Jesus: mito, história ou Deus

Joel Oliveira
Por Linhas Tortas
Published in
30 min readApr 9, 2019
Deus? Só Visto! Aveiro — Design por Mónica Carvalho

Desde há dois mil anos atrás que a humanidade se maravilha com esta figura ímpar. Quem é este homem, de onde vem este fascínio que a humanidade sente no seu âmago, relativamente a um homem que cresceu numa aldeia perdida na Galileia entre camponeses e gente simples, mas que se veio a tornar a figura mais marcante da história?

Crentes e incrédulos, ricos e pobres, cultos e iletrados, ninguém escapa a este fascínio de alguém que tendo tido apenas uma curta passagem pelo mundo, mudou a cosmovisão, a ética e toda a estrutura social de uma civilização.

E no decurso destes dois mil anos que passaram desde a passagem pela terra de Jesus, foram-se continuamente multiplicando as teorias sobre a sua pessoa na tentativa de explicar o mistério que o rodeia. Foram exploradas todas as hipóteses, foram dissecadas todas as fontes, foram propostas todas as explicações, e ainda hoje as interrogações se mantêm na mente de biliões: o que dizer desta figura singular, e como explicar o seu impacto?

Jesus continua a ser um grande mistério, e neste texto a intenção primeira é deixar isso bem claro: no mínimo percebermos que não podemos explicar Jesus de uma forma simplista.

Mas mais do que a intenção, a esperança é poder despertar nos leitores a curiosidade para investigarem mais e conhecerem de facto este Jesus que os cristãos afirmam estar vivo.

Mas antes vamos esclarecer algo sempre importante nestes esforços de procurar evidências que sustentem explicações.

Evidências

Antes de entrarmos no tópico de apontar evidências sobre a identidade de Jesus e o que conduziu à emergência do cristianismo, convém dizer que nem em história nem em ciências naturais podemos ter 100% de certeza relativamente a coisa alguma.

Relativamente a qualquer tópico temos que dar um salto de fé. Mesmo na ciência mais dura e exata, mesmo quando todas as evidências apontam numa direção é preciso dar um salto de fé para acreditar que todos esses indícios não são afinal uma ilusão, mas que apontam para uma realidade de facto.

Até para acreditar que a realidade física é real é preciso ter fé — não há forma de provar com 100% de certeza que a realidade física existe; só podemos dar um salto de fé e assumir que aquilo que vemos é real e que os nossos sentidos são fiáveis e nos mostram a realidade tal como ela é.

Agora, obviamente que o grau de certeza que podemos ter sobre acontecimentos históricos é bastante menor do que o grau de certeza que podemos ter de que a realidade física existe, até porque os métodos de verificação são diferentes: em ciência usamos o método científico e em história o método histórico.

E o método histórico pode dar-nos um grau de confiança bastante razoável de alguma coisa aconteceu e dar-nos evidências conclusivas sobre acontecimentos históricos.

Mas uma vez reunidas todas as evidências disponíveis, vai sempre caber a cada um de nós tomar uma decisão e colocar ou não a nossa crença no que os dados nos estão a mostrar

Então vamos ver que evidências existem sobre este Jesus e a sua identidade, e também qual é o grau de certeza que podemos ter de que a Bíblia, a melhor fonte que temos disponível sobre a vida de Jesus, é fiável enquanto documento histórico

Mas lembremo-nos de que temos de avaliar as evidências históricas através do método histórico e não exigir de um documento histórico o mesmo grau de certeza que temos quando observamos algo no ambiente controlado de um laboratório. Se fizermos isto, então paremos de afirmar todo e qualquer conhecimento histórico anterior aos meios de comunicação audio-visuais — nunca vamos ter essa certeza relativamente a nenhum facto histórico.

De qualquer forma, no fim vai caber a cada um de nós decidir acreditar ou não nas evidências históricas e se colocamos ou não a nossa fé naquilo para o que as evidências apontam.

Mas vamos à pergunta que dá título a este artigo, e vamos às evidências. Nesta busca pelas evidências, recorreremos principalmente à obra “O Misterioso Jesus” de Manuel Rainho, um livro que compila, com rigor académico e uma honestidade intelectual rara, milénios de história desta busca pela verdadeira identidade de Jesus Cristo. Este livro vai ser sistematicamente citado, e as páginas onde se encontrarem as ideias ou citações serão referenciadas.

I. Primeira tese: o Cristianismo não pode existir sem Jesus, pelo que Jesus é um personagem histórico real.

No século XIX, algumas vozes isoladas em França já tinham lançado as sementes desta hipótese radical. Segundo uma delas, os cristãos não seriam mais do que adoradores do sol (p.238); ou então que fruto de várias influências de várias civilizações do mundo antigo, nasceu uma personagem literária de ficção chamada Jesus Cristo. (p.238)

No séc XX Surgiram hipóteses absolutamente folclóricas como a de que Jesus seria uma versão divinizada do Josué do Velho Testamento ou que o cristianismo teria começado numa revolta popular de contornos comunistas em Roma (os evangelhos seriam simplesmente uma alegoria). (p.240)

No entanto, um mínimo de honestidade intelectual e um exame das evidências históricas e dos factos históricos conhecidos, deixam claro que, como diz Maurice Goguel, antigo professor de Exegese e Crítica do Novo Testamento na Faculdade de Protestantismo Livre de Paris (1926).

Só a realidade histórica da personalidade de Jesus Cristo nos permite compreender o nascimento e desenvolvimento do Cristianismo que, de outra forma, permaneceria um enigma e, no sentido próprio da palavra, um milagre (p.244)

Numa palavra, se Jesus é um mito, o cristianismo é um milagre. Sem Jesus o nascimento e desenvolvimento do cristianismo tornam-se incompreensíveis.

Mas Jesus não é um mito, e podemos afirmar isso com segurança recorrendo a três tipos de fontes: fontes extra-bíblicas, fontes bíblicas, e a arqueologia.

1. Jesus fora da Bíblia

A existência de Jesus não está dependente apenas dos escritos cristãos. Apesar de Jesus não ter sido nem um político ou autor famoso, nem um mestre religioso reconhecido pelos líderes do seu povo, nem sequer um guerreiro conquistador, abundam as referências históricas à sua existência. (p.253)

Vamos referir aqui então quatro fontes: Duas fontes romanas, os historiadores Tácito e Suetónio, e duas fontes judaicas, Flávio Josefo (também historiador), e o Talmud judaico.

