Uma jornada de transformação baseada em incentivos e objetivos

Luis Renato
gb.tech
Published in
4 min readAug 25, 2020
Uma série de post-its de várias cores diferentes grudados em grandes telas de vidro
Uma série de post-its de várias cores diferentes grudados em grandes telas de vidro | Foto de İrfan Simsar na Unsplash

Por mais que a internet esteja recheada de artigos, notícias e empresas comentando sobre transformação digital, ela parece mais como sexo na adolescência: todo mundo diz que faz, mas poucos estão fazendo direito. Para alguns é ter um número de squads e para outros é aplicar uma metodologia/modelo tal.

Mas a história é bem mais complexa e longa que apenas ter uma estrutura de transformação, alguns agile coaches e times rodando em sprints.

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O que é transformação?

As empresas em transformação, em geral, passam a pregar e incentivar uma série de novos comportamentos, como: errar rápido e aprender mais rápido ainda, times autônomos, colocar o cliente no centro entre outros que foram consolidados como "modelo ágil" e pulverizados após o sucesso de startups.

Então, esta transformação é mudar de um modelo mais tradicional de operação via hierarquia e muitos processos para comportamentos de colaboração, melhores formas de comunicação e missão clara orientada por valor.

A motivação de se transformar geralmente é genuína, mas na maioria das vezes é rasa. O impacto de cada uma dessas filosofias é bem mais profundo do que parece e nem todas empresas parecem dispostas a mexer em pontos sensíveis que uma transformação requer.

É bem mais confortável desejar que os times sejam data driven, mas isso requer que o dado seja disponível e não um item de poder. É bonito ver times sendo autônomos, mas é igualmente doloroso entender que os diretores passam a não ser os únicos tomadores de decisão de uma empresa.

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Impactos e suas causas-raízes

Dar autonomia aos times e que consigam se adaptar atendendo às necessidades do cliente, por exemplo, tem uma série de impactos. O fluxo anual orçamentário que, em geral, decide-se também os projetos para o ano, conflita diretamente com essa visão por impactar no nível de decisão que um time possa tomar.

Com os projetos já listados, basta ao time executá-los. E errar num cenário em que o principal papel do time é garantir que o projeto seja entregue dentro do prazo, escopo e orçamento, parece improvável de ser aceito.

Outros incentivos que conflitam com estes novos valores e ideais são metas apenas individuais e voltadas para a entrega de projetos, sem qualquer garantia de que o resultado de negócio (dor ou oportunidade do consumidor) sejam atingidos. E obviamente isso também gera um comportamento vicioso para a companhia.

Quanto mais projetos entregues, mais promoção! Independente do resultado efetivo gerado.

Daí vem uma outra dor de grandes empresas: comportamento tarefeiro dos times, sem visão crítica do projeto em que se está — e se ele deveria ser feito.

Dá pra ver que acabamos entrando em um emaranhado de situações de causa e impacto. Muitas ações acabam sendo criadas e criando outras muitas ações indesejáveis. É, de fato, uma situação complexa.

Revisão dos objetivos e incentivos

Os comportamentos naturais de uma organização, também conhecidos como cultura, são construídos a partir dos incentivos e objetivos que comentamos. Ter um processo decisório anual que decide o "como" ao invés do "o que" faz com que tenhamos menos autonomia, mas provavelmente também foi criado para evitar algum outro comportamento.

Então, entender os principais processos que incentivam os comportamentos e criam uma cultura diferente da que se deseja deve ser o primeiro passo de uma transformação — antes mesmo de ter seu squad rodando Scrum.

Se o objetivo é que o time seja mais customer centric e entenda a dor do usuário, precisa-se criar o contexto para que isso seja possível. Dar ao time um objetivo (de negócio) claro, não uma lista de desejos prontas com uma priorização dada. Para que isso escale, é mais importante que o processo decisório seja revisto do que adotar o SaFe.

De novo, implementar algo que venha de mercado e sem analisar internamente seus processos e objetivos, é muito superficial e falho.

O modelo Spotify não é um modelo, é um processo de reflexão sobre o que se deseja e como possibilitar que isso seja viável no contexto do Spotify. Não no seu.

A transformação do Grupo Boticário

Não posso dizer que não tenhamos cometidos erros e que isso tudo tenha sido nosso pontapé inicial. Erramos e muito!

Nossa jornada já passou por diversas fases. Algumas mais estruturantes, outras mais locais e emergentes, mas acho que encontramos em nossa própria história o nosso caminho.

Aceitar que as frases só teriam efeito quando os processos e a cultura fossem condizentes com o que aplicamos é a principal lição que tivemos durante este tempo. E o esforço para que adaptemos tudo de uma vez é abissal. Por isso, também entendemos que priorizar é importante e que as mudanças serão cíclicas e constantes.

Entendemos que por trás de uma simples ideia de dar mais autonomia aos times existe a construção de uma estrutura que permita erros, aprendizagem e empodere os times de fato, não só entregue mais rápido o que é pedido. E isso necessitou rever nosso processo decisório, nossa definição de estratégia e visão, por exemplo.

Estamos numa jornada e garanto que nem todos os nossos incentivos e processos já premiam o que gostaríamos. Além disto, criamos alguns efeitos colaterais nesta transformação e, exatamente por isso, é uma jornada. Não vai ser algo em que em um dado momento em que todos astros estejam alinhados e permanecerão assim sempre. A cultura vai mudar, processos também e continuaremos nos adaptando e gerando novos incentivos para novas dores.

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