Stardew Valley e o poder da imersão

Johnnie Brian
GeekExpresso
Published in
7 min readJan 15, 2020

Nota: este post não é feito com base em artigos e pesquisas científicas. Duvide de tudo que foi dito. As informações nele contidas podem servir para fins acadêmicos, pois de certa forma se tratam de um relato.

A vida está longe de ser fácil, meus amigos. Para mim, não importa como funciona seu mundo; a nossa experiência, influências e os graus de dificuldade que a nossa perspectiva dá aos problemas, determina como lidamos com eles. A mente de um paraquedista profissional momentos antes de um salto funciona totalmente diferente da de uma pessoa que nunca pulou. Isso provavelmente se deve ao nosso instinto de sobrevivência: quem nunca saltou de paraquedas, ficará muito mais tenso, pois o cérebro ainda estará avaliando os riscos daquela sensação desconhecida. Enquanto isso, o cérebro de um profissional já analisou bem aquela situação e por esse motivo lida bem melhor com ela. Peca bastante quem acha que isso só acontece em situações extremas (como saltar de um avião a metros de altura): estamos frequentemente avaliando riscos e tentando prever situações, faz parte da nossa natureza. Quem nunca viu um ônibus na vida, raramente ficará perto do meio-fio quando um se aproximar. Mas quem cresceu na cidade e está acostumado com tudo, não se preocupa no momento em que um ônibus passa a menos de um metro do seu corpo.

Isso não acontece apenas enquanto nossa vida está ameaçada, mas também quando nos sentimos ameaçados: sempre que planejamos algo e pensamos nas chances daquilo dar errado, estamos de certa forma nos protegendo de algo. Cada vez que temos um compromisso com hora marcada, nós procuramos saber onde ocorrerá, que horas e depois nos programamos para ir, pois a frustração de faltá-lo pode nos prejudicar. E é por este motivo que quando estamos atrasados, tendemos a aumentar nossa frequência cardíaca para o nosso corpo trabalhar mais rápido.

Nos cansamos fisicamente todos dias e é por esse motivo que precisamos dormir. O nosso corpo tem uma energia limite por dia, e cabe a nós distribuirmos essa energia com base nas nossas necessidades: se gastarmos toda a energia de uma vez só, teremos dificuldades em fazer outras atividades. Ou quando fazemos um exercício que não estávamos acostumados, tendemos a sentir dores nos músculos que foram trabalhados e isto geralmente acontece no dia seguinte, depois de termos descansado. Mesmo depois de um bom descanso, as dores ainda podem estar presentes nos músculos. O nosso cérebro não funciona diferente: ele é parte do nosso corpo e usa energia para trabalhar, se cansa e dói quando forçamos. Sempre que nossos músculos estão cansados, geralmente descansamos, mas como o cérebro descansa? Acredito que ele diminui a sua frequência de atividade, mas para isso não basta apenas deitar e fechar os olhos. Estamos pensando quase 100% do tempo e coordenar um descanso para nossa mente é essencial para a saúde.

Para um bom descanso, nós precisamos diminuir um pouco a frequência com que nosso cérebro trabalha. Nós temos diversos meios de fazer isso: que significa relaxar a mente ou “desestressar”. Ouvimos músicas, assistimos a filmes, lemos, nos divertimos. É o que chamamos de entretenimento (“aquilo que distrai, entretém; distração, divertimento”). Um bom exemplo é vivenciar situações difíceis que uma hora vão se resolver sozinhas, pode ser um alívio para nosso cérebro.

Como eu disse anteriormente, a vida está longe de ser fácil. Lidamos com muitos problemas durante o dia, querendo nós ou não. Isso sobrecarrega nosso cérebro, logo, nos cansamos. Achar um meio de entretenimento pode ser algo automático em nossas vidas, fazendo parte do nosso cotidiano. Muitas vezes, os meios que temos podem não ser suficientes, pois ainda podemos estar ligados com o que acontece a nossa volta. E é agora que começo a falar sobre o poder da imersão.

É totalmente comum que você não consiga relaxar, se entreter com algo que não goste. Um filme chato por exemplo, vai fazer você ficar pensando em outras coisas. Mas um ótimo filme pra você, vai fazer com que você preste tanto atenção nele que esquecerá qualquer problema e isso tem a ver com imersão. Quando estamos conectados com alguma obra, nós estamos de fato conectados. As informações nela contidas nos são passadas e tendemos a pensar no que está acontecendo na obra e não com o que está acontecendo conosco. Temporariamente, substituímos os pensamentos que regem a nossa vida pelas informações que a obra nos passa. É por essa razão que acredito que ficamos felizes quando algo de bom acontece em um filme. Estamos conectados.

