Ela comprou por causa do e-mail ou do stories?

Carlos Fonseca
gb.tech
Published in
8 min readAug 24, 2021
Uma mão segurando um celular com cifra de dólares na tela
Uma mão segurando um celular com cifra de dólares na tela | Foto de Tech Daily na Unsplash

Não faz tanto tempo que a vida do profissional de marketing era um pouco mais fácil. Praticamente toda a comunicação com o consumidor era feita de forma massiva, por meio de anúncios em rádio e televisão, ou com mídias impressas (panfletos, jornais e outdoors).

Nesse mundo offline, a propaganda era principalmente um jogo de números. Fazer um anúncio na Rede Globo trazia mais retorno do que na TV Manchete, simplesmente porque a audiência era muito maior e, com isso, crescia a chance de impactar algum interessado no seu produto.

Do Intervalo do Fantástico ao Tik Tok

Mas nas últimas duas décadas, esse ecossistema ficou um tanto mais complexo. A massificação do acesso à internet e desenvolvimento dos e-commerces não só criou novos meios de acesso aos consumidores (via e-mail, redes sociais e anúncios em pesquisas do Google), como permitiu coleta de grande quantidade de dados de clientes (desde que produto ele mais compra, até qual página do site ele passou mais tempo antes de decidir que produto levar).

Toda essa transformação permite ganho de eficiência de ações de marketing via, principalmente, dois pilares:

1) Entender qual canal é mais aderente a cada cliente (você talvez nem veja mais TV, mas sempre tá de olho nos seus stories); e

2) Personalização de conteúdo que leve a maior chance de conversão (você não quer oferecer a camisa do Vasco para um flamenguista, né?).

Assim, áreas como CRM (Customer Relationship Management) e Mídias Digitais crescem em importância a cada ano (ou dia?) dentro das empresas. Mas em um mundo em transição, onde as mídias offline ainda tem papel importante; e multicanal, onde o cadastro em um programa fidelidade vai te fazer tanto receber um e-mail quanto ser bombardeado por Google Ads; como medir de fato qual canal está trazendo mais retorno, e como funciona a interação entre eles?

Opção 1: Atribuição Last Click

Talvez a primeira resposta que venha na sua cabeça para esse problema seja tão simplesmente medir a receita captada a partir de cada canal. Se o cliente ingressou no site via e-mail, atribuo aquele resultado para o canal e-mail. Se ele chegou lá clicando numa propaganda do Facebook, é um resultado de Facebook, e por aí vai.

A atriz Meg Ryan em cena do filme "Mensagem Para Você", está sentada à mesa com uma camisa social branca listrada, prestes a clicar em um notebook preto.
Meg Ryan em cena de "Mensagem Para Você". BRIAN HAMMIL/WARNER BROS.

De fato, esse modelo é hoje o mais utilizado no mercado, pela facilidade de medição e aparente assertividade (chegar no site via e-mail significa ter aberto e lido pelo menos parcialmente o e-mail, então existe uma confirmação de interação inerente ao processo). Ele é chamado de atribuição Last Click porque o cliente pode interagir com uma marca via diferentes canais, mas a sua conversão entra como resultado daquele em que ele interagiu por último e, portanto, foi decisor definitivo para compra.

Para muitas aplicações em empresas esse modelo já é suficiente. Mas ele tem algumas limitações, especificamente para tratar das interações entre os canais. Está cada vez mais claro para as companhias que os consumidores não interagem pontualmente com as empresas, mas sim passam por verdadeiras jornadas de compra, com múltiplas interações com as marcas até desembolsar seu suado salário. Sendo assim, o quanto é justo atribuir a apenas uma comunicação o resultado combinado de várias?

Opção 2: Last Click + Assistência

Uma solução para esse problema é a adição de um termo de assistência de compra. Imagine que na segunda e na terça um consumidor clicou em 2 propagandas no Tik Tok, antes de quarta-feira fazer uma compra via e-mail. Apesar do canal principal e definitivo para compra ter sido este último, não dá para descartar a importância que o Tik Tok teve para trabalhar o produto na mente do cliente.

Pequeno vídeo mostrando jogador de futebol tentando chutar uma bola, e acabando dando um passe para um companheiro.
Quando o chute vira uma assistência. Fonte: canal rom7ooo no youtube.

Sendo assim, cria-se um modelo de importância das interações para a compra final. Por exemplo, o canal do last click é o mais importante e ganha um peso 1. O Tik Tok de terça aconteceu no dia anterior, então ele pode numa conta simples ganhar um peso de 1/(1+1)=0,5. O Tik Tok de segunda que volta mais um dia no tempo fica com peso 1/(1+2)=0,33. No final, ficamos com peso 1 para e-mail e (0,5+0,33)=0,83 para Tik Tok.

Com esses pesos, dividimos a receita (digamos, 100 reais) de acordo com os canais seguindo a equação Receita*Peso_Canal/Soma_Pesos. No nosso exemplo, ao invés de atribuir totalmente os 100 reais para a campanha de e-mail, ficamos com R$54,64; com o restante sendo atribuído para o Tik Tok.

Claro que de acordo com o seu negócio, alguns ajustes podem ser feitos nessa equação geral (talvez usar um log no efeito do tempo; talvez cada canal partir de um peso diferente de acordo com sua importância, ao invés de sempre partir de 1 como mostrado; etc.).

O modelo de assistência já acrescenta bastante robustez ao processo de mensuração de resultado, mas estamos em um Medium de tecnologia, e aqui a gente acredita que pode avançar ainda mais! Então, o que mais pode dar errado para enviesar nosso resultado?

