UMA BREVE APRESENTAÇÃO AO ESTILO OLD SCHOOL

Raphael Wheeler
Game Clube
Published in
4 min readMay 1, 2024

Cabisbaixos em uma taverna moderna, um grupo de quatro aventureiros escuta histórias de um precioso tesouro antigo escondido nas catacumbas de um passado não tão distante. Descendo pelas escadarias empoeiradas de pedra onde a luz não verte, um tomo desgastado repousa sobre um altar de mármore. Despindo-se de suas classes de prestígio, abandonam suas longas listas de habilidades, abraçando a criatividade para superar (ou não) um desafio, os aventureiros resgatam o velho tomo.

Com o advento da OGL 1.0a (Open Game License 1.0a) em 2000, a WotC — Wizards of the Coast, detentora dos direitos de propriedade intelectual sobre D&D — Dungeons & Dragons, as portas foram abertas para a criação de conteúdos/produtos autorais por outrem utilizando as estruturas dos materiais antigos de D&D.

Não só a nostalgia, mas também a insatisfação com os rumos das novas edições, o movimento da OSR (Old School Renaissance/Revival) ganha força entre os fãs. O resgate das raízes do D&D com jogos criados utilizando-se de mecânicas e estruturas próximas às primeiras edições. Não jogos exatamente iguais, mas que de algum modo guardam compatibilidade com as antigas edições de D&D.

Dentre uma lista imensa de jogos criados nessa perspectiva podemos citar alguns como Swords & Wizardry, Lamentations of the Flame Princess, Labyrinth Lord, Dark Dungeons, Old School Essentials, Dungeon Crawl Classics, Old Dragon etc.

Mas qual/como seria afinal de contas o estilo OSR que correlaciona todos esses jogos entre si? Para responder a essa questão, penso que uma base interessante está no Quick Primer for Old School Gaming escrito por Matt Finch, traduzido por Aline Terumi, Carlos Silva e Rafael Balbi do podcast Café com Dungeon, um dos veículos de comunicação mais importantes na divulgação da cena OSR brasileira.

Matt Fincher abre o diálogo para nos mostrar a experiência em jogos Old School a partir do que ele nomeia como quatro Momentos Zen. Esses são conceitos basilares que viram do avesso elementos fundamentais dos jogos modernos.

O Primeiro Momento Zen parte do seguinte pressuposto: “você não usa uma regra, você arbitra”. Essa premissa simples, porém não simplória, diz bastante do como jogos de RPG Old School costumeiramente trazem regras lacunares, incompletas. Não por descaso dos criadores dos jogos, mas justamente porque um dos papéis fundamentais do mestre está no arbitramento, no julgamento a partir do bom senso para definir as situações. Dados, por vezes, rolam pelo acaso, para representar os elementos de aleatoriedade.

A partir desse primeiro passo, podemos chegar ao Segundo Momento Zen, onde se extrai a ideia de desafios aos jogadores e não as suas fichas. Não, nenhum jogador precisa brandir espadas de verdade ou saber lançar feitiços, mas o âmago do desafio está nas soluções que jogadores buscam na abstração de suas criatividades. Não é sobre rolar atributos de Destreza para desarmar armadilhas, é sobre as soluções inventivas da própria astúcia do jogador. Por isso, além de rolagens de dados muito menos frequentes, em jogos de RPG Old School as personagens/avatares costumam estar muito mais próximas do jogador do que em jogos modernos.

O Terceiro Momento Zen parece justamente uma derivação lógica do Segundo. Você pode ser um herói, mas não um super. Assim, como a ideia é desafiar os jogadores, a escala de poder dos personagens está muito mais próxima de uma escala humana em uma realidade fantástica do que um ser superpoderoso que ascende a níveis quase divinos.

Em níveis mais altos nos D&Ds modernos, o poder das personagens já é bastante alto desde o início, enquanto que nos mais antigos, essas personagens escalonam em suas habilidades consideravelmente menos. Seu poder está mais sobre sua capacidade influência política e acúmulo de tesouros.

Já no Quarto Momento Zen, Matt Finch aborda a noção de equilíbrio de jogo. Para essa perspectiva, o mundo de fantasia impera sobre a ideia de nivelar os desafios do grupo de aventureiros. O mundo é vivo e, com isso, os desafios estão espalhados pelo mundo em diversas escalas não esperando os jogadores subirem de nível, mas sim suas escolhas de explorar ou não aquelas ruínas, masmorras, florestas ou dédalos.

Para além dos quatro Momentos Zen citados por Matt Finch, os RPGs Old School apostam em uma série de recursos para aproximar os jogadores a esse tipo de experiência. Seja a partir de fichas enxutas, mecânicas simples ou até mesmo os Dados Estranhos (que contam com dados de 5, 7 e até 30 faces) de Dungeon Crawl Classics que de algum modo tenta reaproximar o senso de estranhamento de mestres e jogadores aos dados hoje já populares (d4, d8, d10, d12 e d20).

O universo da OSR é particularmente vasto e tem muito a crescer. Não apenas para experiências puristas, mas também como um espírito que assombra positivamente os jogos modernos e cria uma lógica de retro influência.

Vida longa ao RPG Old School.

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