal Fluminense, e membro do GameClube.

--

--

Iasmin Barbosa
Game Clube

Graduanda em Estudos de Mídia na UFF e escrevo umas coisinhas às vezes.