Novo de mais para a Reforma: Um evento do GBU Lisboa

GBU Portugal
Por Linhas Tortas
Published in
4 min readNov 29, 2017

A Priscila Pires deixa-nos as suas impressões do “Novo de mais para a Reforma”, um evento de dois dias organizado pelo GBU Lisboa sobre a influência da Reforma Protestante nos dias de hoje. Os temas discutidos (o mal, a educação e a música) foram inspirados no livro mais recente de Tiago Cavaco, “Cuidado com o Alemão: Três dentadas que Martinho Lutero dá à nossa época”.

A loucura tomou a forma de dois dias de plenária no Anfiteatro I da Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. A proposta não foi muito diferente de todos os que também celebraram os 500 anos da Reforma Protestante, mas o desafio foi outro. Inspirados pelo livro Cuidado com o Alemão, do Tiago Cavaco, o primeiro dia de plenária debruçou-se sobre a questão do Mal, e o seguinte sobre as temáticas Educação e Música.

Tiago Cavaco no anfiteatro da FLUL, a discutir a questão do mal (Fotografia: Catarina Abrantes).

A questão do Mal foi um dos pontapés de partida da Reforma, porque é o que vemos a ser pontapeado primeiro na Bíblia. Sobre isto, o Tiago Cavaco notou que não se reconhece a necessidade de salvação nos dias que correm: não existe nada que leve as pessoas a pensar que precisam de ser salvas de alguma coisa. O que existe é a ausência da noção de maldade e de pecado. Aqui, olhamos para Lutero:o pecado não é uma coisa que se faz, mas uma coisa que se é, em oposição à perspetiva católica romana. Continuando esta linha de pensamento, a Reforma foi (e é) fundamental para percebermos o porquê de uma visão protestante mais pessimista sobre a natureza humana, e compreendermos a justificação pela fé. Tal como disse o Tiago Cavaco, “Lutero era obcecado pela graça de Deus. Lutero acreditava que Jesus fez tudo o que era preciso ter sido feito para que um pecador pudesse ser justificado”. É por isto que nunca nos podemos achar fora de idade para a Reforma.

No período aberto a questões, o anfiteatro tornou-se a secção de comentários de um vídeo do YouTube: desde como explicar da melhor forma que uma pessoa é pecadora, passando pela importância da confissão de pecados, até ao papel dos cristãos na educação dos filhos (já com pressa para o segundo dia de plenária).

Com as teses pregadas no sítio certo, estivemos à conversa com John Fletcher (professor de música, guitarrista e conhecedor académico da prática musical no contexto evangélico português), Samuel Úria (músico que sussurra em grito a sua fé na maior parte do que canta), e Rúben Oliveira (professor de História da Igreja em Portugal no Seminário Teológico Baptista).

Samuel Úria, John Fletcher e Rúben Oliveira no painel sobre educação e música (Fotografia: Catarina Abrantes).

Feitos os sumários, a aula para reformados começou com uma afirmação do Rúben Oliveira: Portugal não passou por uma Reforma. Isso reflete-se na educação: os países protestantes sempre tiveram uma maior taxa de alfabetização pela necessidade que havia de estudar e ler a Bíblia. Logo, são países que carregam uma cultura completamente diferente.

A educação rapidamente puxou para a conversa a tolerância e a falta dela. A ideia de neutralidade é em si uma parcialidade. “O relativismo é muito tolerante exceto com quem tem uma verdade absoluta.”, afirmou o Samuel Úria. O Rúben Oliveira acrescentou: “Os tolerantes só o são com aqueles que concordam com eles. Há uma ideia de que a intolerância vem da religião, mas o conceito de tolerância vem precisamente da religião. Porque é que os países com maior tradição democrática são países com maior pluralidade e liberdade religiosa?”

Encerrando o tópico em paz, o John Fletcher lançou a proposta para lidar com o próximo que não nos ama: fazer o oposto.

Seguimos para o tópico da música, largamente aprofundado pelos três artistas em palco. Parafraseando o Samuel Úria, a Reforma abre portas para que a música seja composta pela vivência cristã, e cantada como canto congregacional. O rock n’ roll, o blues e o country são fruto de uma matriz essencialmente protestante. É muito natural ver pessoas “de igreja” a fazer música, devido à sua tradição protestante, e rapidamente saltarem para o meio profissional, acrescentou o John Fletcher. De forma inconsciente, o património cultural protestante está impresso na música em geral. Regressando ao canto congregacional, o John Fletcher referiu que a música foi introduzida no culto para que as pessoas pudessem aprender o contexto e os conceitos bíblicos de forma simples.

Não sabendo exatamente como viajámos deste ponto até ao término da plenária, não é possível deixar de realçar uma das intervenções finais do Rúben Oliveira: “precisamos de estar em constante reforma. A leitura da Bíblia não depende da interpretação que fazemos, mas da Bíblia em si.” O mote está lançado.

--

--