Mudando a cultura numa Engenharia predominantemente masculina

Paula Keiko
Geekie Educação
Published in
8 min readJun 18, 2024

Que a grande maioria de profissionais na área de Engenharia de Software é formada por homens todo mundo está cansado(a) de saber e ver, não é mesmo? Mas como mudar esse cenário (ou, pelo menos, caminhar em direção a uma mudança)?

Compartilhamos, aqui, nossa trajetória na Engenharia da Geekie para aumentar o número de engenheiras de software na empresa de 8% para mais de 25%. Essa jornada não é perfeita, porém, acreditamos que, ao compartilhar, além de abrir espaço para troca de experiências, podemos fomentar o debate e as ações na área, além de inspirar outras empresas a movimentarem-se de forma semelhante ou com o mesmo fim.

Mulheres diversas reunidas, discutindo em volta de um computador

Olhando para trás: uma retrospectiva da nossa história (2011–2021)

Em 2011, a Geekie foi fundada por Claudio Sassaki e Eduardo Bontempo, reunindo uma equipe com 3 pessoas desenvolvedoras, todas elas homens. Com o crescimento da empresa, as mulheres começaram a ter mais presença: tínhamos mulheres consultoras de escolas, gerentes de projetos, designers e até engenheiras.

Com o aumento desse número, foi comum e natural o debate sobre equidade de gênero surgir. Em 08 de março de 2017 (mesmo ano que o Geekie One, principal produto da empresa, nasceu), algumas mulheres da Geekie (na época, uma startup com menos de 100 pessoas) organizaram um evento de Dia Internacional da Mulher com palestras conduzidas por colaboradoras da própria empresa.

Um dos papos foi sobre as dificuldades enfrentadas por mulheres no ambiente de tecnologia, que foi conduzido pela única mulher do time de Desenvolvimento naquele momento (para referência, haviam 12 homens no time de engenharia, então a porcentagem de mulheres era menor que 9%). Toda a empresa participou (inclusive o CEO), e, ao final, acabou virando um debate: “por que só temos UMA mulher na nossa Engenharia?”

Essa pergunta foi o começo de um movimento ativo no nosso time: algumas ações foram implementadas para tentar aumentar essa porcentagem (não apenas por uma pressão das mulheres da empresa, mas também por grande parte dos(as) colaboradores(as) estarem cientes da importância da diversidade na construção de produtos digitais):

  • Mudança das descrições das vagas para ter gênero neutro: com o gênero neutro, além de notarem que a empresa está preocupada com o tema da diversidade, as mulheres se sentem mais incluídas ao ler a descrição (1)(2);
  • Mudança das descrições das vagas para remoção de requisitos sem sentido: estudos (3) revelam que, normalmente, uma mulher só aplica para uma vaga se preencher a maioria ou todos os requisitos. Portanto, enxugar os requisitos para deixar apenas os essenciais para a vaga é também uma ação de diversidade e inclusão;
  • Busca ativa por mulheres para preencher a vaga: ao pesquisar por termos no masculino, naturalmente e obviamente, você vai encontrar perfis masculinos. Portanto, para encontrar mulheres no LinkedIn, é preciso pesquisar por termos no feminino (“engenheira”, “desenvolvedora”, “programadora”), além de ter um olhar mais ativo para a busca desses perfis dentre os tantos masculinos;
  • Espaço para transição de carreira interna: uma colaboradora do time de suporte estava cursando Análise de Sistemas e teve a oportunidade de realizar uma transição de área de forma faseada (começou fazendo algumas tarefas da área de desenvolvimento para ir aprendendo enquanto realizava os atendimentos de suporte, até que, em 2018, fez a transição oficial para desenvolvedora);
  • Atração de mulheres na universidade: foram feitas apresentações (voltada para as mulheres) em cursos de Ciência da Computação nas universidades. Esse papo tinha o objetivo de apresentar a empresa às mulheres que estavam finalizando o curso, para engajar possíveis aplicações de vagas no futuro;
  • Cultura para perceber e combater vieses inconscientes: foi conversado, dentro do time, sobre os vieses inconscientes existentes e como ter cuidado com eles. Também adotamos medidas simples dentro dos times de produto, como a utilização de linguagem neutra na escrita de histórias (utilizar o termo “alunos e alunas” ao invés de apenas “alunos”).

