Tomb Raider Reloaded é bom, mas se você tiver um perfil na Netflix ele é excelente.

Novo game mobile de Lara Croft é cativante em todas as suas versões, mas só uma delas é a definitiva

Lucas Oliveira
Game Clube
6 min readMar 2, 2023

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Vivemos em uma boa época para se gostar de Tomb Raider.

Com a consistente trilogia principal lançada entre 2013 e 2018, além de alguns spin offs mobile bem interessantes como Lara Croft Go e Tomb Raider: Relic Run, é seguro dizer que a franquia nunca teve uma presença tão frequente nas notícias e discussões sobre games como teve na última década. Até mesmo os momentos mais fracos de Lara nesses últimos anos, como o filme reboot de 2018 — mesmo com os talentosíssimos Alicia Vikander e Walton Goggins, não há atuação que salve o tédio e o pouco carisma da obra — querendo ou não, servem para manter de pé a força da marca.

Com um suposto novo universo conectado que incluiria um jogo desenvolvido pela Crystal Dynamics, um filme inédito e uma nova série no Prime Video produzida pela fantástica Phoebe Waller-Bridge (de Fleabag), a tendência é de que a franquia mantenha uma posição favorável na indústria nos próximos anos enquanto continua explorando novos formatos com uma das personagens mais importantes da história dos games.

É justamente nesse contexto, de intensa expansão da marca, que recebemos o novo título para mobile Tomb Raider Reloaded. Desenvolvido pelo estúdio canadense Emerald City Games (que já tinha experiência com grandes marcas após Vikings: Valhalla e Star Trek: Legends) e publicado pela CDE Entertainment, é seguro dizer que o jogo foge do que seria esperado: em tempos onde toda franquia quer um tile matching pra chamar de seu, os desenvolvedores optaram por fazer de Reloaded um jogo de ação bastante frenético, talvez pouco apelativo para um público casual mais velho que a princípio se interessaria por um game de peças coloridas com uma Lara Croft estampada no ícone do jogo.

Fonte: MobileSyrup

Em vez disso, Reloaded consegue equilibrar bem a mira no seu público-alvo, composto parte por um público hardcore que busca jogos de ação e tiro, e parte por um público casual acostumado com jogos mobile e suas dinâmicas free to play. Cabe ao tempo dizer até que ponto esse equilíbrio se mantém de pé, pois é verdade que, dependendo do tipo de jogador, um lado pesa mais do que o outro.

No meu caso, devo admitir, a ação veloz e dinâmica do jogo me conquistou de imediato. Com fases curtas cheias de inimigos selvagens, controlar Lara enquanto ela dispara sequências de tiros tem sido uma experiência muito satisfatória, viciante mesmo, com aquela injeção de dopamina que só um like na sua foto ou um tiro crítico no inimigo pode proporcionar.

Tomb Raider Reloaded apresenta ainda uma infinidade de itens e power ups que podem ser desbloqueados, comprados e melhorados. Novas armas, munições, pulseiras, máscaras, mochilas e skins podem ser adquiridos a cada partida, e as pausas entre uma sessão e outra servem para montar seu kit de explorador e fazer um upgrade nos itens. Apesar da sensação gostosa de construir e melhorar seu set up (dopamina!), essa atividade também é, ao mesmo tempo, um desafio um tanto quanto confuso.

Bem, pelo menos pra mim, que não está tão acostumado com um dos elementos mais canônicos na indústria de jogos free to play contemporânea: as moedas in game. Reloaded conta com pelo menos 4 moedas internas, isso sem contar itens específicos obrigatórios para melhorar alguns equipamentos o que, de certa forma, poderia ser entendido como moedas também. Administrar seus itens com base nessas moedas é confuso e, mesmo jogando o game praticamente todos os dias por cerca de duas semanas, eu ainda não sei de cor a finalidade de cada tipo de moeda.

