Designers Pedagógicos(as): profissionais que unem educação ao desenvolvimento de tecnologias

Christie Sototuka
Geekie Educação
Published in
7 min readFeb 26, 2024
Foto de Mike Enerio na Unsplash

O futuro não é um lugar onde estamos indo, mas um lugar que estamos criando. O caminho para ele não é encontrado, mas construído e o ato de fazê-lo muda tanto o realizador quando o destino.
Saint-Exupéry

Muitas vezes ouvi dizer que o futuro trará problemas que ainda não conhecemos e que a maioria das profissões do século XXI ainda não existiam, mas nunca imaginei que teria a experiência de viver e ajudar a construir uma dessas profissões. Seis anos atrás, na Geekie, uma empresa de educação e tecnologia para a educação básica, ninguém sabia o que era um Designer Pedagógico. Que papel essa pessoa vai desempenhar no dia a dia? Quais oportunidades atende? Com quais métricas de negócio contribui? E a lista de perguntas só aumentava…

Foram anos de intensa construção para chegarmos no modelo atual de um time de Designers Pedagógicos que contribui profundamente em diversas áreas da empresa. Atuamos com as formações de nossas consultorias, elaboramos experiências de formação continuada para educadores(as) das escolas parceiras e fazemos atendimento a clientes para aprofundar em nossa concepção pedagógica. Além disso, temos parcerias constantes com os times de marketing, tecnologia e editorial.

Diagrama de quatro círculos sobrepostos. No centro do diagrama, temos: “Designers Pedagógicos”. Ao redor, temos: “Tecnologia e Editorial”; “Consultorias”; e “Marketing”.
O time de Designers Pedagógicos realizam diferentes projetos com outros times da empresa, especialmente Tecnologia, Editorial, Consultorias e Marketing.

Considerando essas diversas atuações, à primeira vista, pode parecer que o time de Designers Pedagógicos é disperso ou que não possui um foco, mas existe uma linha que permeia nosso trabalho nas diferentes frentes: um time de educadores(as) que resguardam os pilares pedagógicos da empresa, capazes de traduzir teoria e pesquisa em inovação educacional em soluções inspiradoras para as nossas escolas. Este tem sido nosso papel desde a concepção do time, pois acreditamos que é preciso ousadia se quisermos mudar a educação no Brasil.

Segundo os relatórios do PISA, os índices de educação no país estão estagnados desde 2009. O relatório da última edição de 2022 traz a constatação de que 73% dos estudantes de 15 anos do país não atingem um nível básico em matemática para o exercício da cidadania. Quando olhamos para as escolas vemos que, de maneira geral, não houve uma grande transformação nestes espaços com o uso da tecnologia como aconteceu em outras áreas — transporte, saúde, comunicação. Mas e se pudéssemos dialogar de maneira empática com os desafios da escola e impulsionar a inovação na educação? E se a tecnologia fosse uma ferramenta prática e intencional para que famílias, docentes e coordenações tivessem visibilidade da aprendizagem de estudantes para atuarem juntas?

Designers Pedagógicos com os times de tecnologia

Pela primeira vez, escrevemos sobre a parceria entre Designers Pedagógicos e os times de tecnologia, compartilhando nossa forma de trabalhar que é única e torna possível desenvolver soluções assertivas para a educação, no ritmo de evolução de empresas de tecnologia.

O início do trabalho de um time de produto geralmente acontece com uma etapa de descoberta (discovery), onde atuamos em um trio: gerente de produto, designer de produto e designer pedagógico. Uma pessoa designer de produto está mais focada no desenho da interface e em uma experiência coerente, fácil e agradável para utilizar nossas ferramentas. De modo complementar, uma pessoa designer pedagógica consegue trazer referências de pesquisas educacionais, dar voz aos diferentes desafios do dia a dia da escola e mostrar a diversidade de propostas pedagógicas que estão envolvidas. Desta maneira, os conhecimentos da área de educação e da vivência em escola são considerados desde o início da descoberta, ou seja, não nos limitamos a momentos de entrevistas com usuários e benchmarking para conseguir entender o contexto em que trabalhamos.