Tácito

Na sua obra de referência, Annales (116–117 d.C.), Tácito afirma a respeito do incêndio de Roma de 64 d.C.:

Consequentemente, para se ver livre das suspeitas, Nero atirou as culpas e infligiu as mais requintadas torturas a uma classe de homens odiados pelas suas abominações, chamados cristãos entre a população. Cristo [Christus], o fundador do nome, tinha sofrido a extrema penalidade no reinado de Tibério às mãos de um dos seus procuradores, Pôncio Pilatos (p.255)

Nas suas referências a Jesus e ao cristianismo, vemos que Tácito não coloca nem por um momento em causa a existência do fundador do movimento cristão.

Suetónio

Também Suetónio, escrevendo a biografia do Imperador Cláudio afirma:

«Uma vez que os Judeus provocavam constantes distúrbios instigados por Cristo [Chrestus], ele [Cláudio] expulsou-os de Roma».

Ao que parece Suetónio ainda pensava que Jesus Cristo estava vivo em 49 d.C., aquando da expulsão dos judeus de Roma decretada por Cláudio.

A divulgação da pessoa de Jesus devia ser tão presente naqueles tempos que ainda se considerava ser ele o instigador de conflitos internos entre os judeus da diáspora residentes em Roma. (esta expulsão dos cristãos de Roma por Cláudio também foi registada por Lucas no livro de Atos dos Apóstolos 18:2)

Mais uma vez, a existência de Cristo não é colocada em causa. (p.256)

O facto de todos os restantes historiadores romanos anteriores ao século III terem feito referências não só ao culto cristão, mas ao seu fundador nas poucas oportunidades que tiveram é um dado digno de nota.

Quem menosprezar este facto, não entende o quanto estes pormenores são fundamentais para a pesquisa histórica. (p.258)

Flávio Josefo

Quanto a Josefo, historiador judeu do primeiro século, o mais conhecido dos seus relatos, o testimonium flavianum, (que é um trecho da obra de Josefo que fala de Jesus, entre outras coisas, como alguém que ressuscitou), sofreu provavelmente adições de copistas cristãos, mas ainda assim é possível encontrar noutro dos seus relatos um testemunho sem sinais de ter sido alterado:

Festo estava agora morto, e Albino encontrava-se ainda a caminho; então ele convocou o Sinédrio e trouxe até eles o irmão de Jesus, ao qual chamam Messias, cujo nome era Tiago, e alguns outros. E quando formulou uma acusação contra eles como transgressores da Lei, entregou-os para serem apedrejados»

Num tom bastante neutro e casual, Josefo refere um período histórico de Jerusalém, um membro da família de Jesus e a perseguição judaica aos cristãos no primeiro século. (p.260)

O Talmud

Finalmente, nos escritos rabínicos do Talmud da Babilónia, Jesus é atacado como sendo um charlatão e acusado de praticar magia, sendo a sua condenação merecida. Nem este testemunho em oposição a Jesus e à fé cristã se atreveu a sequer sugerir a inexistência de Jesus.

Perante estes e outros relatos contemporâneos que assumem a existência de Jesus como um dado histórico, é nada menos do que irresponsável, hoje, a 2000 anos de distância, querer propor tal possibilidade.

No mundo clássico, considerando todos os dados disponíveis, não temos uma única menção dessa teoria, mesmo entre aqueles que detestavam esta nova religião e tudo faziam para a combater. (P.261)

2. Jesus na Bíblia

Para além das fontes extra-bíblicas, temos os evangelhos do Novo Testamento, que, ao contrário do que é comum pensar-se, são documentos históricos que se têm mostrado fiáveis.

Fiabilidade dos evangelhos quanto à forma

Apesar de descreverem acontecimentos fantásticos, não são, no que toca à forma, documentos eufóricos, mas sóbrios, com descrições muitas vezes desconcertantes dos supostos “heróis”, os discípulos, e relatos desapaixonados dos acontecimentos.

Um bom exemplo é a forma como a ressurreição de Jesus é relatada no Evangelho de Marcos, quase como um relatório telegráfico do acontecimento: (p.245)

5 E, entrando no sepulcro, viram um mancebo assentado à direita, vestido duma roupa comprida, branca; e ficaram espantadas. 6 Porém ele disse-lhes: Não vos assusteis; buscais a Jesus, o nazareno, que foi crucificado; já ressuscitou, não está aqui; eis aqui o lugar onde o puseram. 7 Mas ide, dizei aos seus discípulos, e a Pedro, que ele vai adiante de vós, para a Galileia; ali o vereis, como ele vos disse. 8 E, saindo elas, apressadamente, fugiram do sepulcro, porque estavam possuídas de temor e assombro; e nada diziam a ninguém, porque temiam. (Marcos16:5–8)

Será razoável supor que estes autores estavam a escrever em delírio religioso, quando exibiam essa sobriedade? Esse tom sóbrio contrastava com escritos posteriores, os chamados evangelhos gnósticos do século II, os quais trataremos à frente, e que estão cheios de descrições extravagantes, como é o caso do chamado Evangelho de pseudo-Tomé ou proto-Evangelho de Pedro.

Mas não é a só a forma que nos fala da sua fiabilidade; o conteúdo dos evangelhos é também um elemento que deve levar a uma desconfiança profunda de teses mitológicas.

Fiabilidade dos evangelhos quanto ao conteúdo

Relativamente ao conteúdo dos evangelhos, estes incluem elementos constrangedores que não se esperariam de lendas e relatos fantasiosos.

Por exemplo, nas genealogias de Jesus, apresentadas por Mateus e Lucas, encontramos uma mulher adúltera e duas prostitutas — não seriam autores interessados em fabricar informação capazes de eliminar elementos tão constrangedores?

Ou então tomemos o facto de duas mulheres serem apresentadas como testemunhas da ressurreição. O relato das mulheres naquele tempo valia quase nada, sendo que nem em tribunal seria válido.

