Presente e futuro da WCAG

O que há de novo na 2.2 e o que esperar da 3.0

Leonardo Pádua
Geekie Educação
9 min readJan 23, 2024

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Um pequeno boneco olha para a página de um livro, que está “de pé‘. De dentro do livro sai um feixe de luz, que ilumina o boneco e a página.
Imagem de Freepik

O que é WCAG? Um breve histórico

A sigla, em si, significa Web Content Accessibility Guidelines — traduzida livremente como Diretrizes de Acessibilidade para Conteúdo na Web.

De forma rápida, o excelente designer e especialista em acessibilidade digital, Marcelo Sales - também fundador da Tudo é Acessibilidade -, definiu:

“A base fundamental para que você tenha produtos digitais verdadeiramente inclusivos e acessíveis”.

Como um breve histórico, posso contar que esse documento, a WCAG, surge em 1997 por meio de uma iniciativa da W3C, que cria o grupo de trabalho WAI — Iniciativa de Acessibilidade na Web. Dois anos depois, em 1999, o grupo publica a primeira versão do documento, a WCAG 1.0, com 14 diretrizes.

Em 2008, é publicada a WCAG 2.0, um documento muito mais extenso e detalhado que se tornou norma ISO — a ISO/IEC 40500 -, adotada internacionalmente por governos, pelo mercado e demais organizações.

Posteriormente, em 2018, foi publicada a última versão que introduziu grandes alterações ao documento: A WCAG 2.1 . Essa estendeu o trabalho da versão anterior e trouxe novas diretrizes para dispositivos móveis e outras interfaces táteis.

WCAG 2.2

— Certo. Agora vamos ao nosso primeiro assunto, finalmente:

No final de 2023, foi publicada a última versão do documento: A WCAG 2.2 — e ela já se tornou a recomendação da W3C. Ou seja, essas são as diretrizes mais atualizadas para cumprir com requisitos mínimos de acessibilidade na internet. Essa versão não só é a última, no sentido de “recente”, como, provavelmente, será a última atualização da WCAG 2.

Ela traz algumas mudanças, em comparação à anterior, mas mantém, de forma geral, a conformidade. Assim, plataformas que atendem diretrizes da versão 2.2 também estarão em conformidade com a 2.1 .

Web Content Accessibility Guidelines (WCAG) 2.2

Antes de prosseguirmos aqui, recomendo a leitura do Guia WCAG, produzido pelo Marcelo Sales — novamente citado aqui pelo excelente trabalho:

Guia WCAG | Guia de consulta rápida

O guia já está atualizado com os critérios novos, que vou detalhar. E, se você ainda não favoritou, no seu navegador, é a hora de fazê-lo.

— Além do que me alonguei aqui com o contexto, não devo detalhar muito sobre o que são as diretrizes e como funcionam. A ideia, daqui pra frente, é avançar mais rapidamente.

Novos critérios

A WCAG 2.2, de acordo com o documento, focou em melhorias de acessibilidade para três grupos principais:

  1. Pessoas com deficiências intelectuais;
  2. Pessoas com baixa visão;
  3. Pessoas com deficiências que usam dispositivos móveis.

Essas melhorias se concretizaram na criação de 9 novos critérios.

A seguir, vou tentar descrever um pouco mais a estrutura do documento, e mostrar onde se encaixam os novos critérios.

É importante ressaltar que as ferramentas de testes de acessibilidade não implementam, plenamente, as verificações para os critérios da WCAG. Alguns critérios dependem, exclusivamente, de validação manual por uma pessoa especialista. Por isso, é importante a leitura e compreensão de cada um deles para testar manualmente e resolver possíveis problemas na sua aplicação.

Os novos critérios introduzidos na WCAG 2.2 são:

Princípio 2: OperávelOs componentes de interface de usuário e a navegação devem ser operáveis.
Diretriz 2.4 Navegável: Fornecer maneiras de ajudar os usuários a navegar, localizar conteúdos e determinar onde se encontram.

— — 2.4.11 Foco não obscurecido (Nível AA) e 2.4.12 (Nível AAA)
Quando um elemento recebe o foco do teclado, pelo menos uma parte dele deve permanecer visível e não oculta por outro conteúdo ou parte da interface. E no nível AAA, nenhum indicador de foco pode ficar oculto pelo seu conteúdo

— — 2.4.13 Aparência do Foco (Nível AAA)
Os indicadores de foco devem ter contraste de cores suficiente entre os estados focado e não focado e devem ter tamanho suficiente para serem claramente visíveis.