Bom, imagine uma pessoa viu uma propaganda na tv e por causa dela, decidiu comprar um Malbec. Mas ela estava nesse momento passeando pela timeline do Facebook, e resolveu chegar no site do Boticário por meio do anúncio que apareceu ali. Se esse anúncio não existisse, a compra ainda ia acontecer, mas talvez o ingresso no site se fizesse via uma busca no Google. O modelo vai atribuir incorretamente à propaganda digital uma conversão offline.

E se um dia, a propaganda do Instagram for liberada as 8:00 e o e-mail saiu 16:00? Posso ter um balanceamento diferente dos canais de compra simplesmente porque um saiu mais cedo que o outro.

Além disso, é muito fácil medir o last click de alguém em um negócio puramente digital. Mas quando existem lojas físicas, como medir se uma mídia digital foi decisor de compra se o cliente leu e, ao invés de clicar, resolver fazer a sua compra no shopping?

Opção 3: Caso x Controle

Você provavelmente já ouviu falar de grupo controle. Esse conceito é muito usado na medicina em testes de eficácia de remédios (eu ouvi vacina?). A ideia é pegar um grupo de pessoas e separá-las aleatoriamente em 2 grupos, um chamado caso, e outro chamado controle.

O grupo caso é aquele que vai ser alvo do objeto de estudo (aquele que vai receber a vacina de verdade; ou no nosso caso, que vai receber um e-mail de propaganda). O controle deve ser isolado e não pode interagir com o objeto (recebe um placebo no lugar da vacina; ou não recebe e-mail nenhum). A ideia é que se os grupos foram separados de forma aleatória, eles deveriam ser iguais.

O grupo controle vai apresentar o comportamento natural das pessoas (taxa de mortalidade normal da doença; quantidade de compras natural das pessoas); enquanto o grupo caso vai apresentar um comportamento (espera-se) melhor pela interação com a vacina/e-mail (mais pessoas sobreviveram; mais compras foram feitas).

Na imagem temos à esquerda um grande grupo de pessoas chamado de "Consumidores para campanha de e-mail". Deste grupo sai uma seta que se divide em duas, que apontam para um grupo menor de pessoas cada. O primeiro grupo se chama "caso"e o segundo, "controle. Temos ainda um quadrinho com 3 mídias (facebook, instagram e tv) que aponta para os dois grupos, e um ícone de e-mail, que só aponta para o grupo caso.
Diagrama ilustrativo do modelo de caso x controle. Fonte: autor

A beleza do grupo controle é que eu consigo isolar um efeito específico e, assim, medir o resultado incremental desse efeito sobre a combinação de todos os outros. O resultado que o grupo caso, que só se diferencia pelo recebimento do e-mail, teve a mais do que o grupo controle que não recebeu; é o a mais que esse e-mail trouxe de receita, considerando a existência de todo o restante do ecossistema de comunicação (dado que um número equivalente de pessoas em cada grupo vai ver anúncios na TV, nas redes sociais, nos jornais, etc.). E essa medição de receita pode ser feita para qualquer canal de compra (ex.: quanto do caso comprou em loja x quanto do controle comprou em loja).

Apesar do resultado mais criterioso, o uso de grupos caso e controle nem sempre é recomendado, por conta de desafios operacionais. Para começar, nem sempre é fácil isolar totalmente um grupo para servir de controle, e nem garantir que controle e caso sejam homogêneos.

Além disso, testes estatísticos (p-valor) precisam ser feitos para averiguar se o resultado do grupo caso é estatisticamente diferente do resultado do grupo controle. Daí, surge também a questão do tamanho do grupo controle.

O sistema ideal seria de dividir a base no meio (tamanho caso = tamanho controle), que maximiza a chance do resultado dos grupos ser estatisticamente diferente. Em um teste clínico, o mais importante é medir a eficácia do remédio, então essa abordagem faz sentido.

Em uma empresa de varejo, isso significaria deixar de se comunicar com metade dos seus clientes, e assim deixar de incrementar metade do seu resultado. Não é saudável para o negócio. Então faz-se o teste caso x controle em períodos definidos (1 mês?), e considera-se o resultado constante para o resto do período; ou busca-se usar o menor tamanho de controle possível, mas que ainda dê um resultado estatisticamente significativo. É uma mistura de matemática, sorte e arte.

Por fim, o resultado caso x controle apresenta alguns desafios de conceito que podem dificultar sua aceitação ou limitar sua usabilidade. Se por um lado ele mostra o resultado real da ação enquanto parte de um ecossistema, não se tem a informação do seu valor isolado. O quanto dele é "puro", e o quanto pode estar sendo prejudicado ou impulsionado pela existência dos outros canais? Aqui entraríamos em um tema de otimização de canais de contato.

Além disso, sua natureza comparativa permite a existência de resultados negativos (quando o grupo controle converte mais do que o grupo caso). Embora existam situações em que tal resultado faça sentido (por exemplo, se eu envio um cupom de desconto para clientes cujo comportamento natural já seria o de comprar o produto no preço cheio), é muito contra intuitivo pensar que fazer uma campanha de marketing faz as pessoas gastarem menos.

O futuro é agora

A digitalização chegou pra ficar, e todos os prognósticos apontam para um mundo cada vez mais online. Esse novo universo tem criado novos meios de comunicação e barateado custos de marketing, o que tem criado uma competição por atenção muito mais ferrenha que no passado. Sendo assim, saber trabalhar os dados e avaliar corretamente o desempenho dos seus diferentes canais de comunicação é cada vez mais importante para a otimização das ações de propaganda.

A ideia desse artigo foi dar um panorama dos 3 modelos mais utilizados para atribuição de resultado de campanhas digitais. Mas, nesse nosso mundo VUCA, tenha certeza que em pouco tempo novas estratégias vão surgir. O importante é saber qual faz mais sentido para o seu negócio hoje, e nunca se prender à ela, se mantendo em constante evolução.

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