CONTO “ANOCEO” (VENCEDOR DO 1º CONCURSO LITERÁRIO IMPRENSA CULTURAL 2020)

Johnnie Brian
GeekExpresso
Published in
5 min readApr 4, 2020

Oi, gente. Mesmo quando meu blog era no Blogger (blogspot, da Google), havia uma sessão de “escritos literários”. Essa sessão também está presente aqui no medium. Eu nunca postei nada nessa sessão, nem no Blogger e nem no aqui. Mas, hoje eu precisava compartilhar um conto com vocês, pois como vocês puderam ler no título, eu fui vencedor do primeiro concurso literário do Imprensa Cultural (@imprensacultural no Instagram) na categoria “conto”. Não esqueçam de visitar o blog deles para terem acesso a entrevista que fizeram comigo.

Então, é com grande satisfação e orgulho que inauguro a sessão de escritos literários aqui no blog. Espero que gostem! :)

Ah!!! O texto fica um pouquinho meio desformatado aqui no medium. Pra quem se sentir incomodada, pode ler o texto com a formatação que o concurso exigiu acessando esse link do texto no google docs.

(Imagem: Adolf Bock)

Anoceo

Eu não sei ao certo se devo contar isso. Todos tivemos ou um dia teremos alucinações. Todos já tivemos sonhos lúcidos, ou mais rápidos. Mas um coisa é certa: eu não estava sonhando ou tendo alucinações. Eu sei quais são as intenções deles, e de certa forma, estou sendo obrigado a segui-las.

Estava em um cruzeiro no mar do Pacífico. Infelizmente não sei dizer ao certo em que parte dele, pois estava em uma viagem ao Japão depois de desembarcar de avião em Papua-Nova Guiné. Achei que a experiência iria ser ótima para mim que vivo tão conectado ao mundo, e esse foi meu modo de fugir dele por uns dias. Pois bem, eu fugi do mundo até demais. A viagem estava prevista para ser terminada em quarenta e três dias, e no décimo quinto dia eu já estava me sentindo mal em estar sempre rodeado por água e mais água. Apesar do cruzeiro ter diversas atividades que eu poderia praticar, o meu foco não era esse. Se assim fosse, eu não precisaria estar necessariamente em um cruzeiro em alto mar, mas digamos que ajudava quando eu ficava com um pouco de tédio. No vigésimo terceiro dia, o capitão nos avisou que estávamos no mais longe da terra que poderíamos estar, e que isso só era possível por causa de toda a sofisticação marítima que foi sendo construída ao longo do tempo:

— Com certeza, meu caro, transportar tantas pessoas em um navio nessas áreas já foi um problema — Disse o capitão em uma de minhas visitas à sala de comando. — Eu já fui náufrago, e sei o que é estar a bordo de um pequeno barco; o modo mais primitivo da navegação. Pra ser sincero, me sinto mais seguro neste navio do que em terra firme.

Eu estava conseguindo acompanhar o ritmo, ou pelo menos estava tentando viver daquela forma: seria ingratidão minha à humanidade não prestigiar a vida no mar depois de fazê-la possível. Às vezes, eu não conseguia dormir por diversos motivos diferentes, incluindo o balanço do navio, que era o motivo mais frequente. Então, eu saia para dar uma volta, com um bom casaco e uma xícara de café que uma senhora da cozinha me cedia em qualquer hora da noite:

— A senhora não cansa de ficar acordada até tarde servindo café?

— Não é bem como o meu trabalho no almoço, por exemplo. Eu não fico aqui sempre e você é o único passageiro que toma café uma hora dessas. — Respondeu — Eu faço um pouquinho aqui e sirvo para os que estão acordados. É difícil que esta seja a única bebida que consigo tomar quando estou com insônia. — Disse ela, sorrindo enquanto colocava a água no coador — Prontinho…já está pronto. Eu só preciso encontrar uma xí…cara… — Dizia ela enquanto procurava — Olha, lhe darei esta aqui, pois é a única limpa que tenho. Mas que fique claro que é minha e que você tem de devolver para mim, tudo bem?

— Não quero incomodar. Posso me servir em copos de plástico mesmo.

— Que isso! Não está incomodando. Só lembre de me trazê-la. Pode até ser depois que acordar.

— Tudo bem, então. Obrigado! — Agradeci — A senhora não gostaria de acompanhar-me em um passeio nessa noite fria?

— Adoraria, mas devo dormir logo após tomar meu café.

— Entendo. — Respondi — Tenha um boa noite. — E me despedi dela.

Entrei no convés do navio. Era incrível como eu caminhava e minha atenção não era voltada para onde eu estava andando, mas sim para todo aquele frio e silêncio do vasto oceano que me cercava. Me encostei na borda do navio e fiquei contemplando o “nada”. Com a noite, tudo fica escuro e o que se tem é o som do mar para ouvir. Imaginei o quanto aquele navio era minúsculo se comparado às dimensões marítimas daquela região. Se eu me sentia pequeno? É claro que me sentia! E era por isso que eu gostava tanto dali.

Por volta das 23:30, eu ainda não tinha terminado meu café, mas já pensava em tentar dormir. Até que senti uma mão encostando no meu ombro. Me virei um pouco assustado: era o capitão.

— Boa noite, meu jovem. — Disse ele enquanto apertava minha mão e depois cruzava os braços pra trás. — O que faz aqui a essa hora?

— Boa, capitão. Estou com insônia e resolvi aproveitar um pouco o oceano.

— Muito bem. É sempre bom aproveitar a viagem. É o que eu sempre digo.

— E o senhor? — Perguntei — Por que está fora da cabine de navegação?

— Resolvi andar um pouco. É bom para relaxar depois de horas dirigindo o navio.

— Imagino como deve ser.

— Mas escute, rapaz. Precisamos de um favorzinho seu. — Isso teria sido chato, pois eu era um tripulante, cliente do navio, mas resolvi ouvi-lo.

— Prossiga.

— Precisamos que você conte sobre nós.

— O que? — Antes de responder, ele me empurrou com uma grande força que fez com que eu cambaleasse e caísse para fora do navio. Eu caí com força na água. Tudo que me lembro se resume a medo e frio. Eu não conseguia subir para a superfície. Não enxergava nada e sentia que ia afundando mais e mais. Eu não conseguia respirar. Em uma última tentativa de subir à superfície, acabei me desesperando mais ainda e comecei a me afogar. A água começava a entrar em meus pulmões, quando senti meu corpo sendo puxado, talvez por algum tipo de vácuo, e cai num chão de areia molhada.

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Johnnie Brian
GeekExpresso

Meu nome é Johnnie. Escrevo sobre cultura pop. “Geek” não me define, mas é o termo mais próximo. hehe