Detalhes espaciais: Policiais e Astronautas

Visitando a ficção científica policial: Policenauts de Hideo Kojima.

Ives Aguiar
Games Brasil

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Mesmo sobrevivendo sob o status de cult, quase esquecido pelo tempo e pelo fato de ter saído no fracassado SEGA-CD, Snatcher é celebrado como um dos primeiros trabalhos de Hideo Kojima antes de Metal Gear, mostrando um universo rico e interessante, mesmo com uma estrutura datada.

Essa pequena base instalada foi o bastante para me deixar animado para outro jogo do Kojima: Policenauts (1994).

O jogo nunca saiu do Japão devido a problemas com a sincronização do áudio em inglês nas cenas de animação. Só teve uma relativa atenção do público quando saiu uma localização não oficial feita por fãs em meados de 2009.

Após finalizar Snatcher minhas expectativas eram bem altas e devo dizer que sai ligeiramente decepcionado.

É bem difícil dizer isso na verdade, admitir que fui enganado pelo monstro da expectativa e aceitar que a experiência fornecida beira a mediocridade. Claro que existem acertos, mas não dá para aguentar essa história que começa interessante e no final é qualquer coisa, prologando-se em dez horas de interfaces de point and click datadas que graças a Deus não existem mais.

A falta de timing aqui é gritante. Existem vários cenários e sequências que podem ser descartadas, não acrescentam nada e só fazem perder tempo com diálogos longos que as vezes você se questiona se realmente precisavam ser dublados. Os textos são prolixos, deixando você cansado, torcendo para que acabe logo.

As sequências de tiro que nem deveriam existir em Snatcher se repetem por aqui. Mesmo sofrendo melhorias mecanicamente falando, ainda são chatas e deveriam se resumir aos mini-games de treino que pelo menos tem uma música vibrante, dançante e frenética, casando perfeitamente com a ação de atirar.

Alguns personagens só existem para diversificar a quantidade de pessoas que pode interagir, porque no final eles são mal construídos, gerando aquela dúvida se eram realmente necessários para trama.

Mesmo apontando esses erros importunos que estragam a experiência como um todo, Policenauts tem um espaço no meu coração pelo esforço que é claramente perceptível com os detalhes existem ali só para engradecer o universo criado, dando uma um viés realista.

Estamos falando de um adventure point and click que conta uma história estilo buddy cop envolto por um universo hard sci-fi, digno de Blade Runner, 2001 — Uma Odisséia no Espaço e Alien. É Máquina Mortífera, só que no espaço. Jonathan Ingram e Ed Brown são Martin Riggs e Roger Murtaugh, respectivamente.

Beyond Coast é a primeira colônia espacial cem por cento funcional. Foi concebida em 2010 e teve sua primeira geração de habitantes a bordo em 2013 sob a cautela dos Policenauts, grupo composto por cinco astronautas com autoridade policial.

Gate Becker da Scotland Yard, Joseph Sadaoki Tokugawa do Departamento Policial de Tóquio, Salvatore Toscanini do Departamento Policial de Nova Iorque, Jonathan Ingram e Ed Brown do Departamento Policial de Los Angeles, foram os cinco escolhidos para a tarefa.

A temática principal do jogo passeia sobre a colônia e a importância dos cinco policiais para um decisivo passo na conquista espacial. Se Metal Gear grita “Armas Nucleares são mo palha caras”, Policenauts nos fala de maneira calma e paciente “Cara, o espaço é mo treta vamo vê isso ai pq parece que vai dá merda isso ae”.

Existe uma projeção muito bem feita de como os seres humanos se comportariam se existisse uma maneira eficiente e funcional de morar no espaço.

Tudo é explicado para que acreditemos nisso. Para entender isso facilmente é só passear pelo glossário que o Policenauts.net (tradutores) disponibiliza:

Vamos usar a Beyond Coast como exemplo.

Ela órbita o ponto langraniano L5, um dos pontos gravitacionais mais estáveis ao redor da Terra em relação a terra e a lua. É a primeira e a última colônia de O’Neill, possuindo um formato cilíndrico. Faz sua rotação completa em dois minutos, criando gravidade artificial igual a 1G. Possui três espelhos para coletar raios solares e consegue reproduzir o efeito da noite fechando-os por oito horas. Também servem como bloqueadores de radiação.

