Envolvimento com a Universidade — parte 2

Joel Oliveira
Por Linhas Tortas
Published in
4 min readFeb 28, 2020
Foto de mundodeviagens.com/universidade-de-coimbra-portugal/

III. COMO NOS ENVOLVERMOS COM O TODO QUE É A UNIVERSIDADE TENDO CRISTO NO CENTRO

No quadro abaixo consideramos várias dimensões ou abordagens relativamente ao envolvimento que se pode ter com a universidade (a ideia não é escolher uma das dimensões, mas trabalhá-las em conjunto, considerando o foco e as limitações de cada uma):

É importante dizer que enfatizamos aqui a dimensão dialógica porque parece ser normalmente negligenciada na tradição evangélica. A intenção não é diminuir ou retirar importância das outras dimensões, que são todas necessárias e importantes, mas tentar equilibrar as várias dimensões num todo saudável.

IV. UM EXEMPLO BÍBLICO DA DIMENSÃO DIALÓGICA: ECLESIASTES

1. As observações empíricas de Eclesiastes

No verso 3 do primeiro capítulo, o autor começa com uma pergunta de teor epistemológico: o que é que as pessoas alcançam com todo o seu esforço debaixo do sol? Estudar, trabalhar, constituir família…qual o propósito de tudo isto, qual a pertinência?

No capítulo 2, dos versículos 1 a 11, o autor conduz aquilo que por vezes se chama a “experiência da realeza”. O autor monta um cenário de alguém extremamente rico e bem sucedido, que (em consonância com a cultura do tempo) tem mulheres, concubinas, e todos os bens materiais que deseja.

Mas nos versículos 12 a 16, ele reflete sobre o valor de ser instruído e não ser um ignorante. Qual o valor de ter discernimento e crescer em sabedoria? Nos versos 13 e 14, ele diz que “a sabedoria vale mais do que a ignorância, tal como a luz vale mais que as trevas”, mas, olhando para o seu fim último, ambos têm o mesmo destino. Então o autor está a tentar racionalmente responder a algumas dúvidas existenciais profundas.

2. A fé de Eclesiastes

No capítulo 3 ele reflete sobre os tempos apropriados, recorrendo a uma sabedoria acumulada, e que, em última análise, leva a Deus e em como o cosmos está estruturado por um Criador que é soberano sobre todas as coisas. No versículo 9, ele volta a colocar a mesma

questão com que tinha começado: “Que resultado tira cada um dos seus próprios trabalhos e canseiras?”.

Então vemos que o autor aplica na sua análise da realidade uma racionalidade e também uma sabedoria prática que tem como base a existência de um Deus Criador que ordena todas as coisas criadas.

3. O problema de Eclesiastes

Mas quando atentamos para Eclesiastes, vemos que o seu autor é uma pessoa pessimista e frustrada — vemos isso claramente no capítulo 2, dos versículos 20 ao 26, em que ele fala da grande desilusão e vaidade que é a vida na terra, e no capítulo 9 mantém a toada, falando do pior dos males deste mundo: que todos têm o mesmo fim.

Ora, na universidade, normalmente encontramos este tipo de postura perante a vida, muito por causa da liberdade de pensamento que é dada às pessoas — que felizmente existe, mas que sem uma base transcendente para uma visão esperançada e otimista da vida, acaba por deixar poucas opções além de caminhos de desespero existencial, como o de Eclesiastes. Na universidade não se leva em conta a terceira opção que o autor apresenta, e que vamos ver a seguir.

4. A solução de Eclesiastes

No final do livro, o autor apresenta uma terceira via, que supera toda a negatividade existencial (que não deixa de ser real). Ele não se torna um niilista que rejeita todo o sentido e propósito da vida; ele consegue ver o mistério do mundo à luz de uma fé viva num Deus que tem tudo debaixo da sua soberania, e em quem podemos confiar — e agir baseados nisso, com sabedoria. Mantém assim em tensão a sua fé na bondade de Deus e a sua incapacidade em controlar a vida e as suas circunstâncias.

5. Eclesiastes, o meu professor

No último capítulo, o 11, dirige-se nos versos 9 e 10 a um jovem (filho ou estudante) a quem quer transmitir a sua sabedoria, e uma visão equilibrada do mundo, com fé em Deus, e noção dos mistérios da existência. Eclesiastes é então um modelo para nós, um exemplo de envolvimento com o mundo em geral, e com a universidade em particular. O nosso objetivo, como Eclesiastes, é também viver na tensão entre, por um lado, reconhecer toda a dureza e aridez existencial de um mundo caído, e por outro lado, saber que há um Deus, e que o desespero não terá a última palavra.

V. CONCLUSÃO

Podemos terminar com uma definição de envolvimento da universidade: envolvermo-nos com a universidade é um estilo de vida encarnacional e missional no qual os estudantes e outros agentes na universidade aprendem a pensar biblicamente sobre todas as áreas da universidade. Isto inclui ensino, investigação, discussões específicas de diferentes disciplinas académicas, e reflexões sobre as grandes questões com que as pessoas se debatem na universidade.

Significa que, não negligenciando toda a importância que deve ter o evangelismo, a apologética, e a piedade pessoal, é fundamental ter em atenção esta dimensão encarnacional e missional, e viver a nossa vida integralmente, sendo sal e luz de uma forma bíblica, e em todas as esferas em que estamos envolvidos, particularmente a universidade. Para aqueles que nela se vivem e se movem, e que são chamados para aí cumprir a sua vocação dada por Deus.

Este artigo em duas partes é resultado da edição de notas de um seminário em duas partes que teve como título “Engaging the university”. Foi ministrado na Conferência Revive, em dezembro de 2019 por Timothée Joset e Charlie Hadjev, e as notas traduzidas e publicadas com a autorização destes por Joel Oliveira

--

--