“A Bruxa” (2016)

Independência ou morte

Enquanto os grandes estúdios falham no gênero de terror, os filmes independentes roubam os holofotes.

Gabriel Duarte
Geek Buster
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6 min readMar 8, 2016

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Há alguns anos, Hollywood descobriu a fórmula mágica para fazer um filme de terror bem sucedido: alguns clichês, pouco aprofundamento emocional e muitos sustos. Os diretores passaram a tentar assustar a audiência a cada sequência de cenas, usando variações no som e angulações propícias para criar uma sensação de suspense que logo seria desfeita. Essa técnica, conhecida como jumpscare, se tornou quase um requisito para os filmes produzidos pelos grandes estúdios e, devido a esse grande uso, vem se deteriorando cada vez mais.

Vez ou outra uma produção independente acaba estourando como um sucesso popular. Esse foi o caso de “A Bruxa de Blair” (1999) e o primeiro filme da franquia “Atividade Paranormal” (2007) que até hoje figuram entre os filmes de terror com maior bilheteria. No entanto, nos dois últimos anos, esse tipo de produção tem chamado cada vez mais a atenção da crítica e do público, dando início a um fenômeno inusitado que está surpreendendo até os especialistas da área.

“The Babadook” (2014), terror psicológico australiano ainda sem estreia no Brasil, foi um dos primeiros a experienciar essa nova tendência. Escrito e dirigido por Jennifer Kent, sendo a estreia dela como diretora, o filme gira em torno de uma mãe viúva e seu filho que são atormentados por uma entidade maligna. Foi exibido no Sundance daquele ano e assolou a crítica especializada, recebendo grandes elogios e chegando a ser cotado para uma indicação ao Oscar de Melhor Atriz para Essie Davis — mas, como sempre acontece com o terror, a Academia a ignorou.

“The Babadook” brinca com a imaginação dos espectadores.

A produção australiana acabou por não ganhar nenhum mérito no festival, mas saiu como um dos grandes destaques da edição. Além de tudo, ainda abriu um precedente para o ano seguinte, quando os filmes “Corrente do Mal” (2015) e “A Bruxa” (2016 — no Brasil) ganhariam extrema atenção do público, sendo que esse último chegaria a conquistar o mérito de melhor direção para o estreante Robert Eggers.

“Corrente do Mal” usa os cenários desolados de Detroit para intensificar suas cenas.

“Corrente do Mal” é quase um drama adolescente que gira em torno de uma maldição passada para a protagonista. No filme são abordados temas como a puberdade e as descobertas sexuais da juventude de uma forma metafórica, utilizando de giros 360º e enquadramentos criativos para reforçar o clima de intensidade. Estreou no Cannes e surpreendeu pelos seus cuidados técnicos, principalmente pela trilha sonora do compositor Disasterpeace, que faz alusão as músicas sintéticas dos clássicos de terror dos anos 80 e foi taxada pelo Instituto Tribeca como digna de Oscar.

A grande referência para a trilha sonora é o filme “Halloween” (1978), pioneiro no gênero.

Já o sombrio “A Bruxa” é uma peça de época ambientada nas florestas coloniais do norte estadunidense do século XVII. A história aborda as turbulências de uma família cristã que culminam num confronto com forças malignas que, há muito, foram esquecidas no subconsciente popular. É um enredo sistêmico sobre crenças e mitos que despe-se até retorná-los a sua natureza genuína de terror psicológico e sexual. O filme mal estreou no Brasil e já é divisor de opiniões. Ao mesmo tempo que arranca grandes elogios, ele também decepciona aqueles que foram aos cinemas em busca de um terror mais comercial. Desta forma, fica a questão: o público também tem culpa na falta de criatividade hollywoodiana?

Narrativas diferentes

A ousadia narrativa já é inerente das produções indie, mas não é sempre que o mercado mainstream está aberto a recebê-la. Em meio a cenas de violência gráfica e do estilo previsível de found footage, a exploração de temas pouco usuais para o terror dos grandes estúdios foi um dos maiores atrativos nos circuitos cinematográficos, trazendo um frescor inusitado.

A inovação foi tanta que as produções não se restringiram só à ficção. Em 2015, as seleções oficiais dos festivais SXSW e Sundance contavam com o horripilante documentário sobre paralisia do sono, “The Nightmare”. Devido as simulações do que as vítimas sofrem enquanto paralisadas, o projeto não se limitou nos sustos e foi rotulado como “perturbador” por diversos críticos.

Um ano antes, o Sundance ainda foi o palco para o neo-zelandês “What We Do in the Shadows”, sem data de estreia no Brasil. O filme faz a mistura arriscada de humor com terror, sendo uma espécie de mockumentary, um documentário fictício humorístico. Lado-a-lado com Babadook, além de ser uma quebra dos padrões narrativos normais, a produção ainda representa a grande presença de projetos estrangeiros nos circuitos norte-americanos.

“El Gigante” (2014)

A produção mexicana “El Gigante” (2014), por exemplo, foi o grande destaque do festival Fantasia, que acontece anualmente em Montreal no Canadá. O festival é responsável por sediar o mercado Frontières, um projeto que tem o intuito de ajudar na produção de filmes considerados inovadores e que normalmente não teriam espaço nos grandes estúdios. Foi por meio dele que o filme centrado na sede de sangue de um praticante de lucha libre conseguiu um contrato sem precedentes com uma grande distribuidora canadense.

“Under the Shadow” (2016)

Já em 2016, o nome estrangeiro que está empolgando a crítica é o iraniano “Under the Shadows”. O filme lembra um pouco a produção conterrânea “A Girl Walks Home Alone at Night” (2014), mas as semelhanças param na nacionalidade e no fato de se ter uma presença demoníaca no enredo. Seguindo a linha de Babadook, a história gira em torno de uma mãe e uma filha obrigadas a lidar com uma entidade que as assombra em seu apartamento, isso tudo sendo ambientado numa Tehran pós-revolução, na década de 80.

Clima de mudança

Enquanto os grandes estúdios continuam com a técnica do jumpscare, os filmes independentes apostam na construção de uma tensão gradativa que deixa o espectador envolvido e assustado do começo ao final, sem sustos constantes e repetitivos.

Nos últimos dois anos festivais como o de Tribeca, o de Toronto e até mesmo o Cannes apresentaram ao menos um filme independente de terror em suas seleções oficiais. Seja qual for o efeito disso a longo prazo, fica claro que a indústria cinematográfica está enfrentando algumas pequenas mudanças. Para os especialistas e amantes do gênero, filmes como “Corrente do Mal” e “A Bruxa” estão pavimentando o caminho para um novo tipo de audiência. Se o mercado é voltado para os seus consumidores, o sucesso significativo dessas produções alternativas mostra que boa parte do público está cansada do molde dos grandes estúdios.

“Krampus” (2015)

Aos poucos, Hollywood percebe isso e vai se remodelando para atender esse novo público. Um sinal disso veio em 2015, na forma do terror natalino “Krampus”, lançado pela Universal , que foi sucesso de bilheteria nos Estados Unidos. No entanto, o caminho a ser percorrido até que as ideias inovadoras tenham seu espaço merecido nas negociações dos grandes estúdios ainda é longo. Até lá, a ousadia vai se restringir a comunidade independente, que, sem nada a perder, está mais promissora do que nunca.

Para você que se interessou pelos projetos falados aqui, a gente preparou uma playlist com os trailers desses e de alguns outros filmes independentes que você pode conferir abaixo.

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Gabriel Duarte
Geek Buster

Estudante de jornalismo, entupido em café e provavelmente procrastinando