Colocar as mulheres como testemunhas seria antes a melhor forma de descredibilizar os textos. (p.248)

Outro elemento embaraçoso são as descrições dos próprios discípulos, os grandes apóstolos de Cristo, retratados como homens frágeis, cheios de vícios e mesquinhos, em vez de pintados como os heróis da história.

Se os textos fossem inventados, com certeza estes homens mereceriam um melhor tratamento da parte dos autores. (p.249)

Por fim, as declarações problemáticas de Jesus, que na cruz diz “Meu Deus, meu Deus, porque me desamparaste?” (Mateus 27:46), algo que sempre constituiu um enigma para os cristãos. Porque é que alguém a fabricar uma lenda incluiria tal embaraço?

Mas não são apenas os elementos embaraçosos que estão incluídos nos evangelhos a causar estranheza; estranhas são também as ausências: não temos descrições da figura física de Jesus, nem das suas habilitações literárias, da sua vida enquanto criança ou adolescente.

O mesmo acontece com os outros discípulos de Jesus, com Paulo, e com a família de Jesus, notavelmente ausente dos textos. Textos forjados e fantasiosos, com certeza incluiriam pelo menos uma descrição inspiradora da fisionomia do mestre e da sua infância (p.251)

De facto a comunidade cristã “obrigava-se” a aceitar estes quatro livros, mesmo com estas e outras dificuldades que continham, recusando quaisquer propostas de alterações (muitas vezes tentadoras) que foram surgindo no seio da igreja. Isto porque havia a certeza de que eram estes textos que continham o testemunho fiel dos apóstolos sobre Jesus Cristo. (p.311)

Os evangelhos são sem dúvida documentos históricos fiáveis. Mas há fontes concorrentes para se aceder à vida de Jesus, e que devem ser examinadas: os chamados evangelhos gnósticos.

Os evangelhos gnósticos: fontes alternativas?

No final de 1945, no Alto Egipto, foram descobertos treze livros escritos em copta, língua egípcia baseada no alfabeto grego, encadernados a coiro numa jarra selada de cerâmica vermelha. Continham uma vasta literatura gnóstica, corrente espiritualista bem difundida na bacia do Mediterrâneo entre os séculos I e IV da presente era.

O termo do qual deriva o nome — gnosis (conhecimento) — indica-nos que estes sistemas de pensamento colocavam a tónica das suas filosofias na obtenção de determinada sabedoria capaz de proporcionar salvação ao indivíduo.

Os gnósticos viam também o universo físico como o lugar do sofrimento, a prisão do ser humano, que teria sido criada por um deus inimigo do ser humano, YWHW, o Deus do Velho Testamento, a que chamavam Demiurgo. (p.286) O ser humano possuía porém a centelha do verdadeiro Deus, o Pai, do Novo Testamento, revelado por Cristo, que seria um puro espírito num corpo apenas aparente, e que teria ensinado secretamente a fuga deste mundo a alguns privilegiados.

O corpo era assim visto como irremediavelmente perdido e separado do espírito (pelo que algumas correntes gnósticas, ensinavam explicitamente a praticar com o corpo todo o tipo de pecados — como seduzir a mulher do próximo — de forma a entregar a carne à destruição)

É fundamental perceber que as doutrinas gnósticas já eram há muito do conhecimento dos investigadores, pois os pais da igreja cristã haviam mencionado estas fontes nas suas obras, normalmente para as contrariar e refutar, pois apresentavam-se radicalmente diferentes das doutrinas cristãs. (p.284)

Estes grupos desafiavam abertamente a doutrina que os apóstolos tinham recebido do mestre, apóstolos esses que eram as testemunhas em primeira mão da vida e ministério de Jesus.

Ao contrário da doutrina cristã da salvação, cujo acesso apenas requeria como condição crer em Jesus, a doutrina gnóstica postulava que a correcta compreensão do universo e da condição do homem era já o início da própria salvação, e aproveitaram o cristianismo emergente para alegar que haveria um corpo de conhecimento secreto necessário para a salvação, que Jesus teria ensinado ao seu grupo restrito de discípulos, ao qual apenas os iluminados poderiam ter acesso. (p.285)

Num desses escritos, o Evangelho de Tomé, lemos:

Estes são os ditos secretos que Jesus, o Vidente, disse e que Dídimo Judas Tomé escreveu. E disse-lhes: Aquele que encontrar a interpretação destes ditos não saboreará a morte»

Torna-se assim óbvio que estas ideias estavam em direta oposição às doutrinas cristãs, e foram denunciadas pela mão de vários autores (entre os quais o próprio evangelista João, bem como também o apóstolo Judas e Paulo).

E hoje? Hoje estes escritos são usados ainda para fabricar teorias da conspiração, celebrizadas por Dan Brown no seu romance “O Código Da Vinci”, onde propõe que a divindade de Jesus havia sido patrocinada pelo imperador Constantino no concílio de Niceia, no século IV, pois até àquele momento os seguidores de Jesus Cristo apenas o encaravam como um especial mas mortal profeta.

Segundo o Código Da Vinci, a partir desse período, os evangelhos que expunham a verdadeira doutrina do nazareno passariam a ser destruídos, assim como aqueles que apontavam para um suposto casamento entre ele e Maria Madalena (é no Evangelho de Filipe que Brown se baseia para dar força a esta hipótese). (p.299)

Existem muitos mais evangelhos gnósticos além do de Filipe (o Evangelho dos Egípcios, ou o Evangelho da Verdade, por exemplo), que fazem de Jesus uma apresentação completamente diferente da dos evangelhos canónicos — mais um filósofo que ensina o caminho do que um Salvador (aliás, ele próprio precisaria de salvação). (pp.300–301)

Que valor podemos dar a estes evangelhos na busca pelo Jesus histórico? Por causa das certezas que hoje existem da datação dos evangelhos canónicos (Marcos 60–70 d.C., Mateus e Lucas 70–80 d.C. e João 80–90 d.C), sabe-se que estes são anteriores ao gnosticismo, que só apareceu no século II, depois do estabelecimento do cristianismo ainda no século I, tendo-se o gnosticismo alimentado do cristianismo para se promover (os autores destes evangelhos adotaram nomes de discípulos de Jesus para terem credibilidade, já que todos os discípulos estavam mortos no séc II). (p.301)

Então os evangelhos da Bíblia são os únicos escritos que descrevem a vida de Jesus pelas suas testemunhas oculares, e Jesus não poderia então, com consistência histórica, ser retratado como apenas um filósofo ou místico gnóstico.