Diretriz 2.5 Modalidades de Entrada: Torna mais fácil para os usuários operar a funcionalidade por meio de várias entradas além do teclado.

— — 2.5.7 Movimentos de Arrasto (Nível AA)
Se alguma parte do seu site exigir um movimento de arrastar, forneça um meio alternativo de arrastar, como tocar ou clicar. Por exemplo, em vez de arrastar um mapa, a interface poderia oferecer botões que movem o mapa em uma direção específica.

— — 2.5.8 Tamanho do Alvo (Nível AA)
Todos os alvos interativos devem ter pelo menos 24×24 pixels. Isso pode incluir o espaçamento interno do elemento. Além disso, deve haver espaço suficiente entre os alvos.

Princípio 3: CompreensívelA informação e a operação da interface de usuário devem ser compreensíveis.
Diretriz 3.2 Previsível: Fazer com que as páginas web apareçam e funcionem de modo previsível.

— — 3.2.6 Ajuda consistente (Nível A)
Se você disponibilizar uma opção de ajuda, certifique-se de que ela esteja disponível de forma consistente e no mesmo local relativo. Isso tornará mais fácil a localização durante a navegação em seu site.

Diretriz 3.3 Assistência na Inserção de Dados: Ajudar os usuários a evitar e corrigir erros.

— — 3.3.7 Entrada Redundante (Nível A)
Em um processo, como cadastro ou preenchimento de um formulário, as informações que o usuário já inseriu devem ser disponibilizadas para ele. Isso ajuda os usuários, não obrigando-os a inserir informações mais de uma vez, a menos que seja absolutamente necessário.

— — 3.3.8 Autenticação Acessível (Nível AA) e 3.3.9 (Nível AAA)
Os usuários não devem ser forçados a memorizar informações ou necessariamente a escrever corretamente. Essas e outras tarefas são consideradas testes cognitivos. Por exemplo, um campo de nome de usuário e senha, que permite a entrada por um gerenciador de senhas, fornece assistência, assim como permitiria ao usuário preencher automaticamente os campos.

É interessante notar que parte desses novos critérios são baseados em decisões das pessoas designers, ou design-driven, em complemento com as garantias de implementação das pessoas desenvolvedoras. Nosso trabalho, em conjunto, também faz parte de um processo de garantia da acessibilidade nos produtos que criamos.

Sobre os critérios 2.4.11, 12 e 13 — que dizem sobre o comportamento do foco, aproveito para citar mais um material do Marcelo Sales — que já pode pedir música no fantástico:

A importância do foco visível para a acessibilidade digital

Também foi retirada da WCAG do critério 4.1.1 Análise — ou Parsing, em inglês. A justificativa de remoção está relacionada a como, antes, tecnologias assistivas dependiam de uma marcação HTML sem erros para garantir uma boa experiência de navegação — para leitores de tela, por exemplo. Agora, como essas tecnologias não precisam analisar o HTML para garantir um bom funcionamento, o critério foi removido. Ainda é necessário garantir elementos semânticos, de acordo com outros critérios, mas, para a marcação HTML, os erros não são mais considerados como forma de cumprir o critério depreciado.

De forma mais completa, mas ainda sem tradução para português, encontrei esse mapa produzido pela Intopia — consultoria de acessibilidade digital — que ilustra a estrutura do documento. No centro estão os princípios, e ao redor, em uma estrutura de árvore, se encontram os critérios:

Diagrama visual da estrutura da WCAG 2.2
Diagrama visual da estrutura da WCAG 2.2, produzido por Intopia

Cada um desses critérios requer uma contextualização individual. Portanto, para seguirmos para o próximo tema, gostaria de compartilhar dois materiais muito bem produzidos, que me ajudaram a escrever esse artigo e detalham cada um dos novos critérios e apontam formas de atendê-los:

O que o WCAG 2.2 trouxe de novo? — WPT

WCAG 2.2: As últimas novidades e como atender cada critério

WCAG 3.0

Em sua última atualização, em Julho de 2023, o documento da WCAG 3.0 ainda consta como “working draft”. Ou seja, esse documento ainda é um rascunho das novas propostas dessa versão. É esperada uma nova atualização no começo de 2024. A ideia da equipe de trabalho, que foi apelidada de Silver Task Force, ou Força Tarefa Prateada(?), é de que não sejam mais lançadas novas atualizações para a WCAG 2.

— Posso pensar em atualizar esse texto quando houverem novidades.