Suas necessidades energéticas provêm das estações solares localizadas fora da colônia.

Foi nomeada devido a seu clima ser inspirado na costa oeste da América.

Essa pequena descrição é apenas uma porcentagem muito pequena da quantidade de informação baseada em fatos existentes. E tudo é disponível através de texto, seja por diálogo ou explorando o cenário. Se estiver interessado em saber como tudo funciona, existe uma explicação complicada, grandiosa e as vezes insana, por trás.

Em termos de localidades, temos o Museu Memorial dos Astronautas que celebra as atividades espaciais e os trabalhos dos cinco policiais. É aqui que temos a explosão de detalhes e pesquisa, com dados a cerca das sondas Pioneer 10 e 11, dados sobre a primeira viagem a Lua.

Astronaut Memorial Museum em cima e Kennedy Space Center em baixo.

Além de que arquiteturalmente falando é fortemente inspirado no Kennedy Space Center.

Isso acaba se transformando na base do trabalho do Kojima, um pouco mais comedida: Uma história ficcional, um pouco absurda, baseada em fatos, acontecimentos e objetos existentes.

O VTOL (Vertical Take-Off and Landing) soviético de Metal Gear Solid 3 é exemplo desse detalhismo continuo. No jogo é dito que foi inspirado no design americano do Hiller VZ-1 Pawnee mas a inspiração inicial veio na plataforma voadora soviética William X-Jet, desenvolvida na década de 70.

Policenauts é dividido em sete atos e até a cena final, você é constantemente bombardeado com trivias sobre o espaço, como a vida opera em Beyond Coast, às vezes chega a incomodar já que não existe tempo para respirar.

Mas isso se compensa no ato final, ao perceber que tece comentários sobre os diversos avanços da humanidade para conquistar seu pedaço do espaço e que não possuem noção do quão vasto ele é, assim como os diversos perigos encontrados.

Uma coisa é fazer uma missão/viagem espacial que para a Lua que leva aproximadamente três dias e para Marte, 300.

A colônia existe há 30 anos.

Três décadas tentando sobreviver e superar os diversos problemas encontrados fora da Terra como aqueles causados pela imponderabilidade fazendo o corpo humano excretar cálcio e fósforo, resultando em perda óssea. Além disso, estão expostos a doses cavalares de radiação ionizada que baixa a imunidade e aumenta o risco de catarata, câncer, problemas cardíacos, danos ao sistema nervoso central e danos ao cérebro.

Isso prejudica toda a forma de vida existente dentro da Beyond Coast, onde as crianças geradas dentro da colônia são mais propensas a gerar problemas genéticos. O psicológico dos cidadãos espacias foi se destruindo durante os anos, tentando sobreviver ao espaço.

Os eventos de Policenauts estão diretamente relacionados a corrupção humana diante aos novos desafios que tiveram que lidar como raça ao sair de onde foram concebidos.

É possível cair de cabeça em tais conceitos, sua apresentação dentro do universo estabelecido é fascinante e é o bastante para respeitar tal realização, mesmo se no final a experiência como um jogo não foi satisfatória.

O interessante é conhecer as fundações que inspiraram Policenauts, como os filmes de ficção cientifica mencionados anteriormente, assim como o sonho de criança do Kojima em se tornar um astronauta. Ele também foi fortemente inspirado pelas animações japonesas mais apegadas ao gênero sci-fi como Gunbuster do Hideaki Anno e Royal Space Force da Gainax.

A trama principal, envolvendo a volta de Jonathan Ingram a realidade depois anos congelado é levemente inspirado na japonesa antiga do Urashima Taro, onde um pescador é levado ao Ryūgū-jō após salvar a Otohime e ao retornar percebe que 300 anos se passaram.

Talvez se fosse feito nos dias hoje, utilizando a molde de jogos point and click atuais seria algo mais palatável.

O que nos resta é agradecer ao grupo de boas almas que resolveram traduzir essa pérola espacial.

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