3. Dados arqueológicos

Há uma grande quantidade de dados arqueológicos que nos permite ter toda a segurança em afirmar que Jesus não é um mito. Alguns exemplos:

A arqueologia permitiu datar os evangelhos canónicos num período extremamente próximo aos eventos e dentro da vida das testemunhas oculares (Marcos 60–70 d.C., Mateus e Lucas 70–80 d.C. e João 80–90 d.C) e as cartas de Paulo são ainda mais antigas, algumas de 50 d.C., o que lhes dá uma grande credibilidade.

Além das datas muito próximas aos eventos, o número de manuscritos que existem dos evangelhos é incomparável: há 5000 manuscritos do Novo Testamento, se contarmos apenas os que existem em língua grega, língua em que os autores escreveram.

Em comparação, Tácito, por exemplo, que já foi referido, escreveu os Analles em 116 d.C., e os primeiros seis livros desta obra existem hoje num único manuscrito, que foi copiado em A.D. 850. O livro 11 está noutro manuscrito, datado do século XI. Todos os historiadores os consideram fiáveis.

A Iliada de Homero é a obra com mais manuscritos a seguir ao Novo Testamento: 650 manuscritos, datados do II ao III séculos, cerca de 1000 anos depois do original, e todos lhes reconhecem autenticidade.

E a harmonia entre manuscritos? O especialista do Novo Testamento Bruce Metzger diz-nos que o moderno novo testamento é 99.5 por cento livre de discrepâncias textuais, com nenhuma doutrina cristã em dúvida.

Claro que o número de manuscritos não diz nada sobre a verdade dos factos que contêm. O que diz então a arqueologia sobre a veracidade dos documentos?

Nos evangelhos

Tendo a cidade de Jerusalém sido completamente arrasada em 70 d.C., as referências geográficas, sociais e políticas do livro de Atos e dos evangelhos, se estes livros tivessem sido escritos no segundo século, como sugeriam as hipóteses mitológicas, só poderiam ser inventadas. Era de facto esta a alegação dos proponentes destas teses.

No entanto as descobertas arqueológicas foram-se sucedendo na segunda metade do século XX, deitando por terra estas alegações, e conferindo mais credibilidade aos textos.

Exemplos nos evangelhos sinóticos

O termo sinóptico vem do grego syn, que significa “juntos” e ótica, significando “visto“ — estes evangelhos, Mateus, Marcos e Lucas têm fontes comuns, por isso relatam muitos eventos em sintonia, ao passo que João vai beber claramente a outras fontes.

Pôncio Pilatos: A existência de Pôncio Pilatos, referida em todos os evangelhos, por exemplo, foi posta em causa até aparecer em 1961, na cidade de Cesareia Marítima, uma inscrição do século I d.C. que apresentava claramente Pôncio Pilatos como o praefectus, isto é, o Prefeito da província da Judéia. (p.264)

Nazaré: A existência da cidade de Nazaré foi também posta em causa, por não haver quaisquer referências a esta aldeia fora dos evangelhos e por não surgir nas sessenta e três cidades e aldeias identificadas no Talmud.

Contudo, em 1962, arqueólogos da Universidade de Jerusalém encontraram uma lápide de mármore do terceiro século a.C. onde se lia o nome de uma cidade: Nazaré. Desde então, o achado arqueológico permanece exposto num museu na cidade de Jerusalém. (p.265)

Exemplos nas obras de Lucas

As obras de Lucas (o Evangelho de Lucas e Atos dos Apóstolos) são dos livros do Novo Testamento que mais referências fazem ao contexto socio-politico da altura, algumas dessas referências sendo únicas em toda a literatura conhecida da época.

Por exemplo, o livro de Atos atribui ao governador da província da Acaia, Gálio, o nome de procônsul. Tanto o nome como o título seriam inventados, já que Gálio não figurava em qualquer outro documento, e a organização administrativa para a província da Acaia não previa um procônsul para seu governador.

Mas comprovou-se, através da descoberta de uma inscrição do Imperador Cláudio datada em 52 d.C., que a região da Acaia, após várias desordens administrativas, passou a ser considerada província senatorial e proconsular e que o nome de um dos procônsules seria Gálio. A precisão histórica é aqui absolutamente impressionante pois Gálio só governou durante um único ano. (p.266)

O Evangelho de João

O Evangelho de João tem sido considerado o mais místico e teológico, aquele que diviniza Jesus de uma forma mais direta, e portanto, o menos fiável.

Menciona locais totalmente ausentes dos restantes três evangelhos, sendo estas referências tradicionalmente vistas como apenas simbolismos usados por João com o propósito de reforçar a sua narrativa.

Mas apesar de ter sido escrito nos finais do primeiro século, já com a cidade de Jerusalém totalmente destruída em 70 d.C., o Evangelho de João mostra-se também exato e preciso nas suas referências. (p.275)

Como exemplo podemos referir a descoberta no século XIX de um tanque de cinco pórticos, provavelmente do século I da nossa era ou anterior, descrito no evangelho de João como «uma piscina, que em hebraico se chama Betesda e que tem à volta cinco galerias de colunas» (João 5:2).

Esta piscina ou tanque não é mencionada nos restantes sinópticos nem em mais algum documento antigo e muito se escreveu sobre o seu significado mitológico.

Mas apesar de não ser mencionado por Mateus, Marcos ou Lucas, o facto é que o tanque realmente existia, tal como descrito por João.

Por último, a data de redação do Evangelho de João, que para os proponentes das teses mitológicas seria colocada no segundo século, cai por terra com a descoberta no Egito de um pedaço de papiro datado de 100 a 125 d.C.

