The Last Of Us e os jogos que rendem séries e filmes

Gustavo Torquato
Game Clube
Published in
6 min readNov 11, 2022
Foto: Reprodução/Techtudo

2013. Um surto causado pela mutação do fungo Cordyceps transforma seus hospedeiros humanos em zumbis canibais ávidos por outros humanos. Esses novos seres monstruosos são chamados de Infectados, e basta uma mordida em um humano “comum” para que o vírus endêmico seja transmitido.

2033, Joel, um homem viúvo e que perdeu a única filha no início do “apocalipse zumbi”, vive como um contrabandista numa região de quarentena em Boston. Entre algumas de suas encomendas está a jovem adolescente Ellie, que foi atacada por um Infectado mas não se contaminou, sendo possivelmente a cura do vírus mortal.

Joel e Ellie cruzam os Estados Unidos e criam afeto um pelo outro. Ele, pela ausência de uma filha e ela pela ausência de um pai. Ambos são carentes de uma família. E esse laço afetivo estabelecido é causa de uma decisão controversa tomada por Joel, que muda completamente o destino da menina e de toda a humanidade.

Esta poderia ser a história de um filme, ou uma série de filmes, uma série de TV com duas, três, quatro temporadas. Mas é a história de um jogo, tão épico, tão bem elaborada e com tantas possibilidades narrativas que rendeu até mesmo uma segunda parte, focando na história de vingança mútua da já adulta Ellie e Abby, personagem diretamente ligada aos acontecimentos do final da primeira parte.

Foto: Reprodução/Eurogamer.pt

The Last Of Us estourou a bolha dos gamers e se tornou série de TV. Está prevista pra daqui a dois meses, em janeiro de 2023, a estreia da série na HBO Max, cercada de muita expectativa por parte dos fãs dos dois jogos, mas também de fãs de boas narrativas de séries.

Como grande fã dos jogos e aficionado por storytelling, me sinto realizado de ver concretizada em produção seriada um jogo que já nasceu com muito pano pra manga e uma história das mais emocionantes. Mas essa não é a primeira vez (e provavelmente nem a última, tomara) que um jogo ou uma franquia alcança outros públicos do audiovisual.

ALGUNS JOGOS QUE JÁ FORAM ADAPTADOS

Foto: Reprodução/The Enemy

A primeira adaptação de jogo para cinema foi o clássico Super Mario Bros., de 1993. Apesar de carregar a alcunha de ser o primeiro título dessa leva, o filme é conhecido e reconhecido por seu roteiro inconsistente e produção beirando o amadorismo. Se o jogo original criado por Shigeru Miyamoto rendeu e ainda rende muitas histórias a serem exploradas nos diversos jogos de Mario, a incursão cinematográfica do bigodudo não soube desfrutar das muitas possibilidades.

Foto: Reprodução/Gayme Over

A atriz russa Milla Jovovich fez muito sucesso nos anos 2000 ao interpretar a protagonista da franquia Resident Evil, com a personagem Alice. A série de horror e sobrevivência da desenvolvedora japonesa Capcom chegou às telonas em 2002 pelas mãos de Paul Anderson, que também foi responsável pelo primeiro filme do Mortal Kombat.

Entre as principais diferenças do jogo e da série de 6 filmes está o foco em torno da personagem Alice, que não é original dos jogos. Talvez por isso, alguns fãs dos jogos não sejam tão fãs dos filmes, mas os números comprovam que os longas de Resident Evil foram um sucesso comercial.

Henry Cavill na série The Witcher — Foto: Reprodução/Observatório do Cinema UOL

O terceiro exemplo de adaptação que apresento aqui é o mundo quase infinito de The Witcher. Se o terceiro jogo da franquia, das plataformas PlayStation 4 e 5, Nintendo Switch, Xbox One, Series X e Series S e Microsoft Windows, apresenta um universo com muitas side quests que são capazes de, até hoje, entreter os jogadores, o universo ficcional de Geralt flutua entre diferentes mídias e formas de se narrar uma história.