Durante essas ações, já fomos colhendo frutos e contratando mais mulheres para o time. No início de 2019, éramos 6 desenvolvedoras e 1 analista de qualidade (tínhamos chegado em torno de 38% de mulheres na Engenharia).

O presente com uma cultura mais diversa (2022–2024)

Após anos debatendo sobre o tema, hoje, temos um cenário onde as propostas para aumentar a diversidade surgem, naturalmente, do próprio time. Um exemplo disso aconteceu durante o início de 2023. Nessa época, o time de qualidade de software consistia apenas em pessoas do sexo masculino e, com o aumento de times de produto, tornou-se necessária a contratação de mais duas pessoas Analistas de Qualidade (QA).

Antes que o processo de contratação fosse iniciado, em uma conversa das mulheres da Engenharia, foi comentado sobre a importância de contratar duas mulheres para essas vagas. Essa proposta foi levada para os líderes de Produto e Qualidade que, na mesma hora, toparam e engajaram na meta.

Algumas semanas depois, duas mulheres que se encaixavam no perfil procurado realizaram o processo e foram contratadas (obviamente, teve muito trabalho por trás dessa busca). Ver uma ação, que começou de maneira tão informal, se concretizar, nos deu a certeza de que ações corporativas mais estruturadas também teriam o apoio das lideranças.

Pouco tempo depois, quando surgiram novas vagas para desenvolvedores e desenvolvedoras Júnior, foi decidido que seriam vagas afirmativas femininas. Essa atitude se deve ao fato de que, conforme o nível de senioridade aumenta, diminui ainda mais a taxa de mulheres presentes no mercado — e uma parcela ainda menor está disposta a se arriscar em novas empresas (4). No entanto, existem muitas mulheres que estão em transição de carreira para a área de desenvolvimento, mas nem sempre é fácil encontrar um primeiro emprego na área, principalmente sem a formação específica. Por isso, a vaga Júnior parecia nossa melhor chance de conseguir contratar mulheres para o time de engenharia naquele momento.

Era um sonho, mas não era só anunciar uma vaga afirmativa e esperar que as candidatas corretas caíssem do céu. Revisamos, mais uma vez, a linguagem das descrições das vagas, além de fazer buscas ativas nos currículos que recebemos. Ao divulgar nossas vagas, recebemos mais de 1000 currículos, dentre eles, muitos homens (tínhamos vagas Sênior, Pleno e Júnior). O trabalho de filtrar as mulheres nessa infinidade de currículos foi árduo, mas nos dividimos entre as pessoas gerentes e a recrutadora da época.

Com os currículos selecionados, a próxima etapa seria a entrevista técnica (entrevista de código). Percebemos que nosso time de entrevistas técnicas tinha um grande número de homens e, por esse motivo, concordamos que faria sentido adicionar uma outra ação nesse processo: o treinamento de mulheres entrevistadoras.

Para as candidatas mulheres, concordamos que ter a presença de uma entrevistadora do mesmo gênero poderia ser benéfico, uma vez que elas poderiam se sentir mais confortáveis para fazer o teste com outra mulher na sala. Mesmo sem estarem preparadas para conduzir as entrevistas como entrevistadoras principais, nos organizamos de maneira que pelo menos uma das entrevistadoras em treinamento estivesse presente em entrevistas de candidatas femininas, acompanhando a entrevista como parte do processo de aprendizado.

Desta maneira, a entrevistada, mesmo sendo avaliada principalmente por um entrevistador homem, estaria na presença de uma entrevistadora mulher (e também seria avaliada por ela). Isso não quer dizer que não tivemos várias entrevistas que acabaram em resultado negativo. O processo de seleção tomou tempo, mas estávamos dispostos a aumentar a quantidade de mulheres no nosso time.

