As origens da Criptografia: uma história de trocas e rotações

André Fakhoury
Blog do Ganesh
Published in
5 min readAug 23, 2018

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Sabe-se que muitos dados circulam atualmente, principalmente em meios digitais. Agora imagine se qualquer pessoa que tivesse contato com esses dados pudesse acessar o conteúdo deles ― isso pode representar um grande problema em relação à segurança e privacidade. E é nesse contexto que a criptografia se encaixa bem.

A criptografia consiste em um conjunto de práticas e técnicas com o objetivo de tornar certa mensagem, a priori, incompreensível. Ou seja, a mensagem original “troca de forma” para não ser compreendida à primeira vista. Embora apenas atualmente a criptografia seja considerada uma ciência, ela é utilizada há milhares de anos para proteger textos que deveriam ser secretos.

A evolução da Criptografia

A história da criptografia divide-se em dois períodos: criptografia clássica e criptografia moderna. Em geral, a criptografia clássica, como o nome sugere, é aquela utilizada desde os povos antigos até as primeiras grandes máquinas eletro-eletrônicas; já a criptografia moderna se desenvolveu principalmente no decorrer da Segunda Guerra Mundial, e utiliza meios mais avançados, que garantem (normalmente) mais segurança.

As primeiras cifras

O vestígio mais antigo de uma certa forma de criptografia foi descoberto escrito em uma tumba do grande chefe egípcio Khnumhotep II, lá pros anos de 1900 a.C., onde os escribas resolveram usar alguns símbolos de hieróglifos não tão comuns no lugar de alguns conhecidos. Acredita-se que as possíveis razões que levaram à codificação da inscrição foram preservar certos segredos religiosos, ou aumentar o “mistério” acerca do texto e deixar a tumba mais digna e estilizada.

Hieróglifos da tumba de Khnumhotep II. Fonte: Machinae

As cifras de substituição

Evidências de usos de criptografia também são percebidas em outras grandes antigas civilizações, e em Roma que temos seu maior exemplo. Mais ou menos nos anos de 100 a.C., era utilizado um exemplo de cifra de substituição para enviar mensagens de Júlio César para seus generais nas guerras. Essa cifra é conhecida e ensinada até hoje, e é denominada Cifra de César.

Uma cifra de substituição funciona da seguinte forma: a partir de uma mensagem original, cada caractere dela é substituído por outro caractere. Assim, é formada outro texto, já criptografado. Estas cifras também podem utilizar outros alfabetos, que possuem caracteres diferentes (por exemplo, é possível realizar uma cifra de substituição na escrita japonesa, ou até mesmo em alfabetos inventados).

A cifra de César se constituía numa deslocação de 3 letras no alfabeto: por exemplo, o ‘A’ vira ‘D’, ‘B’ vira ‘E’, e assim por diante, até chegar no final do alfabeto, em que se volta ao início ― o ‘X’ é substituído por ‘A’ e assim vai. Por exemplo, a palavra Criptografia, com a cifra, se torna Fulswrjudild. Porém, essa prática não garante tanta segurança ao texto, sendo facilmente quebrada — mesmo assim, é melhor que utilizar o texto sem alterações.

Representação gráfica da cifra de César. Fonte: aminoapps

Outra cifra de substituição bem conhecida é a Zenit Polar. Nesta, cada caractere da palavra é substituído por sua correspondente, de acordo com o nome Zenit Polar. Se o caractere não tem correspondente em “zenit polar”, ele se mantém. Por sua facilidade de implementação, ele foi amplamente utilizado em guerras, principalmente pelos alemães na Segunda Guerra Mundial.

Ou seja, o ‘Z’ é substituído por ‘P’ e vice-versa; o ‘E’ é substituído por ‘O’ e vice-versa; o ’N’ é substituído por ‘L’ e vice-versa, e assim por diante.

Por exemplo, a palavra Criptografia, cifrada, ficaria Ctazregtifai.

Vigenère e a Chave de Criptografia

Outra cifra muito importante historicamente foi desenvolvida durante o século XVI pelo criptógrafo Giovan Battista Belaso. Esta cifra é, supostamente, a primeira cifra que utiliza uma chave de encriptação. Explicando a grosso modo, é feita a substituição de um caractere da mensagem original para um caractere criptografado de acordo com uma outra mensagem ― a chave. Embora tenha sido desenvolvida pelo italiano Giovan Belaso, esta cifra foi erradamente atribuída ao diplomata francês Blaise de Vigenère, e é denominada Cifra de Vigenère.

A expressão matemática utilizada para gerar o texto criptografado é a seguinte (caractere por caractere): Criptografado = (Original + Chave) mod 26 — mod é uma expressão matemática em que se pega o resto da divisão de dois números.

Exemplo de utilização: criptografia com a chave ganesh.

Para obter o texto criptografado, podemos reescrever cada caractere da palavra original e da chave com a posição no alfabeto em que representa (A = 0, B = 1, …).

Uma tabela contendo, na primeira linha, a palavra original “criptografia”, e na segunda linha os números “2, 17, 8, 15, 19, 14, 6, 17, 0, 5, 8, 0”.
A palavra “criptografia” é agora reescrita como um conjunto de números
Uma tabela contendo, na primeira linha, a palavra original “ganeshganesh”, e na segunda linha os números “6, 0, 13, 4, 18, 7, 6, 0, 13, 4, 18, 7”.
O mesmo ocorre com a palavra “ganesh”. Porém, agora o padrão é repetido para ficar do mesmo tamanho da mensagem original.

Como a chave é menor que a mensagem original, ela é repetida (nesse caso, ficaria ganeshganesh). Agora, somando caractere com caractere e realizando o módulo 26:

Com isso, a palavra cifrada é irvtlvmrnjah.

Caso queira algo mais completo, aí embaixo é a tabela com todas as combinações da cifra de Vigenère:

Tabela contendo todas as combinações possíveis de letras, par-a-par, e seus respectivos resultados.
Fonte: mcsesolution

Embora também seja fácil de ser quebrada, essa cifra trouxe a (brilhante) ideia de usar uma chave para realizar a criptografia, e por isso é conhecida atualmente.

Esse artigo apresenta apenas um breve histórico da criptografia, no período clássico. Posteriormente serão publicados mais textos, com mais informações e métodos de criptografia utilizados atualmente.

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