Chá, Uber e Justiça

Gabriel Senra
Gabriel Senra
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5 min readNov 29, 2016

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Passava pouco de 7 horas quando pousei no Rio para uma reunião de trabalho. Dia nublado e, por isso, nada de fotos bonitas para o Instagram. No fone de ouvido, On Hold, bem alto, pra acordar.

Fila pra sair do avião. Malas do Romero Brito. Escada rolante. “Táxi, senhor? Não, obrigado!” Vamos na competição de marcha olímpica mesmo até o Uber Lounge, do outro lado do aeroporto. Ao entrar no carro, eu disse: “Toca pra Botafogo!”. Mentira, não falei nada disso. Só um simpático bom dia, e o app cuidou do resto. Viva a tecnologia.

Cheguei adiantado, como de costume.

“Moço, só débito”, disse a Sandra, com um sorriso raro de se ver pela manhã. “Claro que não aceita crédito”, pensei, é o Rio. E ela serviu meu mate com limão. Sentei no fundo do salão para poder conferir meus emails em silêncio (tá, o Facebook também) e, de repente:

“Viveeeer… e não ter a vergonha de ser feliz! Cantar, e cantar e cantar, a beleza de ser um eterno aprendiz” (…) “Mas isso não impede que eu repita: é bonita, é bonita e é bonita”.

Sim, ainda não eram 8 horas as atendentes do Rei do Mate estavam cantando Gonzaguinha. Juntas. E bem alto, pra todo mundo ouvir.

E foi aí que eu entendi tudo.

Foi aí que eu entendi o motivo pelo qual o Reinhard se mudou para o Brasil há 26 anos por “amar a a bagunça por aqui”.

olha o Reinhard aí…

Reinhard é o motorista do Uber que me levou do aeroporto para o meu primeiro compromisso. Curioso que sou, ao notar o sotaque a cara de gringo, perguntei de onde ele vinha. Ele disse: Áustria. Eu respondi que já tinha ido. Falamos sobre Viena e, na sequência, divagamos obviedades sobre suas diferenças com o Rio.

Nada comum para uma corrida urbana, nas quais geralmente o assunto é o flamengo, o calor ou o #foraTemer.

Eu tentei ir além. Perguntei o porquê dele ter escolhido o Brasil como sua casa. Ele respondeu, sem pensar muito:
o carinho. Pra ele, o Brasileiro é mais carinhoso do que qualquer outra pessoa no mundo. É mais amoroso, e se deixa aproximar. E isso faz bem à alma. E pensando bem, talvez ele tenha razão.

Mas deixa isso pra lá. Muito batido falar sobre o que é ser brasileiro, né? Isso já devia ser motivo de orgulho pra você. Se não for, me avisa que a gente conversa. Sério mesmo.

O que me chamou atenção na conversa com o Reinhard foi outra coisa. Eu perguntei se ele não se sentia inseguro morando no Rio.
E ele disse que não.

(Hã?)

E desatou a falar:

“Eu sei que o Rio de Janeiro tem muitos problemas. Se você ligar a televisão vai ver um monte de coisa. Parece guerra civil. Claro, a violência é um problema, mas as pessoas exageram. O Rio de Janeiro não é tão inseguro quanto parece. Você pode ser roubado em qualquer lugar do mundo. Com esse meu jeitão de gringo, nunca tive um problema sequer.”

Sei não… Acho o Rio uma cidade muito violenta sim, acima da média, e me sinto inseguro toda vez que ando por lá. Discordei dele na hora, mas em pensamento, porque queria saber onde essa história ia acabar.

O problema aqui é outro, disse o Reinhard.

“O maior problema do Rio de Janeiro reflete o DNA do Brasil. Chama-se injustiça. No Brasil não há justiça. E o brasileiro nem sabe o que é isso.”

Seu destino está à direita.

Foi o que falou alto a Alessandra, a voz do Waze (é esse o nome dela, né?). Eu quase pedi para ele dar mais uma volta para continuarmos o papo, mas eu queria mesmo chegar cedo na reunião. Eu sempre chego cedo. E desci. E tomei o mate da Sandra, que comentei agora há pouco. E a ouvi Gonzaguinha. E a vida seguiu, bonita.

E a verdade é que nunca vou saber de qual injustiça o Reinhard estava falando. Justiça é um negócio muito complexo.

Sabe, eu fiquei pensando muito nisso. Ele pode ter se referido ao triste fato de que, aqui no Brasil, só pobre fica preso de verdade. Em tempos de prisões de políticos e empreiteiros isso pode soar desatualizado, mas a verdade é que se você tem dinheiro, você não vai ficar preso. E se for, vai ficar pouco tempo no xadrez. A não ser que você seja inimigo da Globo. Ou do Moro. Aí ferrou, e você vai preso mesmo.

O sentimento de impunidade no Brasil é muito grande. O crime, para alguns, às vezes, parece compensar. E isso é, sim, um câncer para a nossa sociedade.

Talvez seja dessa injustiça que o Reinhard tenha falado. Mas só talvez.

Ele pode também ter falado sobre como somos injustos uns com os outros. E o que é pior: injustos com nós mesmos.

Somos, em geral, muito injustos com tudo e todos. Gostamos de reclamar. Do chefe, do estagiário, da namorada. Roubamos ideias, não reconhecemos quando estamos errados. Não dizemos obrigado e gostamos bastante de um “privilégio”.

Mas tem algo pior do que ser injusto com essa turma toda.

Pensa aí: você é justo com você mesmo?

Eu sempre fui justo com todo mundo, e, ao mesmo tempo, não era justo comigo. Mas aprendi a ser, na marra. Ser justo com você mesmo é respeitar seu corpo, seus sonhos e seus medos. Mas acima de tudo, é respeitar o que você tem de mais valioso na vida: o tempo. Ser justo com você mesmo é aprender a usar melhor as nossas preciosas horas de vida.

No último domingo eu estava falando disso com dois amigos, num bar em Belo Horizonte. Eles me perguntaram o que mais mudou na minha vida depois de eu ter mudado para São Paulo. E dentre uma série de coisas, talvez essa seja a mais relevante: hoje eu sou mais consciente e coerente com meu tempo.

Perceber o tempo melhor me fez escolher melhor os programas e as pessoas com quem vou encontrar. Aprendi a montar uma agenda que me permita trabalhar muito e me divertir no caminho. Não vivo esperando os fins de semana ou as férias que nunca chegam.

E vi que que para ser justo comigo, bastava isso: me permitir não estar atrasado ou adiantado em relação a ninguém. Nunca é tarde demais. Essa é a fórmula mágica para não ser velho demais ou novo demais pra fazer o que se deve.

Entre uma foto de pôr de sol e um prato de comida, outro dia li no Instagram uma frase que gostei muito: “Em uma vida bem vivida, cada segundo é uma saudade que fica”.

Fica a dica: seja justo com você e respeite o seu tempo.

E siga cantando, porque a vida é sim, bonita.

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