Esquema sobre elaboração para escolas. Temos um fluxo com conceitos e setas: “Descoberta” aponta para “Desenvolvimento”, que aponta para “Entrega para escolas”. “Descoberta” e “Entrega para Escolas” estão conectados entre si pelo “Designer pedagógico”, representado pela figura de um boneco.
Em um time de produto, um(a) designer pedagógico(a) atua principalmente nas etapas de Descoberta e de Entrega para as escolas. O pensamento aprofundado sobre educação, alinhado aos pilares pedagógicos da empresa, permeia do início ao fim o desenvolvimento de soluções. Descoberta: um processo pelo qual entendemos os problemas e desafios de nosso usuários e testamos diferentes soluções com nossas escolas. Desenvolvimento: depois que definimos uma solução, a engenharia pode partir para a construção da arquitetura no código que dará sustentação e vida para a solução. Entrega para escolas: uma vez terminado o desenvolvimento, precisamos fazer uma boa comunicação sobre essa solução para as pessoas que irão utilizá-las. É a diferença entre entregarmos mais uma nova ferramenta ou um benefício pedagógico.

Na etapa de descoberta, o time de produto define uma solução final para passar para etapa seguinte de desenvolvimento com a engenharia. Ao final do processo, quando a solução está quase pronta para ser entregue para as escolas, os(as) Designers Pedagógicos(as) colaboram com Marketing de Produto para a construção de comunicações que traduzam a funcionalidade tecnológica em benefício pedagógico para ser utilizado na escola. Dependendo do tamanho do impacto que estamos prevendo, também podemos contar com outros Designers Pedagógicos(as) para elaborarem formações para as escolas. Para ter ideia, em 2023, tivemos formações sobre 26 temas pedagógicos que incluíam em suas pautas a intencionalidade e uso dos nossos materiais e plataforma.

Ao longo do ano, repetimos várias vezes este processo de descoberta → desenvolvimento → entrega com diferentes temáticas. Para que os(as) designers pedagógicos(as) possam contribuir da maneira mais efetiva possível, existe outro fator que considero chave para o sucesso: nosso conhecimento não se limita à educação. Sabemos como é desenvolver produtos, podemos facilitar design sprints quando necessário, pensamos na experiência de usuário (lembre que somos educadores e já sentimos muitas das dores da escola), estamos acostumados com metodologias ágeis, priorizações e a considerar custos de desenvolvimento, bem como os desafios de negócio da empresa. Ter estas experiências facilita muito nosso trabalho e entrosamento com os times de produto, pois ter a experiência em educação não é garantia de que conseguiríamos contribuir efetivamente e tão intensamente nas soluções tecnológicas para impulsionar a educação. Aqui também deixo um GRANDE agradecimento aos times de produto, pois existe uma troca mútua para que possamos entender o “engenheirês” e o “pedagogiquês”.

Livros empilhados com uma variedade de títulos: Tornando a aprendizagem visível; Planejamento para a Compreensão; Creating Cultures of Thinking; Ensino Híbrido; Como aprender e ensinar por competências; SPRINT; Não me faça pensar; Storytelling com dados e Design for how people learn.
Os diferentes tipos de leitura ajudam a ilustrar os estudos que vem de diferentes áreas e constroem um repertório de educação, design, experiência do usuário e desenvolvimento de produto.

Um exemplo prático

Em 2022, buscamos uma solução que pudesse tornar a aprendizagem visível para estudantes, famílias e docentes do Ensino Fundamental Anos Iniciais. Na etapa de descoberta, fizemos diversas entrevistas com escolas, ouvimos atentamente seus desafios e mapeamos oportunidades. Entendemos que os(as) estudantes poderiam refletir mais sobre suas aprendizagens; os(as) docentes precisavam de mais evidências para uma avaliação contínua desse processo; e as famílias gostam de estar próximas das atividades da escola, mas nem sempre conseguem entender e dialogar com o que seus filhos e filhas estão aprendendo.

Neste cenário, os(as) designers pedagógicos puderam trazer referências sobre portfólios de aprendizagem. Os portfólios são de uso comum nas escolas, mas nem sempre fáceis de elaborar e às vezes carecem de algumas características para serem utilizados como ferramenta de avaliação formativa da aprendizagem. Assim, começamos a trabalhar nas ideias de solução: como poderíamos ajudar as escolas a terem um uso mais prático e mais intencional de um portfólio digital e que ajudasse a aproximar as famílias?

