O Aprender Natural (ou jogos que criam condições de aprendizado)

Julio Matos
Gamificação Brasil
4 min readNov 5, 2015
Diagrama de diferenciação do aprendizado por experiência.

Para além do simples entretenimento ou até mesmo “passa tempo”, há um processo de aprendizado empírico nos jogos que pode servir como modelo de aprendizado sendo aproveitado em outros campos.

Na visão de Game Designer, um jogo possui diversas camadas de mecânicas (mecanismos inseridos no jogo responsáveis pela interação jogo-jogador) que servem como ferramentas que conduzem o jogador para a experiência projetada para aquele jogo. Estas mecânicas servem como interface para que os jogadores realizem suas escolhas na resolução de “microproblemas” que em conjunto resolverão um problema maior, que se traduz no objetivo do jogo.

Exemplificando, o jogador possui uma mecânica de “pulo” que permite que ele decida como superar obstáculos durante uma fase, em um jogo digital, e progredindo através de cada obstáculo ele progride em direção ao objetivo do jogo, no caso o “fim da fase”. Ou como em um jogo analógico, onde o jogador possui um número limitado de recursos que precisa optar onde gastar a cada rodada para ganhar pontos e ao final de um número determinado de rodadas possuir mais pontos que seus adversários e alcançar o objetivo do jogo.

No contexto da educação formal, os conceitos que são meta de aprendizado aparecem no formato de soluções otimizadas para problemas. Como um modelo de referência, cada problema possui uma solução prevista, seja através de uma lógica sequencial ou através de uma fórmula simplificada, gerando um processo de “reprodução” de modelos que não necessariamente precisam ser aprendidos (no sentido de aprendizado como apropriação do conhecimento, que é introjetado pelo indivíduo), mas memorizados e reproduzidos de modo literal em problemas futuros que apresentem construções similares. O novo problema apresenta o desafio de “leitura de modelo”, pois assim que se conclui a qual modelo o problema se dissolve, baste que se aplique o modelo de forma excelente para solucioná-lo.

Em caso de insucesso, se avalia pela incapacidade de reproduzir o modelo com excelência, recomendando-se que revise os modelos aprendidos até que seja possível se recordar de todos os modelos necessários para aqueles problemas que serão apresentados. Este fenômeno é facilmente observável no campo da Matemática, mas com um certo esforço é possível enquadrar em qualquer campo de conhecimento dentro da educação formal.

Interfaces para tomada de decisão em um contexto

No contexto dos jogos, não é apresentada uma solução otimizada para o problema, mas sim uma série de ferramentas intuitivas que irão lhe ampliar o leque de opções de escolha para que você possa aprender a cada uma destas escolhas. Um “manual de regras” ou “tutorial” não lhe apresenta o caminho perfeito para alcançar o objetivo, ou a melhor estratégia para superar os adversários, mas sim as ferramentas e limites para que os jogadores façam suas escolhas e aprendam a cada uma delas.

Hoje é fácil observar um clássico jogo como “Mário”, onde saltar sobre obstáculos é a principal mecânica do jogo, e perceber que mesmo um jogador que nunca tenha sequer visto uma tela de vídeo game em toda a vida, após alguns minutos de jogo, já começa a desenvolver um conhecimento sobre “o que é preciso fazer” para superar os obstáculos. Os jogos não apresentam modelos reproduzíveis (mesmo que com o tempo se desenvolva “Linhas Estratégicas” ou “Habilidade”), mas conjuntos de regras para que, a cada erro, o jogador possua uma nova escolha e avance, mesmo errando.

Na proposição de aprendizado experiencial, o objetivo máximo é o conceito que se busca apropriar e através de “microproblemas”, criados dentro do contexto do conceito, que geram escolhas que progridem (tanto quando são solucionados corretamente, quanto quando não são solucionados ou é escolhida a opção “errada”) e se conectam com os pilares que fundamentam o conceito. Um erro ou escolha menos eficaz lhe abre uma nova escolha e após algumas escolhas, o indivíduo intuitivamente percebe um conjunto histórico de conhecimento no processo e “desvia-se” para a melhor solução do problema. Como em um aprendizado cíclico e natural.

Portanto, o objetivo da proposta de aprendizado experiencial é avançar além do “trazer o lúdico para a sala de aula” inserindo jogos descontextualizados dentro de um processo de educacional baseado em modelos. É desconstruir os modelos em forma de “microproblemas” contextualizados a realidade dos indivíduos e transversais aos múltiplos conhecimentos. Estes problemas, em sua solução, constroem as partes do modelo e o transformam em conhecimento apropriado, “colando” o conceito que será ferramenta para solução de futuros problemas.

Uma espiral ascendente e positiva de conhecimento.

--

--

Julio Matos
Gamificação Brasil

Tudo que você precisa saber sobre mim está aqui: http://about.me/julio.matos o resto só perguntando :)