Conclusão

Como disse Vittorio Messori,

Se os autores dos evangelhos são uns falsários trata-se de falsários como nunca se viu. Somente especialistas modernos do romance histórico poderiam estar à sua altura. (…) (p.277)

Concluímos assim que as teses que pretendem indicar uma mitologização de Jesus, o Deus-homem, no fim do segundo século, argumentando que a igreja construíu posteriormente o mito, não têm credibilidade histórica, e que toda a tradição cristã mais próxima de Jesus já via Jesus como divino. (p.278)

Mas surpreendentemente, esta hipótese continua a ser explorada, figurando em teorias da conspiração como o “documentário” Zeitgeist.

Zeitgeist: a tese mitológica hoje

Hoje o reduto principal desta tese mitológica encontra-se na Internet, e um dos bons exemplos desta situação é Zeitgeist, documentário-filme de 2007 produzido por Peter Joseph. Este “documentário”, divulgado livremente na Internet, conseguiu obter dessa forma um sucesso mundial.

A estratégia é transparente: atrair o público com uma série contínua de teorias altamente conspiratórias, entre as quais a de que Jesus foi a primeira grande invenção da história, a partir da mitologia egípcia — Jesus seria apenas uma nova versão do deus Hórus. (p.280)

Examinando as evidências apresentadas para sustentar esta teoria, somos bombardeados com uma sucessão de falsidades:

  • afirma que Hórus nasceu da virgem Ísis quando, pelo contrário, esta havia sido casada com Osíris antes do nascimento de Hórus, nascimento que só foi possível mediante uma relação sexual com penetração vaginal;
  • afirma que o seu nascimento foi acompanhado de um sinal prévio através de uma estrela e por uma adoração de três reis, mas nada existe na mitologia egípcia que faça supor tal coisa;
  • considera que Hórus obteve o baptismo aos 30, começando a partir daí o seu ministério: contudo nenhuma destas referências pode ser aceite pois termos como ‘baptismo’ e ‘ministério’ têm o seu contexto próprio e não fazem qualquer sentido no interior da cultura egípcia;
  • apresenta-o como tendo 12 discípulos mas, na verdade, nenhum documento refere quaisquer ‘discípulos’ relacionados com Hórus e muito menos doze.

Poderíamos apontar mais exemplos, mas fica demonstrado pelos citados que este tipo de “teses” não tem qualquer credibilidade académica, e que a hipótese mitológica apenas pode sobreviver na superficialidade das teorias da conspiração alimentadas por internautas sem formação. (pp.281–282)

Jesus não é portanto um mito, e essa hipótese deve ser posta de parte. Jesus é um personagem histórico, faltando agora lançar luz sobre a questão de saber se ele é Deus — questão que tem o seu cerne na ressurreição.

Se Jesus ressuscitou da forma que a Bíblia diz que ele ressuscitou, ele é Deus, e para verificar que evidências existem para a ressurreição de Cristo, vamos explorar a segunda tese.

II. Segunda tese: o cristianismo desenvolveu-se a partir da experiência radical pelos discípulos do Cristo ressuscitado.

O período entre a morte de Jesus e o início do anúncio do evangelho, isto é, da pregação itinerante dos seus discípulos, é o momento mais misterioso mas também o mais importante para entendermos a história do Cristianismo.

Como é possível que se tenha levantado um movimento de tal maneira avassalador após o desaparecimento do seu fundador?

Os cristãos avançam a ressurreição de Cristo como explicação para a emergência do cristianismo, o que obviamente, na nossa era de pendor naturalista, é rejeitado à partida como uma fábula.

Mas surpreendentemente, depois de se olhar fria e cuidadosamente para os dados históricos, esta hipótese é a única que consegue prover uma explicação lógica e satisfatória para os factos conhecidos. (p.323)

Então, por uma questão de justiça, e também para percebermos o alcance explicativo da hipótese da ressurreição, vamos olhar para as hipóteses alternativas.

Hipótese do equívoco — Jesus estava em local desconhecido ou enganaram-se no túmulo

E se os discípulos se tivessem enganado no túmulo? Esta hipótese é altamente improvável por várias razões:

Em primeiro lugar, a crucificação era um evento público, e dificilmente teria havido uma desmobilização total no momento da morte. As mulheres que assistiram à crucificação e prepararam o corpo de Jesus para o sepulcro teriam provavelmente acompanhado o corpo que José de Arimateia, judeu rico e provável membro do Sinédrio, pediu a Pôncio Pilatos, segundo o relato dos evangelhos (Mateus 27:60; Lucas 23:53; João19:41).

Em segundo lugar, as autoridades religiosas judaicas apenas teriam de mostrar o corpo para acabar com as histórias do Cristo ressuscitado, e seria fácil saber onde tinha o corpo sido sepultado, já que foi um dos três a ser crucificado naquele dia.

As autoridades judaicas teriam todo o interesse em fazê-lo, principalmente quando a pregação da ressurreição de Jesus descrito no livro de Atos dos Apóstolos começou a produzir convertidos entre os judeus e a abalar profundamente a sociedade. (p.334)

Tudo indica que não o fizeram porque a localização do túmulo era bem conhecida de todos na cidade. (p.343)

Em terceiro lugar, e segundo o Evangelho de Mateus (27:62–66), até as autoridades romanas estariam a vigiar o túmulo a pedido dos judeus, que se preocupavam com a possibilidade de os discípulos de Jesus tentarem forjar uma ressurreição. (p.336)

Finalmente, em quarto lugar, qualquer túmulo estaria visível e bem sinalizado: os túmulos judeus eram escavados na rocha para que os corpos não se decompusessem em contacto com a terra, e não continham objetos de valor.

Além disso, e como os lugares de sepultamento para os judeus eram considerados impuros, havia uma clara identificação desses locais, obrigatória para que todos soubessem onde ficavam. (p.335)

Vemos assim que não há como esta tese ser sustentada historicamente e que o túmulo estaria de facto vazio.

No entanto, outra hipótese diz que o túmulo não estaria vazio, mas que os discípulos, levados pelo desespero, começam a ter delírios e acreditam ver, conviver e dialogar com o Cristo ressuscitado.

Hipótese do delírio — os discípulos alucinaram

Um dos problemas desta hipótese é que não explica o túmulo vazio. E já vimos que os líderes judaicos nunca indicaram a localização do corpo, nem tentaram apresentar um outro corpo como sendo o de Jesus, o que teria colocado um fim a quaisquer delírios.