Bom, como disse anteriormente, existem novas propostas nessa atualização. A primeira mudança interessante é o próprio nome, que deixa de ser:

Web Content Accessibility Guidelines — Diretrizes de Acessibilidade para Conteúdo na Web

Para se tornar, mantendo a sigla WCAG:

W3C Accessibility Guidelines — Diretrizes de Acessibilidade W3C

O que pode parecer um mero rebranding, mas guarda um significado interessante — e que espelha os objetivos dessa nova versão. De acordo com seus autores, a mudança de nome foi feita, principalmente, para reforçar que as diretrizes vão além do conteúdo.

Apesar de símbolica, essa mudança está totalmente alinhada com os objetivos expostos, que são:

  • Tornar as diretrizes mais fáceis de compreender e aprender — principalmente para pessoas que não sejam especialistas em tecnologia -, e escrevê-las em linguagem simples;
  • Tornar as diretrizes orientadas para necessidades dos usuários ao invés de orientadas a tecnologias;
  • Mais granularidade e flexibilidade, o que implica em mais diretrizes e uma gama mais ampla de testes.

Estruturalmente, a WCAG 3.0 também se torna diferente, mas creio que ainda seja cedo demais para explicar, em detalhes, como conceitos novos mapeiam com conceitos “antigos”, e quais são as novas propostas de estrutura do documento. Uma coisa certa é: a nova estrutura proposta está alinhada aos objetivos, e será focada em casos de uso do mundo real, além de atualizadas — ou com mínimo amparo para atualização — de acordo com novas tecnologias.

Apenas um ponto, que acredito já ter sido bem definido pelo time, vale ser mencionado:

Os níveis de conformidade deixarão de ser “A, AA e AAA”, e passarão a serem definidos como “Ouro, Prata e Bronze”. Eles foram renomeados para melhorar a acessibilidade e compreensão dos próprios níveis de conformidade.

Nessa versão, o nível bronze será o mínimo necessário para declarar que uma aplicação está em conformidade com a WCAG 3.0 . Só poderão “subir de nível” as aplicações que se adequarem totalmente aos requisitos do nível anterior. “Subir um nível” significará cumprir uma determinada quantidades de afirmações e resultados — que devem contemplar uma ampla variedade de casos de uso. Os conceitos de Afirmações e Resultados, são outras mudanças estruturais do documento — mas não os comentarei aqui, por enquanto.

Agora, gostaria de trazer alguns pontos finais. É importante ressaltar que o que vem a seguir é conteúdo especulativo e refletem ambições do time que está trabalhando nessa nova versão. Não existem definições concretas, mas creio que são importantes para mencionar:

  • A conformidade poderá ser analisada, de forma mais completa e abrangente, em sites e aplicativos. Hoje, a análise de critérios é focada em páginas individuais da web. Isso está alinhado com o objetivo de tornar as diretrizes orientadas aos usuários, e não a tecnologias específicas;
  • Devem ser criados requisitos específicos para lidar com a incorporação de conteúdo de terceiros;
  • Devem ser criadas definições para testes e verificações, como amostragem, pontuação e métricas;

Apesar de já ser uma grande novidade, a linha do tempo da nova versão não traz uma urgência para adequação e adoção das novas diretrizes. O documento deve ser finalizado e lançado próximo de 2028. Isso se dá pela própria intenção de mudar estruturalmente o documento, e como fazer esse processo adequando uma transição da versão anterior para a nova.

Existem duas possibilidades também analisadas pelo time: poderá haver uma nova atualização da versão 2, uma versão 2.9, para servir de transição. E a versão 3.0 poderá ser lançada em incrementos de módulos pequenos. Essas duas possibilidades poderiam agilizar o lançamento.

Mas, como disse antes, esses são desejos e especulações do time, que foram expressos em uma apresentação, de um dos autores do documento, na axe-con 2022:

The WCAG 2.2 and 3.0 update: What, when and how? — axe-con 2022

Esse foi um panorama do que foi, do que é e do que deve ser a WCAG.

Por fim, quero ser mais pessoal nessa última sessão. Gostaria de ressaltar a importância de nos atualizarmos para as melhores práticas e requisitos, a fim de garantirmos uma criação de produtos acessíveis. Mas esse esforço vai muito além da técnica e das boas práticas.
Devemos, juntos, criar uma cultura — verdadeiramente — acessível ao desenvolver produtos digitais. Somente assim deixaremos de tratar a acessibilidade como uma funcionalidade extra e passaremos a entender nossas pessoas usuárias em sua completa pluralidade e individualidade.

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