Fonte: Google Play

Essa miríade de tickets, gemas, moedas e afins também causa confusão a partir do momento que Reloaded conta com desafios diários, semanais e mensais (outro aspecto fortemente presente na indústria), pois praticamente tudo que se faz no jogo vai refletir no cumprimento de um objetivo que você sequer sabia que existia. Desafios são cumpridos o tempo todo, e por isso a presença de pontos de exclamação espalhados pelos botões do jogo é constante, indicando que há algo a ser checado por ali, geralmente bens a serem coletados.

Junte isso às onipresentes ofertas de vídeos em troca de recompensas (ganhar um conjunto extra de gemas ou reviver Lara, por exemplo), e tem-se um jogo que cumpre a tabelinha de tudo aquilo que os jogos mobile free to play apresentam atualmente.

A jogabilidade de Tomb Raider Reloaded me agradou bastante desde o primeiro dia, e eu só não me divertia mais por conta das manias da indústria, como suas moedas e seus anúncios em meio ao game. Mas tudo mudou poucos dias depois de eu ter começado a jogar, assim que a Netflix lançou sua própria versão do título.

Para aqueles que acompanham notícias sobre videogames, não é novidade que a empresa de streaming tem investido fortemente em jogos, tendo adquirido vários estúdios (alguns relativamente renomados) e continuamente disponibilizado games mobile para seus assinantes. A estratégia da Netflix em games segue um modelo popularizado em anos recentes por empresas como Apple (com seu serviço Apple Arcade) e Google (com o Play Pass) no sentido de cobrar uma assinatura por um catálogo crescente de jogos sem anúncios e sem compras in app. E é exatamente esse ponto que mudou completamente minha experiência com Tomb Raider Reloaded.

Fonte: GameVicio

Poucos dias após seu lançamento oficial pela CDE Entertainment, a Netflix divulgou ao público que havia acabado de lançar sua própria versão do jogo através de seu aplicativo mobile. Qualquer usuário com um perfil no serviço poderia baixar o jogo e aproveitá-lo nos mesmos moldes dos jogos que já haviam sido disponibilizados anteriormente, ou seja, sem se preocupar com compras e vídeos de publicidade.

A notícia foi uma surpresa para mim, que àquela altura já estava imaginando em escrever um texto sobre Reloaded, mas ainda sem saber o tema central do discurso. De um dia para o outro, alguns dos aspectos que mais me incomodavam no jogo simplesmente sumiram. Nada de vídeos para receber recompensas, nada de ter ofertas que devem ser compradas com dinheiro real sendo jogadas na tela a cada 3 minutos. É só jogar. E jogar mais do que poderia ser jogado até então. Ali eu sabia sobre o que seria meu texto.

É verdade que isso não conserta tudo: a profusão de moedas in game, por exemplo, continua. Mas a essa altura isso é menos um incômodo, e mais um aspecto com o qual eu simplesmente não me importo. O simples fato de poder girar duas roletas seguidas para conseguir recompensas sem precisar assistir um vídeo (na versão da CDE esse é um exemplo de momento em que você se sente psicologicamente forçado a ver uma publicidade em troca de moedas adicionais) torna a experiência bem mais gratificante do que seria na versão original do jogo.

Mesmo com alguns desanimadores costumes da indústria, a versão original de Tomb Raider Reloaded já era um bom jogo. Mas a versão da Netflix é excelente, e é essa versão, a definitiva, que você deve experimentar.

Lucas Oliveira é graduado em Estudos de Mídia e aluno de mestrado no Programa de Pós-graduação em Comunicação da Universidade Federal Fluminense — PPGCOM/UFF. Membro do mediaLudens — grupo de pesquisa em mídias digitais, experiência e ludicidade, concentra sua pesquisa na área de experiência estética com jogos eletrônicos, especialmente nas práticas de lentidão associadas ao movimento de slow gaming

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Lucas Oliveira
Game Clube

Media Student; Video Game Researcher; Digital Product Professional.