De resto, é verdade que os discípulos estavam perturbados com a morte não só do seu mestre, como também das suas aspirações pessoais. Poderiam ter querido tanto ver Jesus a ressurgir que alucinaram coletivamente?

Há, de facto, relatos de grupos de pessoas que partilham experiências alucinatórias, apesar destas situações acontecerem muito raramente.

Mas um outro problema com esta tese são os relatos, cerca de 15, em que Jesus aparece aos discípulos nos evangelhos. Pessoas diferentes, em ocasiões diferentes, a alucinar a mesma coisa é algo tão improvável que seria de facto miraculoso se acontecesse. (p.344)

Paulo diz-nos numa das suas cartas que Jesus tinha aparecido a 500 pessoas, algumas das quais ainda vivas na altura em que escrevia, como que a convidar os leitores a investigarem a sua afirmação da ressurreição de Jesus (I Coríntios 15:6).

Não é nada razoável supor todos os discípulos em delírio coletivo, a afirmar a mesma coisa ao ponto até de morrerem em nome dessas mesmas ocorrências, como acabaria por acontecer mais tarde — ocorrências essas que não consistiam apenas em ver ou ouvir, mas em conviver com ele, tomando refeições e tocando-lhe. (p.345)

Mas ainda que tivessem tido realmente alucinações, os discípulos não interpretariam essas experiências como o contacto com alguém ressuscitado, mas como alguém morto a comunicar do além — essa seria a interpretação normal na cultura judaica, e os discípulos teriam de ter uma razão muito forte para postularem uma ressurreição a partir das suas experiências.

Como diz N.T. Wright,

[…] não importa quantas ‘visões’ pudessem ter tido, os discípulos não teriam concluído que ele [Jesus] tinha sido ressuscitado dentre os mortos

Mas haveria realmente expectativas dos judeus em ver Jesus ressuscitado?Este elemento é chave nas expectativas.

Tudo nos evangelhos nos sugere o contrário, e o mais lógico seria esperar exatamente o retrato que os evangelhos pintam. Alguns indicadores que nos falam das baixas expectativas dos discípulos:

  • as mulheres que foram ao túmulo ao terceiro dia levavam os elementos tradicionais para cuidar do corpo e prevenir o odor da putrefação.
  • os desiludidos discípulos no caminho de Emaús: só depois de bastante tempo a conversar com Jesus, perceberam que era ele (Lucas 24:13–31). (p.346)
  • Principalmente ao saberem que na cruz Jesus teria proferido as terríveis palavras “Meu Deus, meu Deus, por que me abandonaste?”. Um Messias morto na cruz e abandonado por Deus dificilmente poderia alimentar expectativas de ressurreição (p.347)
  • os próprios discípulos, mesmo tendo ouvido relatos da ressurreição, estavam ainda céticos — o “discípulo incrédulo” Tomé é o melhor exemplo.
  • houve inúmeros candidatos a messias naquele tempo: nenhum ficou para a história, nenhum foi objeto de lendas, todos morreram, e nunca ninguém proclamou a sua ressurreição. (p.349)

Em suma, a tese da alucinação é totalmente insuficiente para esclarecer o problema do surgimento do cristianismo. Apenas tenta explicar a crença dos discípulos sem explicar o túmulo vazio.

Outras teorias tentaram explicar o túmulo vazio, e voltamo-nos agora para algumas delas.

Hipótese do roubo do corpo — Os discípulos roubaram o corpo e mentiram quanto à ressurreição.

Esta tese foi a primeira a ser avançada, logo no seguimento do desaparecimento do corpo. No Evangelho de Mateus lemos:

Então os chefes dos sacerdotes reuniram-se em conselho com os anciãos e resolveram dar uma grande soma de dinheiro aos soldados e recomendar-lhes: “Digam que os discípulos dele vieram de noite e roubaram o corpo, enquanto vocês dormiam”. (Mateus 28:12–13).

É uma hipótese natural, mas custa a acreditar, olhando para a vida dos discípulos que tal fosse o caso. (P.351) O que é que na vida dos discípulos nos diz que é muito improvável que estivessem a mentir?

Em primeiro lugar, estes homens morreram das piores maneiras possíveis, cada um para seu lado, em nome da mensagem que proclamavam.

Que todos os discípulos, mais um conjunto imenso de outras pessoas de Jerusalém (não nos esqueçamos que Jesus foi visto por muitos e não só pelos discípulos próximos), tenham combinado entre si espalhar esta mentira é já difícil de acreditar, mas é ainda mais irrealista julgar que todos eles tenham morrido dolorosamente em nome de uma farsa. (p.352)

Quais as probabilidades de tantas pessoas em conluio sobre uma mentira resistirem mesmo diante de perseguição, tortura e morte? (Só o discípulo João não morreu martirizado)

Em segundo lugar, o que dizer da moralidade que estes homens transmitiram, centrada na verdade e na honestidade que caracterizavam Cristo? Seriam estas pessoas que revolucionaram o mundo pagão com uma nova e sublime moralidade apenas mentirosos e hipócritas? (p.353)

Finalmente, em terceiro lugar, o que teriam os discípulos a ganhar com uma mentira destas? Algumas teorias populares da conspiração dizem-nos que os discípulos tinham em mente começar uma nova religião, com vista a obter poder e controlo sobre as mentes das pessoas, muito à imagem do que a igreja foi fazendo ao longo dos séculos.

Mas os discípulos eram só homens anónimos numa sociedade totalmente dominada pelo império romano e religiões pagãs, tendo sido violentamente perseguidos até ao século III. Certamente não é uma proposta razoável a que retrata os discípulos como pessoas que queriam agarrar o poder.

Seria então extremamente improvável que os discípulos tivessem roubado o corpo e mentido em conluio. Mas poderiam outros ter roubado o corpo de Jesus?

Essa hipótese também foi colocada: José de Arimateia, a família de Jesus, outros simpatizantes do movimento — todos foram equacionados.

Mas independentemente de quem pudesse ter roubado o corpo, toda esta tese tem o problema de não explicar as experiências dos discípulos

Para isso foi avançada outra tese.

