Releituras 3 — Entendendo e decompondo jogos em mecânicas

Julio Matos
Gamificação Brasil
4 min readJun 2, 2017

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Estava eu buscando maneiras de prosseguir os textos de design, detalhando os conceitos que apresentei brevemente na nossa Releitura anterior. Acontece que lembrei que eu já escrevi esse texto antes, ainda nos tempos em que era dono da Lends Club. Por isso estou trazendo ele agora para o meu Medium, pois dentro desta sequência ele faz muito mais sentido! Me acompanhem nestes devaneios! ;)

Primeiramente é importante estabelecermos uma ideia de:

“O que é uma mecânica? ”

Este é um daqueles conceitos que todo mundo usa, mas nem sempre está querendo dizer a mesma coisa. Para nosso interesse, mecânica seria toda ação proposta pelo jogo que exige uma decisão de um jogador ou que altera as condições de uma decisão futura de um jogador.

Um exemplo simples para definição: quando a regra de um jogo de cartas diz que “você pode jogar uma carta dentre as que compõe sua mão de cartas a cada rodada”, ela está propondo uma ação que envolve uma escolha do jogador. Quando, neste mesmo jogo, a regra propor “Compre uma carta do seu baralho no início de uma rodada” ela está alterando as condições para uma decisão futura, que neste caso é a de qual carta será jogada quando chegar a hora.

Este contexto simples, de dupla função, engloba grande parte das mecânicas propostas por regras em jogos, levando-nos a conclusão de que o ponto chave de qualquer game design é a tomada de decisão dos jogadores. Isso pode parecer óbvio para você que já está “calejado” na empreitada de criar jogos, mas percebe-se que nem sempre é o ponto focal de design de alguns projetos.

Decompor um jogo em suas mecânicas, significa ir, para além das regras, até suas ações básicas, separando as tomadas de decisão dos jogadores das condicionantes que por ventura venham a se tornar presentes. É preciso entender onde/quando os jogadores tomam suas decisões e quais mecânicas foram implementadas de modo a estas decisões alterarem algum status quo futuro. Sempre que estas duas instâncias se interligam de alguma forma (decisões imediatas que geram condições futuras) tem-se uma experiência com maior significado, na medida em que o jogador percebe a importância de suas decisões futuras.

Exemplificando

Para ficar mais simples o entendimento, usaremos um exemplo prático, decompondo em mecânicas um jogo de Dominó e separando em mecânicas de “decisão” e de “condição futura” (vamos olhar para a versão mais comum, conhecida como “duplo-seis”).

- Embaralhar as peças (condição futura): Em um jogo de Dominó, se embaralha previamente as peças do jogo (28 ao todo) para que os jogadores componham sua mão de 6 ou 7 pedras de forma aleatória, criando uma condição imprevista de possibilidades

- Comprar 6–7 pedras (condição futura): O número de pedras inicial serve para delimitar e equilibrar as possibilidades de cada jogador. Serve também para resumir seu campo de escolha àquele conjunto de peças.

- Jogar uma peça (decisão): O jogador precisa jogar uma peça que conecte um de seus lados às peças já dispostas no tabuleiro. Ele precisa se livrar de suas peças antes que o outro jogador o faça, para ganhar o jogo.

- Trilha de peças no tabuleiro (decisão): A trilha de peças cria um histórico do que foi jogado e gera informações para o jogador decidir em qual lado e qual peça irá jogar, visando diminuir as possibilidades dos outros jogadores de se livrarem de suas peças.

- Comprar novas peças quando não há como completar a trilha com a sua “mão” (condição futura): Esta mecânica força o jogador a adquirir novas peças (de forma aleatória devido a mecânica de embaralhar as peças) quando ele não tem algo que encaixe nas pontas da trilha, fazendo com que ele fique mais longe de ganhar o jogo.

Decompondo desta forma, fica fácil perceber que o jogo clássico de Dominó consiste em uma série de decisões, baseadas em sua capacidade de prever quais possibilidades e escolhas estão disponíveis para seus oponentes, bloqueando-os e forçando-os a comprarem peças, enquanto mantém possibilidades abertas para que você sempre possa decidir por uma de suas peças na “mão” e jogá-la na trilha.

Com base nesta decomposição podemos começar a pensar em várias outras possibilidades para o mesmo jogo, pois agora sabemos quais decisões o jogador toma (que são as mais importantes do jogo) e quais mecânicas estão provocando condições futuras. Como seria um Dominó onde você pode escolher suas peças iniciais? Ou que você precisa escolher previamente a ordem de suas peças a serem jogadas e não pode alterar posteriormente?

Apenas decompondo um jogo em suas mecânicas básicas, já é possível observar diversas possibilidades criativas de alterá-lo ou mesmo aproveitar alguma mecânica específica para outra dinâmica em algum jogo que você esteja criando. Tente fazer isso com seu jogo predileto ou com aquele jogo de contar histórias que te fascina.

É um ótimo exercício de game design.

Artigo originalmente publicado aqui.

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Julio Matos
Gamificação Brasil

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