Há diversas mídias, e nelas, há diversos níveis de imersão. Temos desde jogos não-digitais como os RPGs a filmes. Eu considero os RPGs como um nível alto de imersão, pelo foco ser no role play (algo como encenação, “faz de conta”). O fato de você se colocar na pele de outra pessoa eleva muito a sua conexão com a obra. Contudo, dependendo do jogo, as coisas podem dar errado, e você acabar enfrentando problemas que não vão deixar o seu cérebro bem relaxado. Isso também acontece em filmes. Por exemplo: uma protagonista (que é quem acompanhamos durante a sessão) se mete em uma situação perigosa que nos aflige, nos deixa tensos, mas que logo depois, tudo dá certo e ela consegue se salvar. Quando ela finalmente respira, e relaxa, nós também fazemos isso (será que é por isso que a maioria dos(as) protagonistas têm o poder de serem praticamente imortais?). Porém, quando estamos no controle da situação, nós temos que agir, temos que pensar, temos que calcular, e isso não é tão relaxante as vezes. Histórias sempre acalmaram a nossa mente. Desde crianças, quando ouvimos alguém contando historinhas para dormimos, a adultos.

A indústria de jogos tem trabalhado bastante nesse quesito. Jogos sempre entreterão as pessoas, mas para mantê-las jogando por mais tempo, consumindo mais, tiveram que usar a imersão com mais força. Desde jogos de RPG eletrônicos (como os MMORPGs) à jogos FPS (modo campanha ou história) foi-se investido muito em narrativas, mas também em gráficos, que consigo trazem mais realismo. Histórias mais complexas, mais realistas = mais imersão = consumo. Gráficos mais próximos da realidade = mais imersão = mais consumo. Junte os dois e terá um jogo capaz de prender uma pessoa por horas. Claro que isso não é uma fórmula geral para se fazer um bom jogo, e há muitos jogos que provam isso:

Para mim, Stardew Valley é um jogo completo: ele não necessariamente precisa ser uma história onde há um clímax ou de uma narrativa extensa. Depois de criarmos um personagem, já nos sentimos imersos, pois o jogo tenta nos colocar o mais próximo da realidade possível, para que assim, possamos sair dela por um tempo: ao criarmos um personagem baseado em nós, nos inserimos na história. A narrativa de uma vida monótona da cidade pode ser a realidade de muitas pessoas que geralmente trabalham e estudam para mudar de vida. Mesmo que você não seja assim, esta é uma sensação fácil de ser passada para pessoas que vivem na cidade. Mudar de vida é caro, delicado, e exige tempo, mas é ótimo poder ter uma experiência próxima sem precisar disso tudo. A transmissão da sensação de mudança quando nosso personagem decide abandonar tudo e ir viver no campo, faz com que acompanhemos ele e quanto mais jogamos, mais a conexão se fortalece, mais aquele personagem é uma expressão de nós mesmos.

(Feirinha, um dos eventos do jogo)

Apesar de ser um jogo feito em pixel art (bits) os elementos de imersão estão muito presentes. As tarefas que exercermos não nos causa nenhuma dor de cabeça, o que dá uma sensação de prazer, pois estamos resolvendo problemas, estamos pensando, mas sem muita pressa e sem muita complexidade. O convívio com os NPCs (personagens do próprio jogo que não são pessoas) é bem amigável, apesar de haver alguns não tão simpáticos. Com o passar do tempo, desenvolvemos uma rotina no jogo, pois ele é baseado em dias. Acordamos cedo, assistimos ao telejornal para saber a previsão do tempo, assistimos ao canal do vidente para sabermos como está nossa sorte e vamos trabalhar. Regamos as plantas, colhemos, vamos ao mercado comprar coisas, pescamos, voltamos à noite, vamos a uma taverna, encontramos amigos e depois vamos para casa dormir (algo parecido com a nossa própria rotina?). E isso tudo com uma ótima trilha e efeitos sonoros (como o de pássaros e o som do mar). Sem contar que nunca temos um dia igual ao outro, por mais que sejam parecidos (algo parecido com a nossa própria rotina?²). As vezes coisas imprevistas acontecem e isso é muito legal. Nos programarmos para fazer algo e conseguirmos fazer tudo dar certo, causa uma ótima sensação, diminuindo níveis de ansiedade, acredito eu, pelo menos foi o que senti. Desde uma vida cheia de deveres, até uma sem nenhum, ter aquela sensação de dever cumprido é um pouco difícil. Sem termos boas sensações, nossa saúde mental pode ser prejudicada, e este jogo funciona como um incentivo ao nosso cérebro para produzirmos essas sensações. E é impressionante como a ausência delas acaba nos desmotivando a exercer atividades que em tese gerariam elas, mas como o jogo quebra esse vício que temos de ver a vida de uma maneira ruim, abrimos os olhos para a ela novamente.

Muito obrigado pra quem leu até o final. Espero ter sido o mais claro possível. Comentem sobre o que acharam. Qualquer crítica ou opinião (principalmente as contrárias) são extremamente bem vindas!

Ah! E se vocês já tiverem tido uma experiência semelhante com outros jogos (ou com qualquer outra mídia de entretenimento) não se esqueçam de compartilhar comigo. :)

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Johnnie Brian
GeekExpresso

Meu nome é Johnnie. Escrevo sobre cultura pop. “Geek” não me define, mas é o termo mais próximo. hehe