Hipótese do desmaio — Jesus apenas desmaiou, não chegou a morrer

No século XVIII surgem uma tese segundo a qual o evangelista Lucas, como médico, teria fornecido drogas a Jesus que seria mais tarde reanimado por José de Arimateia no túmulo.

Ou então uma do séc XIX, que dizia que os grunhidos de Jesus vivo no túmulo alertam um amigo que afugenta os soldados e ajuda Jesus a sair do túmulo, que então faz as suas aparições. (p.356)

Ora, não é preciso ser médico para entender as dificuldades desta tese.

Como é que Jesus poderia ter sido sepultado sem que ninguém percebesse que estava vivo? Havia urgência em retirar os corpos da cruz por causa do sábado judaico, mas os soldados romanos eram especialistas em reconhecer a morte dos crucificados, e o relato dos evangelhos diz-nos que espetaram uma lança no lado de Jesus para se certificarem que ele estava morto. (p.357)

Seria razoável supor que os judeus, com todos os cuidados que dedicavam aos corpos que iam a enterrar e que exigiam um contacto demorado com o corpo, não tivessem percebido que Jesus estaria vivo? (p.358)

Mas mesmo que todos se tivessem enganado, como poderia Jesus ter sobrevivido aos ferimentos provocados pelas chicotadas e pela crucificação, mais um dia e meio, mais ou menos, sem comer e beber e com as feridas abertas sem tratamento.

Há casos em que o ser humano conhece sobreviver a condições extremas, mas o tratamento dos romanos aos condenados era praticamente infalível.

No filme “A paixão de Cristo” esse tratamento é fielmente retratado e vemos, por exemplo, uma cena em que Jesus é castigado com o uso do flagrum, um chicote de várias pontas que possuía em cada uma das suas extremidades pequenas bolas de chumbo em forma de haltere ou pedaços de osso que sulcavam as costas do condenado. Cravavam-se na carne, fosse ela das costas, ombros, braços ou pernas, e arrancavam-na quando o flagelador movimentava o braço para trás. (p.359)

Já para não falar da crucificação, uma pena capital extremamente dolorosa e na execução da qual os romanos eram também especialistas.

Como é possível sugerir que Jesus, ou qualquer outro homem, possa ter sobrevivido no final de tudo isto? E que aparência teria tal homem ao aparecer aos discípulos, totalmente dilacerado?

Não seria de certeza a aparência do Cristo vitorioso e conquistador da morte, e não seria este o Jesus capaz de retirar o medo e a covardia que os seus seguidores manifestaram, insuflando-lhes a esperança avassaladora com que estes romperam por entre a capital da Judeia. (p.361)

O que concluímos sobre estas hipóteses?

Há então três factos históricos estabelecidos que carecem de explicação:

  1. O túmulo estava vazio
  2. Os discípulos tiveram experiências transformadoras
  3. A fé cristã teve a sua origem

E as explicações alternativas à ressurreição apresentadas não conseguem explicar de forma cabal e satisfatória estes três factos históricos em conjunto; quando muito abordam dois deles. O quadro abaixo resume todas estas hipóteses e o seu poder explicativo:

Concluímos então que a única explicação que leva em conta e aborda cabalmente todos os factos históricos conhecidos é a ressurreição efetiva de Cristo.

Depois da cruz, o incrível acontece

Jesus, o Cristo, era agora identificado com o supremo e único Deus, Criador de todas as coisas, apesar de ter morrido às mãos dos romanos.

Esta mensagem revolucionária acabaria por irromper através das províncias romanas incapazes de lidar com a força, convicção e tenacidade que os mensageiros da mesma revelaram.

Tudo com origem na Palestina de então, num grupo insignificante de discípulos que acabariam por dedicar o resto das suas vidas ao anúncio de que o seu mestre estava vivo e que através dele se alcançava a vida eterna.

Mas aqui é fundamental entender que aquilo a que os primeiros judeus cristãos chamaram ressurreição não pode ser explicado nem como um “simples” retorno da morte nem como uma morte meramente aparente. (p.369)

É preciso deixar claro que os judeus não divinizariam alguém por fazer milagres (nem que se tratasse de uma ressurreição). Estamos a falar do povo mais cético do mundo antigo — tanto que a crença dos judeus num só Deus e a sua recusa em ceder à pressão para adorar outros deuses e o próprio imperador (bem como para adotar as superstições normais das sociedades pagãs de então) valeu inclusivamente aos cristãos herdeiros do judaísmo a designação de ateus entre os romanos.

Porque foi então Jesus divinizado?

Por um lado, os ensinos de Jesus em vida: apesar de não terem sido suficientes para a divinização à parte do próprio facto da ressurreição, foram esses ensinos que permitiram aos discípulos olhar para trás e enquadrar e organizar a experiência pela qual tinham passado com o ressuscitado.

Jesus fez afirmações chocantes que os discípulos não entenderam na altura, mas que viriam a enquadrar depois.

Eu sou o caminho, a verdade e a vida — João 14: 6

Eu sou a ressurreição e a vida. O que crê em mim, mesmo que morra, há-de viver. E todo aquele que está vivo e crê em mim, nunca mais há-de morrer — João 11: 25–26

Eu e o Pai somos um só. — João 10:30

É importante dizer que, segundo os relatos dos evangelhos, antes da ressurreição os discípulos nunca aceitaram a natureza divina de Jesus; pelo contrário, nos evangelhos lemos coisas como:

21 Daí em diante, Jesus começou a explicar aos seus discípulos que era preciso ir a Jerusalém e sofrer muito da parte dos anciãos, dos chefes dos sacerdotes e dos doutores da lei, que havia de ser morto, mas ao terceiro dia havia de ressuscitar. 22 Então Pedro tomou-o à parte e começou a censurá-lo: «Deus te livre disso, Senhor! Isso nunca te há de acontecer!» 23 Jesus, voltando-se para ele ordenou: «Sai da minha frente, Satanás! Impedes-me o caminho, porque não entendes as coisas à maneira de Deus, mas à maneira dos homens. — Mateus 16:21–23

Mas não foi apenas o ensino de Jesus que conduziu ao reconhecimento pelos discípulos da sua divindade, mas também a forma como Jesus ressuscitou: com um corpo glorioso e que não mais conheceria a morte, algo que os judeus associavam à ressurreição do fim dos tempos

Juntando essa revelação aos ensinos de Jesus em retrospetiva, os discípulos finalmente perceberam quem ele era: o próprio Deus encarnado.