Diferente dos exemplos anteriores em que os jogos de sucesso possibilitaram incursões em outras frentes audiovisuais, The Witcher surgiu, primeiramente, como uma série de contos poloneses, escritos pelo autor Andrzej Sapkowski a partir da década de 1980. No início dos anos 2000, ocorreu a primeira adaptação, para as telas de cinema, com o objetivo de estourar a bolha dos leitores poloneses, intitulada Wiedzmin no idioma original. A adaptação não fez o sucesso esperado, nem no país e nem em outras nações, sob o título de The Hexer (bruxo em alemão).

Em 2002, a série de contos foi adaptada para a televisão com um melhor resultado do que as telas de cinema. Mas o divisor de águas na saga de Geralt foi a adaptação da franquia de jogos, a partir de 2007, e em especial The Witcher 3: Wild Hunt, de 2015.

Ainda, em 2019 a Netflix lança uma nova versão de série sobre The Witcher, protagonizada por Henry Cavill e que já tem duas temporadas. A série é bastante aclamada entre o público.

A RICA FONTE DAS ADAPTAÇÕES OU NARRATIVAS TRANSMÍDIAS

O que me motivou a escrever este texto foi uma observação totalmente amadora e cotidiana da forma recorrente e sistematizada em que ocorre algum tipo de adaptação de jogos digitais em filmes e séries, por exemplo. Ou até mesmo produções originadas de livros e quadrinhos, de filmes e séries, e que se tornam franquias de jogos.

Tomando como ponto de partida a adaptação para série do jogo The Last Of Us, fui em busca de textos que aprofundassem análises sobre esse sistema de adaptações transmídias. E, para minha surpresa, o assunto rende alguns artigos acadêmicos com boas referências para se estudar o tema.

Um dos textos interessantes que encontrei na minha pesquisa é do professor Christopher Kastensmidt, que traz alguns apontamentos para o estudo das adaptações e apresenta um panorama de outros autores que já abordaram o assunto. Um dado interessante trazido pelo autor é a ideia de que há oito canais que possibilitam adaptações de e para jogos digitais, são eles:

Filmes > Jogos Digitais / Jogos Digitais > Filmes

Seriados > Jogos Digitais / Jogos Digitais > Seriados

Quadrinhos > Jogos Digitais / Jogos Digitais > Quadrinhos

Livros > Jogos Digitais / Jogos Digitais > Livros

Com isso, é muito interessante pensar como essas adaptações de jogos digitais para outras mídias possibilita não só transportar uma narrativa do jogo para uma série ou filme, mas também dá margem para explorar outros conceitos desenvolvidos originalmente para os jogos, como as mecânicas de combate. Dessa forma, pensar em ações físicas para os personagens de uma série ou um filme com base nas técnicas de ações pensadas para os personagens de um jogo, que demandam um comando do player, revela um novo processo criativo que pode alimentar o mercado de produtos audiovisuais.

Pensar em adaptações para além do seu potencial comercial e industrial, mas também nas suas possibilidades artísticas e seu impacto cultural é um caminho fértil para os novos e futuros criadores. Eu espero que este texto te inspire e te motive a pesquisar mais sobre o assunto, a produzir textos e, se for do seu interesse, produzir conteúdos audiovisuais que alimentem ainda mais o mercado de jogos e reforce o seu valor cultural.

MENÇÃO HONROSA

Vale citar algumas outras adaptações, como Detetive Pikachu (Pokémon), Uncharted, Lara Croft (Tomb Raider), Mortal Kombat, Street Fighter, Sonic e uma infinidade!

Fonte: 7 filmes e séries baseados em jogos que foram bem recebidos pelo público; 11 jogos de videogame que viraram séries e filmes; Apontamentos para o Estudo de Adaptações de Jogos Digitais

Gustavo Torquato é graduando em Produção Cultural e estagiário da Agência Nacional do Cinema — ANCINE. Também escreve e produz, entre outros projetos, dentro do Game Clube UFF, do qual é membro. E por último, é fã de televisão, cinema e The Last Of Us.

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Gustavo Torquato
Game Clube

Bacharelando em Produção Cultural pela Universidade Federal Fluminense, estagiário da ANCINE, redator e produtor audiovisual.