Além disso, durante o processo de recrutamento dessas vagas, percebemos que havia um número alto de mulheres em transição de carreira. Mulheres potentes, competentes e dedicadas, que só precisavam de um pouco mais de tempo, mentoria e experiência para serem excelentes desenvolvedoras Júnior. A partir disso, criamos um novo nível na Engenharia da Geekie: Associate. Nesse nível, só contratamos pessoas de algum grupo de diversidade, que estejam em transição de carreira e que tenham potencial para chegar ao nível Júnior entre 6 meses e 1 ano após a contratação.

Hoje, temos 25,58% de mulheres no time de engenharia. Nossa porcentagem caiu ao aumentarmos o tamanho do time desde 2019 até hoje (de 18 para 43 pessoas), porém, temos mulheres em níveis mais altos (comparado a 2019 — quando tivemos nossa maior porcentagem — 38%): 1 gerente de engenharia (num total de 4 gerentes), 8 desenvolvedoras (onde 3 são techleads, num total de 8 techleads) e 2 analistas de qualidade. Não é o ideal e nem nossa meta final, mas é um grande avanço.

As ações e debates durante todos esses anos nos trouxeram para uma Cultura onde somos a equipe que tem o maior percentual de engajamento nas Rodas de Diversidade da Geekie (evento voltado para apresentação e discussão no tema de diversidade, de onde já surgiram comitês e ações para aumentar a diversidade na empresa). Não apenas assistimos, como participamos ativamente do debate (incluindo os homens). Também participamos ativamente dos comitês de diversidade que conduzem ações para toda a empresa, e nós, mulheres, sentimos que temos bastante espaço e homens parceiros nessa luta.

O futuro é logo ali

Ainda não estamos satisfeitas com os números e cenário atuais. Queremos mais: queremos mais mulheres gerentes, mais mulheres techleads, mais desenvolvedoras Seniors, mais QAs Seniors, mais diversidade no geral. E queremos não apenas na Geekie, mas em todo o mercado de tecnologia. Ao compartilhar nosso trabalho e ações, esperamos promover o debate e engajar outras empresas a refletir sobre o tema. Não existe perfeição, existe ação.

Ver os resultados das nossas ações durante todos esses anos nos enche de orgulho. Não são só números; são mulheres que conseguiram criar uma rede de apoio interna, que incentiva e apoia mutuamente. São mulheres que, em seu primeiro emprego, em transição de carreira, estão se desenvolvendo e performando super bem. São mulheres que comemoram ao mudar de empresa e percebem que não estarão mais sozinhas dentre tantos homens. São mulheres contratadas que celebram ao receber a notícia de que vão fazer parte de um time totalmente feminino (sim, temos um time formado só por mulheres). Isso — e muito mais — são recompensas muito maiores do que o esforço das nossas ações.

O futuro pode ser distante, mas temos certeza que um dia chegaremos lá, pois temos um time que, cada dia mais, se apropria do tema e se engaja para melhorar nosso cenário.

E na sua empresa? Quantas mulheres estão na área de desenvolvimento? Quais ações já foram tomadas para aumentar não só o número de mulheres, mas a diversidade das áreas como um todo? Compartilha com a gente, queremos aprender mais com vocês!

Escrito por Izabela Melo e Paula Keiko.

Referências:

(1) https://oglobo.globo.com/celina/linguagem-machista-de-anuncios-de-emprego-afasta-mais-de-metade-das-mulheres-de-vagas-na-engenharia-24836149. Acessado em 09 de maio de 2024.

(2) Gender insights reports: How women find jobs differently. Fonte: https://business.linkedin.com/content/dam/me/business/en-us/talent-solutions-lodestone/body/pdf/Gender-Insights-Report.pdf. Acessado em 09 de maio de 2024.

(3) Why women don’t apply for jobs unless they’re 100% qualified? Fonte: https://hbr.org/2014/08/why-women-dont-apply-for-jobs-unless-theyre-100-qualified?trk=BU-pros-ebook-2019-genderreport. Acessado em 09 de maio de 2024.

(4) The employment gender gap widens with seniority for women in tech. Fonte: https://datapeople.io/article/the-employment-gender-gap-widens-with-seniority-for-women-in-tech/. Acessado em 09 de maio de 2024.

--

--