É por isso, depois da ressurreição, havia, entre os discípulos, uma sintonia completa relativamente à identidade de Jesus.

Ressurreição: um consenso total

Na igreja que se formou depois da ressurreição de Cristo no primeiro século, há registos de disputas em várias áreas, mas nunca sobre a divindade de Cristo. Isso diz-nos que eles se baseavam num corpo incrivelmente sólido de doutrina fornecido pelo próprio Jesus (p.371), não há qualquer paralelo entre estas experiências dos discípulos e crenças ou superstições daquela época no judaísmo. (p.377)

No entanto, o ceticismo judaico foi de tal maneira pressionado que acabaria por eclodir na divulgação da mensagem cristã, tal como acontece quando retiramos a rolha de uma garrafa de espumante.

Chamar fé a essa explosão é usar um extremo eufemismo: os discípulos não tinham fé, eles sabiam da ressurreição porque tinham estado com Jesus! (p.378)

Foi então a própria ressurreição de Jesus, em conjugação com a provocação operada pelas suas atitudes e ensinos, o que despoletou a identificação deste com YHWH,

Não apenas uma identificação total ou mera substituição mas uma relação tão inovadora que seria necessário inventar um nova terminologia para descrevê-la. Essa tarefa caberia aos cristãos dos primeiros quatro séculos do cristianismo.

Jesus: história e Deus

Jesus ressuscitou, uma ressurreição ímpar que confirma tudo o que ele disse sobre si mesmo. E Jesus disse que era igual a Deus, portanto com base na realidade da ressurreição podemos acreditar ele é realmente Deus.

A resposta à pergunta “Jesus: mito, história ou Deus?” é surpreendente: Jesus é não história OU Deus, mas história E Deus.

Aliás esse é o factor diferenciador entre o cristianismo e as outras religiões: o cristianismo é uma religião que não tem a sua base fundamental em regras ou numa filosofia, mas numa pessoa que esteve no mundo num momento histórico, e que ressuscitou num acontecimento histórico.

Sem os seus fundadores as outras religiões só perdiam a sua inspiração, sem Jesus o cristianismo perde a sua essência

Mas o que veio afinal Jesus fazer? porque é que a morte de Jesus e a sua ressurreição, que celebramos na Páscoa são tão importantes, e o que significam?

III. A mensagem da Páscoa

O que é que os discípulos de Jesus morreram a proclamar? Se Jesus é mesmo Deus feito homem, é extraordinariamente importante perceber o que ele veio fazer. Vamos por partes.

Todos estão afastados de Deus por causa da sua maldade

Na carta do Apóstolo Paulo aos Romanos lemos o seguinte:

Não há ninguém que seja justo. Ninguém.

Não há ninguém que compreenda;

não há ninguém que busque a Deus.

Todos andam fora do caminho

e todos se perdem.

Não há quem faça o bem.

Nem um só.

- Romanos 3:10–12

Na cosmovisão cristã, ninguém é bom, nem o Papa. Todos pecam, todos falham, e o maior pecado, o pecado original, é querer ser Deus — este é o desejo profundo de todo o ser humano, um desejo que o consome e o destrói: ser adorado como Deus.

Essa é a raiz de todo o pecado, todo o egoísmo, o orgulho, a inveja: queremos estar no trono e ser adorados por todos, que todos se submetam a nós e nos obedeçam. Queremos ser o centro do universo, tirando a Deus o lugar que é dele por direito.

Perante isto, o que se espera que um Deus 100% justo faça?

Deus, sendo justo, não pode não punir o pecado.

E o castigo do pecado, e a sua consequência natural, é a separação desse Deus justo que não pode tolerar o pecado.

Todos ansiamos por um mundo em que o mal é punido e o bem é recompensado… pois o Deus que Jesus veio revelar promete exatamente isso, e inevitavelmente cumprirá essa promessa.

A separação do Deus que é a fonte da vida, só pode representar a morte — desfeita a união com o Deus que é onde toda a vida converge, naturalmente só resta morte. E a Bíblia diz exatamente isso:

(…) o salário do pecado é a morte (Romanos 6:23ª)

Então segundo a doutrina cristã, todos estamos destinados a morrer, por causa da nossa obsessão em ser o centro do universo, algo que não temos estrutura para ser, que não fomos criados para suportar. Os resultados estão à vista, em toda a miséria que grassa no mundo por causa das disputas por poder.

Estaríamos destinados a morrer, mas a história não acaba aqui.

Deus vem tomar sobre si mesmo a punição justa pelo pecado do homem

A coisa fantástica e incrível da fé crista é que Deus vem tomar sobre si mesmo a punição justa pelo pecado do homem:

Também Cristo morreu de uma vez por todas pelos vossos pecados. Ele, que era justo, morreu pelos injustos para nos conduzir a Deus. (I Pedro 3:18)

Essa é a mensagem da cruz, essa é a mensagem do Evangelho, a boa notícia de que Deus deu-se a si mesmo em lugar do homem para que a justiça fosse feita.

Agora o que somos convidados a fazer é crer em Cristo e receber essa dádiva de Deus para nós.

Podemos ter vida eterna crendo em Jesus

Porque Deus amou o mundo de tal maneira que deu o seu único filho para que todo aquele que nele crê não se perca, mas tenha a vida eterna. (João 3:16)

Este Jesus que ressuscitou e que está vivo tem vida para nos oferecer, uma vida que nos enche e nos transforma em pessoas novas, pessoas com um propósito, com valor, com alegria de viver, com paz no coração, porque sabem que são amadas e que não estão aqui por acaso.

A única condição é recebê-lo e à sua dádiva de perdão gratuitamente.

Uma decisão pessoal

Mais do que evidências ou investigações históricas, Jesus ordena a todos que se arrependam e tenham paz com deus crendo nele e recebendo a sua oferta de perdão e liberdade que ele conquistou para nós na cruz

É isso que os cristãos experienciam, é isso que biliões de pessoas ao longo da história experienciaram, é isso que os cristãos desejam que outros também experienciem — fica o convite, um convite que urge aceitar.

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