Novamente, fomos nos aprofundar em referências teóricas e exemplos práticos do uso de portfólios e fizemos várias trocas e discussões para elaborar nosso protótipo e iterar em suas versões. As conversas também envolveram a equipe da engenharia para que pudéssemos ter um entendimento comum sobre as características e benefícios de um portfólio de aprendizagem e entender quais eram as possiblidades de implementação. Por exemplo, se fizéssemos algo parecido com postagens de imagens e textos (semelhantes ao que vemos em redes sociais), perderíamos a intencionalidade do processo de aprendizagem, isto é, a oportunidade de construir ao longo do tempo uma narrativa com diferentes registros sobre como um(a) estudante evolui. Estes temas narrativos poderiam incluir o desenvolvimento da escrita, os aprendizados ao longo de um projeto ou o amadurecimento de estratégias para resolver problemas. Queríamos que o portfólio ajudasse a guardar estes registros, criasse memórias e desse visibilidade para toda a comunidade escolar sobre a aprendizagem.

Todas as trocas entre designers pedagógicos e engenharia se mostraram muito valiosas porque inicialmente algumas das soluções e ferramentas que estavam sendo pensadas não entregavam os benefícios pedagógicos que estávamos procurando. Foram o trabalho conjunto e a troca de conhecimentos que possibilitaram a elaboração de uma solução melhor.

Enquanto o time de engenharia trabalhava no desenvolvimento do portfólio de aprendizagem digital, o restante da equipe podia pensar sobre a melhor forma de contar a novidade para as escolas: quais as mensagens-chave? Como levar as informações para as famílias? Quais eram os exemplos práticos que poderíamos levar para as professoras perceberem o valor do portfólio de aprendizagem? Além disso, como se tratava de uma grande novidade, também elaboramos formações para a equipe de consultoria que apoia as escolas, bem como formações para docentes, onde aprofundamos a teoria e prática pedagógica.

Neste exemplo, pensamos em 1 dos times de produto, porém, no dia a dia, existem vários times trabalhando ao mesmo tempo em um processo de descoberta → desenvolvimento → entrega. O fato de termos designers pedagógicos atuando nestes diferentes times faz com que as soluções da Geekie sejam desenvolvidas com coerência e sigam um mesmo norte pedagógico. Ao mesmo tempo, como estes designers pedagógicos pertencem a um time maior, conseguem se manter atualizados e levam para os times de produto uma visão de educação que não é apenas individual, mas compartilhada pelo grupo pedagógico.

Esquema sobre atuação de designers pedagógicos. Um círculo com figuras de bonecos representa os “Designers Pedagógicos”. A partir dele, setas apontam para “Time 1”, “Time 2”, “Time 3” e “Time 4”. Cada um dos times apresenta o seguinte fluxo: “Descoberta” aponta para “Desenvolvimento”, que aponta para “Entrega para escolas”.
Os(As) Designers Pedagógicos(as) atuam nos times de produto para que todos compartilhem da mesma visão de educação, permitindo o trabalho em paralelo, mas que geram soluções coerentes para as escolas.

Repare na beleza deste processo: internamente, é maravilhoso observar toda a equipe embarcada em um projeto, pensando no melhor para as escolas e com pessoas mais motivadas porque entendem os impactos de seu trabalho para a educação. Para as escolas, a solução tecnológica sai com uma qualidade pedagógica imensa, contribui com algo prático para ser usado e ajuda a fortalecer a comunidade escolar em prol do aprendizado dos(as) estudantes. No todo, o que fazemos possibilita darmos mais um passo em direção à transformação na educação.

O lugar que estamos criando

Me disseram que se soubéssemos seis anos atrás tudo o que sabemos hoje sobre um time de Designers Pedagógicos, teria sido muito mais fácil e teríamos menos incertezas no caminho. Mas será que não seria esse o coração da inovação que a educação tanto precisa? Imaginar algo que pode vir a ser, acreditar, testar, errar e aprender rápido para fazer diferente. No caminho, sentimos um frio na barriga, mas sem ele não teria tanta graça. Tenho certeza de que o lugar que estamos criando hoje é muito melhor porque a educação está no coração da tecnologia.

--

--