Quando ficção e realidade se cruzam

Gabriel Duarte
Geek Buster
Published in
4 min readNov 16, 2015

--

Atrizes de Nashville (ABC) encaram problemas semelhantes ao de personagens da série.

A criação da ganhadora do Oscar de Melhor Roteiro Original em 1992, Callie Khouri, já está no ar há quatro anos. A série musical gira em torno da indústria da música em Nashville, considerada a capital do country, e mostra as tribulações de um grupo de artistas com seus mais variados dramas.

A renomada atriz Connie Britton estrela a série na pele da cantora Rayna James.

Mesmo com a presença tímida na mídia, o programa é um dos queridinhos da emissora, que insiste em renová-lo ano após ano; e não é por menos. Estando há aproximadamente trinta episódios de chegar ao seu 100º, a série já abordou um leque gigantesco de temas: homossexualidade no mundo country, prostituição, violência contra a mulher, alcoolismo, aborto e, até mesmo, corrupção política e empresarial. Tudo isso no embalo de músicas originais que são lançadas semanalmente.

É impressionante ver o bom funcionamento desse sistema, mais impressionante ainda é ver a popularidade de um enredo ambientado num cenário conservador (o sul estadunidense) que retrata tais assuntos polêmicos de uma forma tão inteligente. A inteligência do roteiro é tanta que, nessa quarta temporada, pareceu ser mediúnica.

Essa semana, Clare Bowen, que interpreta a aspirante à estrela Scarlett O’Connor, surpreendeu a todos com uma mudança radical no visual. Ela abandonou os longos cabelos loiros tão característicos de sua personagem na série.

“Cada cicatriz conta uma história”, escreveu a atriz.

Sob a frase “É só cabelo”, a atriz australiana postou uma explicação em sua página no Facebook para a mudança inusitada. Em um desabafo emocionante, ela conta sobre seu passado duelando um nefroblastoma, câncer típico em crianças que se apresenta como um tumor maligno em um dos rins do paciente. Clare contou que foi diagnosticada com quatro anos, após diversos médicos alegarem ser só uma paranoia dos pai dela.

Ninguém ria de ninguém, ninguém implicava com ninguém. Nós éramos tudo o que nós conhecíamos.

Crescendo em um hospital cercada de crianças, descritas por ela como todas “carecas, entubadas e com bandagens e pontos”, a aparência nunca foi um problema para ninguém lá. Superando a doença e deixando o cabelo crescer, ela se viu em um mundo onde há um constante julgamento simplesmente baseado na aparência. “Isso sempre foi incompreensível para mim. Como as pessoas acham que há tempo para isso?”

Eu me senti muito inspirada quando eu ouvi a história de uma garotinha que disse que ela não poderia ser uma princesa porque ela não tinha cabelo comprido, e eu quero que ela, e outros como ela, saibam que não é isso [cabelo] que define as princesas, os guerreiros ou os super-heróis.

Ela termina o texto agradecendo aos executivos da ABC e a própria criadora do programa por terem permitido o novo corte de cabelo, que foi introduzido nas telinhas já no episódio dessa semana, pondo fim na retratação da jornada de um personagem contra um câncer no fígado. Deacon Claybourne (Charles Esten) é tio da personagem de Clare na série, e vê na sobrinha a última esperança para a superação do seu tumor.

Hayden e sua filha recém-nascida.

E não foi só com essa coincidência que os roteiristas tiveram que lidar. No mês passado, Hayden Panettiere — também integrante do elenco principal — anunciou que iria se internar em uma clínica de reabilitação para o tratamento de sua depressão pós-parto. A atriz deu a luz a sua filha Kaya em dezembro de 2014 e abriu o jogo em entrevista ao tabloide norte-americano TMZ.

O anúncio veio poucas semanas antes da exibição do episódio que contem uma das cenas de maior tensão para Juliette Barnes, a diva temperamental que Hayden interpreta. A ironia é que, desde o final da temporada passada, a personagem também vem duelando contra o mesmo transtorno.

Quando te falam sobre depressão pós-parto você pensa que é ter pensamentos negativos em relação ao seu bebê. Eu nunca tive esses sentimentos. Algumas mulheres tem. Mas você não imagina quão grande é o espectro do que você pode experienciar com esse transtorno. É algo que precisa ser falado. As mulheres precisam saber que não estão sozinhas e que há uma cura.

Hayden foi breve. Fontes próximas a atriz confirmaram que ela está bem e que sua internação foi voluntária. Ela se afastará da série temporariamente, com a sua última aparição nessa temporada confirmada para o oitavo episódio — logo após a internação, também voluntária, de sua personagem.

A depressão pós-parto é mais comum do que se imagina, atinge ao menos 40% das mulheres — isso só no Brasil — e é passageira, dura no máximo duas semanas. Caso os sintomas persistam, deve-se buscar tratamento. Se quiser saber mais sobre o transtorno, clique aqui.

Ao que tudo indica, as histórias já estavam planejadas muito antes de acontecerem na realidade e não há confirmações de que foram inspiradas na vivência das atrizes. Ainda assim, independente de ser coincidência ou não, a quarta temporada segue tão intensa quanto as três anteriores, explorando com maestria assuntos muitas vezes ignorados na ficção.

No Brasil, a série é exibida pelo canal Sony, com episódios novos toda segunda-feira às 21h30.

--

--

Gabriel Duarte
Geek Buster

Estudante de jornalismo, entupido em café e provavelmente procrastinando